”Não existe essa coisa de sociedade, apenas indivíduos e as suas famílias"Margaret Thatcher.
“O Governo terá como seu primeiro e primordial dever, fazer reviver o espírito de unidade e cooperação na nação, preservar e defender os seus princípios básicos da Cristandade como alicerce da moralidade nacional, e a família como base da vida nacional.”, Adolf Hitler.
Num mundo cada vez mais opaco temos de encontrar os caminhos da liberdade.
Seremos de facto livres politicamente? – Temos verdadeira liberdade individual? –
Viveremos numa Sociedade cada vez mais injusta à sombra de uma nova forma de exploração? – O que é o neoliberalismo? Onde nos conduz? – À supressão de todas as liberdades?
O acto de pensar impõe-se cada vez mais. Tomar verdadeira consciência do que nos rodeia, do que representa de facto a globalização, mas sobretudo olharmos para o nosso vizinho como mais uma vítima em lugar de o olharmos como um potencial inimigo.
Desmoralizadas todas as demais justificações para a invasão do Iraque, o presidente Bush tem recorrido cada vez mais ao argumento de que pelo menos o Iraque está livre. “A liberdade,” diz ele, “é a maior de todas as dádivas a cada homem e mulher neste mundo” e “como a maior potência na terra, temos a obrigação de ajudar a espalhar a liberdade”. Mas, como há muito argumentou Matthew Arnold, "a liberdade é um grande cavalo a cavalgar mas a cavalgar em algum lugar". Assim, onde é que os iraquianos são supostos cavalgar o seu cavalo da liberdade?A resposta americana foi pronunciada em Setembro de 2003, quando Paul Bremer, chefe da Coalition Provisional Authoriy, promulgou decretos que incluíam a privatização completa da economia, plenos direitos de propriedade às firmas estrangeiras com negócios iraquianos, o direito de as firmas estrangeiras levarem os lucros para fora e a eliminação de quase todas as barreiras comerciais, incluindo serviços públicos, banca e finanças, medias, indústrias manufactureiras, serviços, transportes e construção. Apenas o petróleo foi isentado. Um sistema fiscal regressivo muito aproximado ao que os conservadores nos EUA chamam "the flat tax" também foi imposto. Os direitos à greve foram declarados ilegal e a sindicalização proibida nos sectores chave.Isto equivale à imposição de um tipo particular de aparelho de Estado – chamado neoliberal – no Iraque. Interessantemente, o primeiro caso de neoliberalização ocorreu trinta anos antes no Chile. No rastro de um violento golpe do general Pinochet e apoiado pelo governo dos EUA contra Salvador Allende, eleito democraticamente em Setembro de 1973, os conselheiros económicos dos EUA adoptando as doutrinas neoliberais de Milton Friedmann foram para o Chile para ajudar a instalar uma estrutura quase idêntica àquela agora decretada no Iraque.O período que separa a violência no Chile e Iraque assistiu à criação dos Estados neoliberais – regimes de sonho do capitalismo como os chamou The Economist – em todo o mundo por combinações de coerção e consentimento. A britânica Margaret Thatcher foi a primeira líder mundial a abraçar por vontade própria o fundamentalismo do mercado livre quando eleita na primavera de 1979. Ela atacou o poder dos sindicatos, reduziu o Estado Previdência e os impostos. Procurou a privatização para liberar as energias empresariais, e defendeu que o bem-estar social depende da responsabilidade pessoal e não do Estado. “Não existe essa coisa de sociedade,” disse ela numa frase famosa, “apenas indivíduos e as suas famílias”. Ela cumpriu tudo isto por meios democráticos. “A ciência económica é o método”, afirmou, “mas o objectivo é mudar a alma”. E ela mudou-a.No fim de 1979, Paul Volcker, presidente do Federal Reserve durante a presidência Carter, deslocou o objectivo da política monetária americana do emprego total para a diminuição da inflação. Ele elevou as taxas de juro para um nível muito alto e precipitou os EUA na recessão. No caso de algum conflito entre a integridade do sistema financeiro e o bem-estar da população, assinalou, prevaleceria o primeiro. O presidente Reagan, na tomada de posse em 1981, deu os passos políticos necessários para consolidar a manobra de Volcker. Atacou o poder dos sindicatos, reduziu dramaticamente impostos, cortou nos benefícios do Estado e deixou de forçar a aplicação de leis reguladoras referentes aos direitos dos consumidores, à saúde e segurança no trabalho, à protecção do consumidor, ao salário mínimo e outras. Com duas das maiores potências capitalistas a tornarem-se neoliberais, poderia o resto do mundo ficar muito atrás?A ortodoxia neoliberal, pressionada tanto pela Inglaterra como pelos EUA, introduziu-se nas instituições financeiras internacionais depois de 1980. O Fundo Monetário Internacional tornou-se o principal agente na promoção das políticas de “ajustamento estrutural” sempre que tinha de lidar com uma crise de crédito. Como resultado, países como o México, Argentina, Brasil e África do Sul foram arrastados para o campo neoliberal. O preço de entrar no sistema económico global para muitos países da área soviética foi a privatização e o assumir de uma postura neoliberal. A competição global arrastou muitos outros países, até a China e a Índia, para algo aproximado a uma estrutura de Estado neoliberal. Ainda há alguns Estados, como na Europa e Escandinávia, que se apegam à social-democracia e outros no Leste Asiático conseguiram combinar o neoliberalismo externamente com a preocupação com a igualdade em casa.
Mas algumas variantes de Estado neoliberal agora predominam em todo o mundo. Isto aconteceu em parte devido a uma crise do capitalismo nos anos 70. As taxas de lucro estavam baixas, a inflação e o desemprego estavam a crescer por todo o lado quando o consenso económico (chamado keynesiano) dos anos 60 ditou que eles deviam contrabalançar-se. Os sistemas financeiros estavam um caos, o mercado de valores em declínio e havia uma crise fiscal nas despesas do Estado (sendo emblemática a falência da cidade de Nova York em 1975). A forma de Estado “social-democrata” que surgiu depois de 1945 não conseguia superá-la. Alguma coisa nova tinha de ser inventada. A resposta que venceu foi o neoliberalismo. Mas foi bem sucedido? Em termos de estimulação do crescimento foi um triste fracasso. As taxas de crescimento global nos anos 50 e 60 permaneceram à volta de 3,5 por cento e nos perturbados anos 70 caíram para cerca de 2,4 por cento. Mas nos anos 80 baixaram para 1,4 porcento e nos anos 90 caíram ainda mais chegando a 1,2 por cento e desde 2000 têm-se mantido pouco acima dos 1 por cento. Então porque estamos nós tão persuadidos dos benefícios do neoliberalismo?Existem duas respostas principais. Primeira: o neoliberalismo introduziu uma considerável volatilidade no sistema global, de modo que normalmente há alguns lugares que estão a ir bem enquanto os restantes vão muito mal. Nos anos 80 foi o Japão e Alemanha Ocidental que lideraram o grupo e os EUA ficavam atrás, mas nos anos 90 ambos se atrasaram com o Japão a sofrer de uma década de severa recessão. Nos anos 90 os EUA, Grã-Bretanha e alguns dos “tigres” económicos do Sudoeste Asiático surgiram no topo. Depois o Sudoeste Asiático caiu em 1997 seguido do colapso da “nova economia” nos EUA e agora China e Índia parecem ser os que se destacam na frente da corrida. Num mundo darwiniano, o argumento neoliberal vinga, ficas para trás porque não és competitivo. Apenas sobrevivemos se nos encaixarmos suficientemente bem. Não há nada sistematicamente errado. A falha parece estar em nós.
Ou não somos suficientemente neoliberais?!Em segundo lugar, e mais importante, os grupos com rendimentos mais elevados tornaram-se infinitamente mais ricos sob o neoliberalismo. A desigualdade social aumentou em vez de diminuir. Nos EUA, por exemplo, os 1% do topo da pirâmide de rendimentos detinha 16 por cento da renda nacional antes da Segunda Guerra Mundial, mas durante os anos 50 e 60 essa fatia caiu para 8 por cento e os fracassos dos anos 70 ameaçavam o seu poder ainda mais. Mas em 2000 este grupo voltou a deter 15 por cento da renda nacional e isto pode disparar até 20 por cento num futuro próximo se os cortes nos impostos se mantiverem. Tendências semelhantes, apesar de menos dramáticas, podem ser detectadas noutros países.Assim, o neoliberalismo tem sido erguido sobre a restauração do poder de classe de uma pequena elite de financeiros e directores-executivos. E uma vez que essa classe tem um controlo decisivo sobre os processos políticos e sobre os instrumentos de persuasão, é claro que insiste em que o mundo está muito melhor. E está, para eles. Apesar disso nos EUA, como em qualquer lado, a maioria das pessoas está muito pior do que nos anos 70, particularmente quando o acesso ao ensino público, cuidados de saúde, e outros similares são contabilizados. Naqueles países que viraram recentemente para o neoliberalismo, como a China, Rússia e Índia, observamos a emergência de oligarquias extraordinariamente ricas em detrimento do resto da população.Mas se o crescimento agregado é tão lento, como é que as classes superiores acumulam tanta riqueza? Elas fazem-no em larga medida devido ao uso de práticas predatórias, desapropriando outros. Esta “acumulação por desapropriação” assume muitas formas. Mão-de-obra barata é rapidamente saqueada e quanto mais barata e dócil, melhor. As taxas de lucro das empresas norte-americanas são duas vezes mais altas no estrangeiro do que internamente. Os direitos comuns de propriedade (água, território, etc) estão a ser privatizados. Populações de camponeses desfazem-se dos seus terrenos. O meio-ambiente é degradado. Patentes de direitos para tudo desde materiais genéticos, sementes, produtos farmacêuticos até ideias permitem extrair dinheiro de populações com baixos rendimentos.Bens fundamentais como a educação e cuidados de saúde são tornados comercializáveis e os preços aos utentes sobem em flecha. A lista continua sempre a aumentar. Mas o mais importante de tudo, os sistemas de crédito e financiamento são usados activamente para acumular riqueza num pólo enquanto a extraem do outro. Hipotecas a propriedades agrícolas familiares são executadas, mesmo no EUA. Direitos de reforma são privatizados (o Chile foi pioneiro com a segurança social) e depois muitas vezes diminuídos ou apagados (como no caso da Enron ou mais recentemente na China). Ainda mais dramáticas são as violentas crises financeiras que periodicamente têm arruinado muitos países da América Latina, Europa Central e de Leste, e Leste e Sudoeste Asiático. Isto permitiu que bens produtivos fossem comprados por investidores ricos ao preço de chuva. O neoliberalismo foi uma transferência maciça de riqueza dos pobres para os ricos.Estas injustiças acenderam inúmeros protestos em todo o mundo, vagamente unidos no movimento anti-globalização ou pela justiça global. A resposta do neoliberalismo foi frequentemente a repressão do Estado. O México, por exemplo, é aconselhado pelos EUA a esmagar o movimento Zapatista pelos direitos dos indígenas. Dada a sua base de classe, o Estado neoliberal é compreensivelmente antidemocrático. Em alguns casos, como em Singapura e China, nunca se incomodou de todo com a democracia. E no Ocidente, facilmente se metamorfoseia num autoritarismo neoconservador. A chamada “guerra ao terrorismo” agora proporciona uma cobertura para a extensão da vigilância policial, militarização e medidas autoritárias.Curiosamente, os movimentos de protesto contra o neoliberalismo muitas vezes aceitam os seus termos. Antes de 1980, os direitos humanos individuais eram um ponto de interesse marginal, mas a ênfase neoliberal sob a responsabilidade individual despoletou uma enorme onda de interesse nos mesmos em anos recentes. A evocação de tais direitos pode proporcionar uma retórica para políticas progressivas. Mas pode também legitimar intervenções em Estados soberanos por potências imperialistas. Além disso, desde que a maior parte dos indivíduos não pode levar os seus casos a tribunal, surgiu um vasto aparato de advocacia. A ascensão das ONG à proeminência política foi mais uma consequência impressionante da viragem neoliberal. As ONG por vezes ajudam e são cúmplices da retirada do Estado da segurança social. Em outros casos elas apresentam duras críticas às políticas neoliberais. Mas, infelizmente, as ONG não são mais democráticas e transparentes que o Estado neoliberal que criticam. O surgir dos discursos sobre direitos humanos e o poder das ONG proporciona um terreno limitado para erguer uma oposição efectiva.O medo da dissolução social sob um neoliberalismo individualista também despoletou a procura de uma base moral a partir da qual assegurar a reabilitação do poder de classe. Apelos ao nacionalismo (China, Japão, EUA), para valores culturais superiores (“americanos,” ”asiáticos” “islâmicos”), à religião (cristã, confuciana, hindu) ou a compromissos éticos (direitos” e éticas cosmopolitas) irrompeu na discussão. As chamadas “guerras culturais” — por mais desorientadas que algumas possam ter sido — não podem ser descartadas como meros distúrbios indesejados. A transformação da repugnância moral para com as alienações do neoliberalismo em resistência cultural e depois política é um dos sinais dos nossos tempos. Movimentos sociais contra o neoliberalismo, por exemplo, frequentemente articulam a sua oposição em termos de economia moral. Mas argumentos puramente morais são no máximo um terreno fraco no qual contestar as alienações e a anomia que o neoliberalismo produz.Temos, em resumo, vivido numa era de refinada luta de classe da parte do estrato superior da sociedade para restaurar ou, como na China e Rússia, reconstruir um poder de classe esmagador. A viragem para o autoritarismo e neo-conservadorismo é ilustrativa de quão longe irá essa classe e as estratégias que está preparada para desenvolver a fim de preservar e aumentar os seus poderes. A massa da população terá de submeter-se a este esmagador poder de classe ou reagir-lhe também em termos de classe. Se isto parece, age e se sente como luta de classe, então temos de estar preparados para chamá-la pelo seu nome e agir em conformidade.Embora os movimentos de classe possam criar-se por si próprios, não o fazem sob condições da sua própria escolha. Estas condições são actualmente altamente diversificadas e fragmentadas. Encontrar ligações orgânicas entre movimentos sociais opostos altamente diversificados é uma tarefa urgente. As ligações estão lá. O fosso entre a promessa do neoliberalismo (o benefício de todos) e a sua realização (o benefício de uma pequena classe dominante) aumenta. Desigualdades entre classes e regiões tanto em Estados (como a China, Rússia, Índia e África do Sul) bem como internacionalmente apresentam um sério problema político. A ideia de que o mercado faz-se com base na competição é negada pelos factos da monopolização, centralização e internacionalização do poder corporativo e financeiro. A ideia de que o neoliberalismo é baseado na justiça é brutalmente anulada pelos extensos despojamentos. A ideia de que o neoliberalismo é sobre liberdades individuais choca com o aumento de autoritarismo neoliberal e agora neoconservador dos aparelhos de Estado. Quanto mais o neoliberalismo é revelado como tendo falhado um utópico projecto mascarando a restauração do poder de classes para uns poucos, mais se estende a base para a ressurgência de movimentos de massas exigindo políticas igualitárias, procurando justiça económica, comércio justo (em vez de “livre”) e maior segurança económica.A natureza profundamente antidemocrática do neoliberalismo está a tornar-se um forte assunto político. O défice democrático em países nominalmente democráticos é agora enorme. Acordos institucionais como a Reserva Federal, são tendenciosos, fora do controlo democrático. Falta-lhes transparência. Internacionalmente, não há qualquer responsabilidade para não mencionar controlo democrático sobre instituições como o FMI, a OMC e o Banco Mundial. Reaver as exigências de uma governação democrática e igualdade e justiça económica, política e cultural, não é sugerir algum retorno a um passado dourado. O significado de democracia na antiga Atenas tem pouco a ver com os significados de que se recobre hoje em dia. Mas no outro lado do globo, desde a China, Brasil, Argentina, Formosa, Coreia bem como África do Sul, Irão, Índia, Egipto, as contenciosas nações da Europa de Leste bem como no coração do capitalismo contemporâneo, há grupos e movimentos sociais em movimento que estão a agrupar-se pela causa dos valores democráticos.A presidência Bush projectou para o mundo a ideia que os valores americanos são supremos e que esses valores importam uma vez que constituem o coração do que é a civilização. O mundo está em posição de rejeitar essa postura imperialista e fazer incidir no coração do capitalismo neoliberal e do neo-conservantismo um conjunto completamente diferente de valores: aqueles de uma democracia aberta dedicada à realização de igualdade social a par de uma justiça económica, política e cultural.
ABSURDO
O sem-sentido; a inconformidade com as leis da coerência e da lógica; diz-se de todo o texto que não possua lógica interna e não obedeça a determinadas regras ou condições. O trabalho de desconstrução textual pode ser considerado uma tentativa de redução de um texto a um estado ad absurdum, pela revelação das suas contradições internas e impossibilidades lógicas, quer sejam imanentes a esse texto quer lhe sejam impostas. Falamos então dos absurdos de um texto quando nos referimos às suas proposições, ideias ou teses sem sentido.
Na história da filosofia, o absurdo é um conceito que remonta aos eleatas, sobretudo aos paradoxos de Zenão de Eleia que reduziram à condição de absurdo as teses pitagóricas. Diógenes de Laércio considerou inclusive Zenão de Eleia o criador da dialéctica, então entendida como a lógica que se reduziu ao absurdo. Este tipo de redução será ainda explorado pelos escolásticos, em dois métodos principais (que hoje podemos reconhecer, por exemplo, quer nas estratégias desconstrucionistas quer nos processos de construção de discursos parodísticos de muita literatura pós-moderna): a probatio per absurdum (a "prova pelo absurdo", isto é, a demonstração da verdade de uma proposição pela falsidade evidente da proposição que se lhe opõe) e a reductio ad absurdum (a "redução ao absurdo", um método irónico que visava ridicularizar uma doutrina adversária pela demonstração da falsidade de uma proposição levada até ao extremo das suas consequências). Na história da lógica até à Escolástica, vemos que o absurdo é tomado como sinónimo do falso.
Na história da teologia, o termo está testado em Tertuliano (160? -230), fundador da Igreja, que argumentou que a maior verdade do Cristianismo era a sua absurdidade: Creo quia absurdum est. ("Creio porque é absurdo." - frase atribuída erradamente a Santo Agostinho) foi a sua resposta, perante o facto de ser tão irracional ter existido alguém que tenha sofrido tanto pela humanidade que tal só pode ser verdade, pois ninguém iria inventar tamanha absurdidade. Esta tese será retomada por Kierkegaard muitos séculos mais tarde.
Contemporaneamente, o termo está relacionado com o existencialismo francês, tendo sido aplicado a muita literatura do género. O absurdo é o que resiste a todas as questões existenciais; é o que fica depois de perguntarmos qual o sentido da existência. Neste sentido, o ensaio de Albert Camus sobre o absurdo, O Mito de Sísifo, fez escola, mostrando que todo o esforço humano, representado na figura mítica de Sísifo, é inútil. A tradição racionalista que colocava o homem no centro de uma ordem social equilibrada, onde se revelava sempre ou como herói ou como indivíduo que respeita os bons costumes, sucede agora uma visão do homem como indivíduo solitário, destituído de qualquer moral, jamais possuindo qualquer verdade, e sempre angustiado perante o nada para onde terá que caminhar irremediavelmente. O universo de Camus é um mundo feito de despropósitos, onde nada tem valor ou sentido. Portanto, a existência humana que aí se observa tem ela própria uma natureza absurda. As personagens da ficção de Kafka, por exemplo, vivem muito desta condição de absurdidade, pois são empurradas para situações incompreensíveis das quais não se vislumbra nenhuma saída. Este tipo de situação tem sido explorado de forma singular no drama contemporâneo, sobretudo a partir do teatro de Beckett, constituindo inclusive um género autónomo conhecido por teatro do absurdo. Quer neste tipo de teatro quer na ficção que explora a absurdidade, o denominador comum é a crença numa condição humana desprovida de sentido, a qual só pode ser revelada por obras literárias que sejam também elas próprias, pelo menos na aparência, marcadas pela mesmo sem sentido. A principal diferença entre os dramaturgos do absurdo e os romancistas existencialistas consiste na tentativa de explicação do real que apenas os segundos admitem ser possível.
O nonsense, ou o absolutamente sem-sentido, o grotesco, ou representação do ridículo, o fantástico, ou as representações para além do real, o humor negro, ou o mero recurso cómico ao macabro, são conceitos próximos do absurdo, mas devem ser distinguidos entre si. A distinção mais difícil talvez seja entre o sem-sentido (ou nonsense) e o absurdo, que apresentámos como sinónimos na definição de abertura do termo (tese defendida, por exemplo, por Thomas Hobbes, em Leviatã e em De Corpore, onde apresenta uma tábua de proposições absurdas). Em Investigações Lógicas, Husserl entende-os como diferentes entre si, porque o sem-sentido não possui uma gramática, isto é, não tem leis naturais de significação, ao passo que o absurdo é apenas visto como uma parte especial do que tem sentido, sendo por isso sinónimo de contrasenso. Sendo “este tudo” o que é contrário ao bom-senso, portanto, tudo o que imobiliza o senso comum, a literatura do absurdo tende a não distinguir estes termos. Esta literatura pode ser identificada no teatro de Plauton, nas paródias medievais, nas nursery rhymes, no Book of Nonsense (1846), de Edward Lear, em Through the Looking-Glass (1871), de Lewis Carroll, no teatro do absurdo, que explora todas as formas de ausência ou incapacidade de comunicação.
A relação entre o ver e o ouvir participa, na poesia de Sophia, de uma relação entre o fluir de um canto sagrado, unificador mágico e o visível ou aparência da diversidade A profundidade desta atenção dada às coisas compreende-se melhor se a relacionarmos com o primado da existência advogado pelo existencialismo. Na verdade, esta corrente filosófica inverte a máxima cartesiana — “penso, logo existo” — ao postular a sequência: “existo, logo penso”.Concede, assim, a primazia à existência relativamente à essência, o que pressupõe uma aguda consciência da finitude do homem, ou seja, o facto de o homem viver para a morte. Apenas consciente e só se consciente, o homem pode ultrapassar a banalidade da existência anónima que esconde o nada da existência. O medo, o receio e a angústia emergem desta forma dura (mas consciente) de encarar o “nada” da existência, o qual decorre da efemeridade, da finitude e do absurdo da vida. No entender de Heidegger, o homem está “frente a frente com o ‘nada’ da possível impossibilidade da [sua] existência”— daí que surjam esses sentimentos de desespero e angústia. Porém, aqui reside a novidade da proposta existencialista: Estas noções são convertidas em conceitos-chave, pois estes filósofos entendem-nas como conceitos dinâmicos. Segundo o existencialismo ateu de Sartre, isto decorre do facto de não se acreditar mais em Deus e de ele deixar de funcionar como panaceia para explicar o acaso dos eventos e a vulnerabilidade do homem face às circunstâncias. Para Sartre, o “eu” encontra-se só, no seu existir – daí uma das suas obras mais importantes se intitular O Ser e o Nada. Para este pensador é crucial o homem aperceber-se disso e estar atento ao momento em que a consciência do existir se possa revelar, tal como acontece em “A Náusea” (com Roquentin, o protagonista) onde se configura literariamente este momento de epifania: “coisa que estava à espera deu o alerta, precipitou-se sobre mim, vaza-se em mim, estou cheio dela. Não é nada: a Coisa sou eu. A existência, liberta despida, reflui sobre mim. Eu existo. Estou a existir. É suave, tão suave, tão lento! É leve: como algo que se mantivesse no ar em suspensão. Sinto mexer: impressões levíssimas por todo o corpo, que fundem e se desvanecem. Suavemente, suavemente”. (Sartre). Mas Sartre assume-se como ateu.
Posto tudo isto, teremos de facto liberdade política e/ou liberdade individual?