terça-feira, setembro 20

Liberdade individual e liberdade política

O texto que se segue não é meu. Guardei-o nos meus arquivos por o achar interessante e polémico. É do tempo em que frequentava os fóruns do SAPO, anterior à “explosão bloguista”.
Não posso indicar com precisão o seu autor. Na altura não me preocupava com esse problema, pois o texto era só para mim, para meu prazer intelectual, mas penso ser de um compatriota nosso, que trabalhava em Paris, na área da Sociologia (?) e cujo nome já não me recordo. Talvez algum dos leitores que por lá andaram, o possa identificar. Daria então o seu a seu dono:

“Para mim as filosofias do Sartre e do Camus não são grande coisa. O que fica das obras deles, não é a filosofia, não é o teatro, são só umas prosas tal como « les mots » para o Sartre e « l’étranger » para o Camus. Existe na obra dos dois uma quantia fenomenal de textos sem interesse nenhum : sobretudo em filosofia e no teatro, que apodreceram com o tempo.

Quem é que pode ler hoje sem gargalhadas « la peste », este livro tão cheio de bons sentimentos que temos a impressão que deve ser um outro escritor que escreveu « la chute ». Já leram « l’homme révolté », ridículo ensaio ! Camus foi também este grande homem que não julgou oportuno publicar durante a segunda guerra mundial um ensaio sobre Kafka (que encontram no « mythe de Sisyphe ») porque Kafka era judeu e assim Camus tinha a certeza de não ter problemas com o ocupante alemão… Que Grande Filosofia não é ? Do mesmo género, Sartre pensou ser um grande resistente com a representação das « Moscas ». Camus e Sartre, dois grandes resistentes com certeza!

O Camus et o Sartre têm importância como artistas e nada mais... « L’étranger » e « La chute » são dois bons livros. E é a mesma coisa para o Sartre : quem é que leu sem dar-se por vencido « L’être et le néant » ? Mas o problema é outro e não simplesmente a minha ironia: qual é hoje a importância das filosofias da liberdade ?

Não compreendo que sejas (eu) atormentado com a frase « il faut que l’homme se retrouve lui-même et se persuade que rien ne peut le sauver de lui-même ». Esta frase hoje não significa mais nada; a ideia do homem e da sua liberdade explodiu com tudo o que sabemos do funcionamento do sistema nervoso. A consciência, sobre a qual o existencialismo se fundou, não é outra coisa senão o produto dos nossos determinismos – genéticos e exteriores. Que significa ainda a liberdade com: « se retrouver soi-même » ? Seria encontrar alguma coisa ou alguém mas não há outra coisa senão um espaço vazio em nós, um grupo de determinismos dos quais o homem desapareceu. « Se sauver lui-même » aqui temos a ideia tipicamente laicizada da redenção cristã, o que podemos salvar dos nossos determinismos ? Nada, basta obedecer e eles fazem o trabalho…

A própria linguagem não tem nenhum espaço de liberdade, a linguagem é completamente determinada : não podes utilizar outras formas que a gramática não proponha e as ideias vêm com as formas. Às vezes podemos ter a ilusão de ser livres, mas não é outra coisa senão uma astúcia da natureza para nos enganar com o falso orgulho de sermos actores das nossas vidas. Até mesmo tudo o que escrevo hoje foi determinada pela minha vida, pelas minhas leituras e experiências, e tudo o que escrevo não vale mais que isso.

Existe um livro em francês que explica isso muito melhor que eu. Não penso que haja uma tradução em português de « Eloge de la fuite » (Collection Folio-Essais, Gallimard, o preço : +- 5 € ) do Henri Laborit, um cirurgião francês. Este livro é mais importante que as obras do Camus e do Sartre reunidas. A única liberdade que temos é a de poder ter consciência dos nossos determinismos.

Acho que fazes uma confusão entre a noção da liberdade individual e a da liberdade politica. A situação depois do 25 de Abril é com certeza melhor para os Portugueses, mas o verdadeiro problema não é esse. O problema da ilusão da liberdade individual é muito mais importante e esta liberdade não existe como já disse. A confrontação do individuo com os seus determinismos é a reacção dele perante esses determinismos é o que faz a sua vida ; a politica é só o quadro deste confronto. Gostas da filosofia do Camus ? Ela não vale grande coisa, o Camus tinha a cultura filosófica dum professor. Podes ler o ensaio do Jean-Jacques Brochier « Camus, philosophe pour les classes terminales » para ter uma ideia do lugar exacto do Camus na história da filosofia…

Deixa lá as filosofias da liberdade e volta às coisas essenciais. Por exemplo aos poemas do Alberto Caeiro. Nesta obra tens muito mais filosofia interessante que nas obras do Camus e do Sartre.

Para acabar: o Sartre que não compreendia nada de ciências exactas não compreendeu também nada do Maio de 1968, ele pensava que era uma revolução e não era nada disso. A situação dos estudantes e sobretudo dos trabalhadores era o verdadeiro problema na época, não as ideias ou a revolução, quanto menos a filosofia ! Todos os « revolucionários » da época são hoje bons burgeses, já viste o Cohn-Bendit ? Agora ele tem ideias revolucionárias como essa : « a violência é coisa má ! » Deputado europeu é um bom lugar para um revolucionário, ganha-se bem !

Deixa lá o humanismo e nota bem o desprezo total do humanismo no romance « la nausée » do Sartre, depois ele mudou completamente, mas « la nausée » sobreviveu e as ideias do Sartre comunista estão enterradas para sempre.

Pessoalmente cago sobre as bandeiras dos movimentos que contestam a globalização. Isso não serve para nada, um pouco de fumo que desaparece depressa. O sistema vai comer depressa todos esses contestadores e o que aconteceu em Génova foram palhaçadas sem importância. O capitalismo ganhou e funcionará ainda por muito tempo.

Preocupa-te contigo e com a tua vida, deixa lá as palavras vazias que só podem enganar os parvos e lê o que é importante tal como :

« Leve, leve, muito leve,
Um vento muito leve passa
E vai-se, sempre muito leve.
E eu não sei o que penso
Nem procuro sabê-lo. »

(Alberto Caeiro )”

NOTA: o texto tem uns anos e foi-me dirigido, mas foi publicado em post num fórum e, portanto, não se trata de um documento pessoal e sigiloso. Dado que o autor trabalha há bastante tempo em França tive de corrigir alguns erros ortográficos e de sintaxe.
Penso que é susceptível de ser comentado, mas eu não estou habilitado a responder: o meu espírito vagueia pelo Cosmos …

24 Comentários:

Às 20 setembro, 2005 11:41 , Anonymous Anónimo disse...

Só o simples facto de colocares este magnifico post te faz capaz de o comentares.
Admito que concordo na essência com tudo o que aqui li. Na verdade e se reparares, já abordei esta temática da falsa sensação de liberdade que julgamos ter. Em verdade julgo que o sistema político Ocidental está todo direccionado para nos dar a ilusão de que somos livres. Afinal não é isso mesmo o neo-liberalismo? E o que é esta corrente ideológica, que não um fascismo refinado? - As ditaduras entenderam uma coisa: demos ao povinho a sensação de liberdade e podemos usá-los como nos aprouver.
Na verdade têm-no conseguido.
Parabéns pelo excelente tema.

 
Às 20 setembro, 2005 11:50 , Anonymous Anónimo disse...

Hum!!!!!!! A minha liberdade é infinita mas em contradição condicionada pelas "práticas políticas". Viva a liberdade...200 anos mais tarde







«Napoleão Bonaparte, durante as suas batalhas usava sempre uma camisa de cor vermelha. Para ele era importante porque, se fosse ferido, na sua camisa vermelha não se notaria o sangue e os seus soldados não se preocupariam e também não deixariam de lutar. Toda uma prova de honra e valor.» Duzentos anos mais tarde, Sócrates usa sempre calças castanhas.

http://ritmos.blogs.sapo.pt e http://utilidades.blogs.sapo.pt da Elsita; tudo BOM!

 
Às 20 setembro, 2005 11:54 , Anonymous Anónimo disse...

Vi o texto e achei que merecia uma leitura atenta... ainda bem que o fiz.
No entanto, estou tão absorta naquilo que li que não consigo fazer um comentário digno deste texto... (talvez devesse ficar, então, calada, não?!)...
Realmente a liberdade é uma ilusão. Somos limitados de todas as formas... A não ser o Caeiro...mas mesmo o sentir limitava-o... os sentimentos aliás limitam-nos sempre...
Acho que preciso fechar-me a reflectir sobre o que li...

 
Às 20 setembro, 2005 12:12 , Blogger Peter disse...

zezinho, o neo-liberalismo é muito mais, e gostaria que escrevesses algo sobre o tema. Simplisticamente, penso que é um sistema que pretende dar a todos iguais possibilidades, o que não é verdade, porque à partida as condições sociais, económicas, culturais e educacionais, não são idênticas.

"demos ao povinho a sensação de liberdade e podemos usá-los como nos aprouver.
Na verdade têm-no conseguido."

 
Às 20 setembro, 2005 12:25 , Blogger Peter disse...

Bluegift, tempos em que discutimos longamente Camus. Sim, julgo ser Alberto Bei. Alberto, era de certeza. Também me lembro desse encontro dele com o Vasco. Complicado, porque tinham concepções políticas opostas.
Acabei por tirar o blog do Vasco dos n/links por não ver interesse no que publicava. Isso não impede que seja uma pessoa excepcionalmente culta e com elevada formação universitária. Ainda jantei com ele e com o Quim Nogueira várias vezes.

 
Às 20 setembro, 2005 12:28 , Blogger Peter disse...

anonymous, obrigado pela visita. Já me tinham enviado essa dos "200 anos mais tarde".
Na primeira oportunidade iremos visitar os teus blogs.

 
Às 20 setembro, 2005 12:30 , Anonymous Anónimo disse...

Peter, perdoa-me usar este espaço mas acabou de ocorrer uma revolução nos blogs!
Zezinho: terás tido as tuas razões para fazeres uma pausa nos teus blogs. Só tenho de as aceitar e desejar-te o melhor. Contudo, não posso compreender que os apagues, que apagues tudo o que já escreveste, que apagues textos que mesmo já tendo sido lidos nos copntinuam a deliciar, a nós, leitores teus. É por esses textos, é pela qualidade inegável destes que os teus leitores te continuam fiéis após tanto tempo....
Como dizia o Agrestino há tempos... hoje a blogosfera ficou mais pobre.

 
Às 20 setembro, 2005 12:34 , Blogger Peter disse...

O texto é muito interessante e tem diversos aspectos a focar, além do indicado pelo zezinho, nomeadamente as relações entra Sartre e Camus, o abandono a que nas Universidades são votados os Cursos literários e filosóficos, as relaçôes de Sartre com o PCF ...

Passei pelo teu blog. Continua só e abandonado. Dá pena ...

 
Às 20 setembro, 2005 12:38 , Blogger Peter disse...

A.Duarte Lázaro, ainda não me tinha apercebido. Mas terá sido ele? É que o "fenómeno" não é inédito.

 
Às 20 setembro, 2005 12:40 , Anonymous Anónimo disse...

Peter, sim foi.

 
Às 20 setembro, 2005 13:33 , Blogger Estrela do mar disse...

...peter... venho-te dar a conhecer o meu outro blog, se quiseres passa por lá...


www.keres1dica.blogspot.com

Beijinhos.

 
Às 20 setembro, 2005 14:11 , Blogger Peter disse...

A,Duarte Lázaro, já verifiquei que o Zé fechou os seus dois blogs. Tentei contactar com ele mas não consegui. Continuo a contar com a sua colaboração no n/blog.

 
Às 20 setembro, 2005 14:13 , Blogger Peter disse...

estrela do mar, com certeza que irei visitar o teu novo blog. Obrigado pela visita.

 
Às 20 setembro, 2005 16:56 , Blogger Peter disse...

Bluegift, todos temos os n/problemas e a nossa disponibilidade nem sempre é total.
Mas o Zé (letrasaoacaso) continua, como sempre esteve, na equipa do n/blog e isso é o que verdadeiramente interessa.

Os maiores êxitos para os seus novos projectos.

 
Às 20 setembro, 2005 18:43 , Blogger augustoM disse...

Só hoje foi possível aceitar o seu convite para ler o texto que indicou "Universo supersimétrico".
Se haverá anjos da guarda, que pessoalmente acredito que não, ou universos paralelos, não sei, mas que os cientistas descobriram que a parte "vazia" que julgavam haver auxência de matéria, estão a chegar à conclusão de que existe uma matéria ainda não identificada qualitativa e quantitativamente, a que chamam matéria negra. Como esta matéria faz parte do Universo, também ela teve de ter a sua origem no Big Bang.
Um abraço. Augusto

 
Às 20 setembro, 2005 18:55 , Blogger augustoM disse...

Gostei muito de ler o texto, identifico-me com as ideias do autor.
Tentando resumir a ideia geral do texto. Não há pobre que não queira ser rico, e não há rico que queira ser pobre. A luta é para deitar a mão à riqueza, o resto são balelas do momento. Talvez ainda venha a fazer um post sobre este tema.
Um abraço. Augsuto

 
Às 20 setembro, 2005 19:58 , Blogger Peter disse...

augustom, o convite era para ler o texto sobre o Big Bang. Esse é que me deu bastante trabalho a escrever.

 
Às 20 setembro, 2005 21:23 , Anonymous Anónimo disse...

Quanto ao texto, não sou suficientemente inteligente para o comentar.

Um beijo,
Lúcia:)

 
Às 20 setembro, 2005 22:22 , Anonymous Anónimo disse...

Lúcia...
...não te menosprezes...

 
Às 20 setembro, 2005 23:03 , Anonymous Anónimo disse...

A. Duarte Lázaro :)

não o faço, apenas digo o que sei:) E n gosto de me fazer de inteligente.

**

 
Às 20 setembro, 2005 23:25 , Anonymous Anónimo disse...

bluegift... e n tenho sempre? ;)
lol

pelo menos desta vez tenho...

 
Às 20 setembro, 2005 23:54 , Anonymous Anónimo disse...

:/ sem discussões isto não tinha piada nenhuma...

...e parece-me que tenho fama na net de ser controversa :)

 
Às 21 setembro, 2005 00:37 , Anonymous Anónimo disse...

Bons sonhos blue

 
Às 21 setembro, 2005 01:18 , Blogger Peter disse...

bluegift, o Fórum Astronomia, no SAPO, já não é o que era. Mas talvez o "augustom" queira ler o texto: "Um universo consciente de si próprio", que já aqui publicámos e que no Astronomia foi o ponto de partida para um tema que se arrastou por vários meses, todos os dias renovado com as contribuições mais diversas no âmbito da Cosmologia, da Relatividade e até da Física Quântica, numa perspectiva de divulgação científica, a partir de livros de cientistas consagrados.
Outros tempos ...

 

Enviar um comentário

Subscrever Enviar feedback [Atom]

<< Página inicial