domingo, setembro 25

O “L, Étranger” do Partido Socialista.

Nada no mundo é tão pesado para o homem como seguir pelo caminho que o conduz a si mesmo.
Hermann Hesse



«O Estrangeiro», de Alberto Camus, romance publicado em plena II Guerra Mundial (Julho de 1942), é um livro tentador. Lê-lo uma vez, implica um regresso à releitura. «Ler Camus» – dizia alguém – «é ficarmos com vontade de lhe apertarmos a mão.»

É um livro sobre a condição humana. O manuscrito do romance pretendia aparecer com um subtítulo: «O Estrangeiro, ou Um Homem Feliz». A justiça, a indiferença, o facto de cada homem ser uma ilha na sociedade, as circunstâncias que fazem as tragédias e a desgraça do drama humano, a alegação de que a vida não vale a pena, a rejeição da transcendência, o assumir que Deus está ausente, seria contudo a sua trama. Há mesmo uma narração na primeira pessoa, lá para o final do livro, que impressiona «Eu estava agora completamente encostado à parede» – diz o protagonista.

O escritor Camus, resumira em 1955 o seu romance “L` Étranger” sob a constatação da angústia da personagem, que está perdida perante a vida, os concidadãos que não entende, o querer ser marginal a todos os rígidos sistemas, usando uma metáfora: «Na nossa sociedade, todo o homem que não chorar no enterro da mãe corre o risco de ser condenado à morte.»

Deste ponto de vista, é um livro que abre linhas de análise sobre a hipocrisia sempre presente na sociedade humana.
É um livro que inquieta. Sobretudo porque somos levados a pensar nas formas que pode assumir a inumanidade do homem.

Este breve intróito serve de alguma forma para tentar entender a postura de Manuel Alegre.
Ficou claro para mim em Viseu, que iria disputar as eleições. Toda a imprensa escreveu e contou o inverso. Lembro-me das parangonas: “Manuel Alegre fora da corrida a Belém”, “Alegre desiste” e outras patacoadas do género. Porém, os meios mobilizados por todos os órgãos de comunicação social presentes – e eram praticamente todos – eram mais do que muitos. Os melhores “especialistas”, os mais reputados nomes dos canais televisivos, os mais do que “sábios” analistas que cada um conseguiu arranjar.
Um pequeno e obscuro jornal Regional do qual sou o Director escreveu o que alguns consideraram “asneira”.

Todavia o tempo e Alegre encarregaram-se de nos dar razão. Ou não ouviram atentamente o que ele disse, ou não sabem interpretar o que ouvem, ou no pior dos cenários tentaram “matar” a candidatura do Poeta-político. Em nome de que interesses?

«Na nossa sociedade, todo o homem que não chorar no enterro da mãe corre o risco de ser condenado à morte.»


Manuel tem sido o “L, Étranger” do Partido Socialista.
Manuel tem sido a consciência de um partido que a perdeu. Alegre é obviamente um incómodo para os grupos que vão governando o PS apenas e só fazendo dele uma bem oleada máquina de ganhar eleições.
Tudo o que deveria constituir a verdadeira razão da existência de um partido que ostenta este nome e se reclama de “Esquerda” tem passado para o esquecimento. Não são de facto as grandes questões sociais que preocupam os dirigentes deste partido, mas uma visão neoliberal da sociedade; para o conseguirem reuniram-se em torno do chamado “grupo de Macau” a que voltarei um destes dias.
A candidatura de Soares aparece exactamente nessa perspectiva: conquistar os poderes, mantê-los a qualquer preço, instituir uma dinâmica ainda mal conhecida da grande maioria dos portugueses.

A candidatura de Manuel Alegre é contra tudo isto. É uma verdadeira candidatura de esquerda. Mas é antes de tudo uma forte tomada de posição contra o sistema quase dinástico que se pretende instituir.
É uma lufada de ar fresco no panorama político actual. É certamente uma candidatura onde muitos portugueses se reverão e será de certeza uma desagradável surpresa para o aparelho partidário do PS que apostou ingloriamente no “cavalo errado”.

Jamais poderá ser acusado de ser o causador de dividir uma esquerda que na verdade nunca teve um projecto colectivo e um objectivo concreto. Ele havia dito que avançaria. Quem veio depois é que poderá ser responsabilizado pela divisão. Essa culpa terá de ser assumida por Sócrates e Soares.

Já não é assim tão importante quem conquista a cadeira de Belém. Importante – porque contribui para retirar algum “cinzentismo” à depressão nacional – é a atitude responsável, corajosa e de grande cidadania que esta candidatura representa.

Alegre tem o meu voto e estou certo, o de muitos portugueses que não se revêem nas candidaturas de dois dinossauros parados algures no tempo!

6 Comentários:

Às 25 setembro, 2005 23:53 , Blogger António disse...

Caro amigo:
Fiquei um bocado baralhado!
Vejo que o InApto está fechado e que neste "Conversas de xaxa 4" assinam posts o Peter e o Letras ao Acaso que são nomes de blogs.
Pergunto ao "zezinho":
Estes blogs são todos teus?
És tu o único que neles escreves?
Os textos são transcrições dos outros dois blogs?

Agradeço a visita ao meu.

Abraço

 
Às 26 setembro, 2005 00:56 , Blogger Peter disse...

António,o blog "Conversas de Xaxa" foi criado por mim, que utilizo o nick Peter, sucedendo ao "Poeira de estrelas", que apaguei, por razões particulares. Sucedeu-lhe o "Conversas de xaxa 2", depois o 3 e agora o 4, sempre por termos esgotado o crédito concedido pelo SAPO, que era então o nosso servidor. Houve colaboradores que sairam ,outros entraram, mas o núcleo ("Contributors")manteve-se sempre, tal como pode ver na página do blog. É, portanto um "blog colectivo", que até há pouco tempo, tinha outro elemento, que deixou de colaborar connosco por motivos da sua vida profissional.

O blog "Peter's", como pode ver em "Os meus blogues" é só meu.

Peter, não é nome de blog. É o meu nick.

Quanto aos blogs "InApto" e "Letras ao Acaso", terá de perguntar ao seu criador, que utiliza os nicks "zezinho" e "LetrasaoAcaso" e que temos o maior prazer em contar com a sua colaboração, assim como tivemos o maior prazer com a sua visita.

Por certo visitaremos o seu blog na primeira oportunidade.

 
Às 26 setembro, 2005 01:05 , Blogger Peter disse...

O ESTRANGEIRO

“A paz maravilhosa deste Verão adormecido entrava em mim como uma maré. Neste momento, e no limite da noite, soaram apitos. Anunciavam possivelmente partidas para um mundo que me era para sempre indiferente. Pela primeira vez, há muito tempo, pensei na minha mãe. Julguei ter compreendido porque é que, no fim de uma vida, arranjara um “noivo”, porque é que fingira recomeçar. Também lá, em redor desse asilo onde as vidas se apagavam, a noite era como uma treva melancólica. Tão perto da morte, a minha mãe deve ter-se sentido libertada e pronta a tudo reviver. Ninguém, ninguém tinha o direito de chorar sobre ela. Também eu me sinto pronto a tudo reviver. Como se esta grande cólera me tivesse limpo do mal, esvaziado da esperança, diante desta noite carregada de sinais e de estrelas, eu abria-me pela primeira vez à terna indiferença do Mundo. Por o sentir tão parecido comigo, tão fraternal, senti que fora feliz e que ainda o era. Para que tudo ficasse consumado, para que me sentisse menos só, faltava-me desejar que houvesse muito público no dia da minha execução e que os espectadores me recebessem com gritos de ódio.”

MARCEL CAMUS

 
Às 26 setembro, 2005 01:08 , Blogger Peter disse...

lazuli, tb não votarei em branco nas Presidenciais, assim como o problema do "traçado do Metro", me leva a mudar o meu voto nas autárquicas.

 
Às 26 setembro, 2005 01:34 , Blogger Peter disse...

LetrasaoAcaso, tenho de destacar do teu magnífico artigo, o núcleo do mesmo:

"Manuel tem sido o “L, Étranger” do Partido Socialista.
Manuel tem sido a consciência de um partido que a perdeu. Alegre é obviamente um incómodo para os grupos que vão governando o PS apenas e só fazendo dele uma bem oleada máquina de ganhar eleições.
Tudo o que deveria constituir a verdadeira razão da existência de um partido que ostenta este nome e se reclama de “Esquerda” tem passado para o esquecimento. Não são de facto as grandes questões sociais que preocupam os dirigentes deste partido, mas uma visão neoliberal da sociedade; para o conseguirem reuniram-se em torno do chamado “grupo de Macau” a que voltarei um destes dias.
A candidatura de Soares aparece exactamente nessa perspectiva: conquistar os poderes, mantê-los a qualquer preço, instituir uma dinâmica ainda mal conhecida da grande maioria dos portugueses."

Aqui há tempos, o nosso habitual leitor: "mfc", lamentava-se de, considerando-se uma pessoa bem informada, (que,pela sua profissão, até é) não estar suficientemente informado sobre o "Grupo de Macau" e a sua influência na economia e na política portuguesa.

Agora vou-me deitar.

 
Às 26 setembro, 2005 12:02 , Blogger Peter disse...

letrasaoacaso, concordo inteiramente contigo. Não haverá 2ª volta. O Cavaco ganha logo à primeira.

 

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