domingo, setembro 30

O PORTO: O MORRO E O RIO - APENDICE Nº 2: TRES FILHAS EM CELANOVA

Filipa, preferida à meia-irmã Catarina, encontrava-se resguardada no Mosteiro de Celanova, ali pertinho, a meio caminho de Orense (Episódio nº 7)

Quem entrar na Galiza, pelo Gerez ou Lindoso, a caminho da velha cidade de Orense, vai encontrar, a 30 ou 40 km da fronteira, a povoação de Celanova, célebre pelo seu antigo Mosteiro de S. Salvador, fundado por S. Rosendo em 936. Festeja-se agora o Ano Jubilar (907 - 2007) em que se cumprem 1100 anos do nascimento do Santo, curiosamente com berço na zona de Santo Tirso, hoje terras de Portugal.
Igreja de grandes dimensões, planta em cruz latina de três naves, magnífico retábulo, dois coros e órgão, tudo se conjuga para celebrações religiosas e concertos, em que o público mistura devoção com o prazer pelo espectáculo. O mosteiro desenvolve-se na base de dois claustros: um grande, processional, barroco do Séc. XVI, contíguo à Igreja; outro, tipo balcão, terminado em 1722, neoclássico, que possibilita o acesso às celas situadas entre pisos, popularmente conhecido por “poleiro”.


Em fins de 1386, dia 1 de Novembro, o mosteiro de então acomodava quatro hóspedas distintas, vindas há pouco de Santiago. Apesar de ser dia de finados, olhos e ouvidos estavam dirigidos para Portugal, não para os lados da Serra de Xurés mas para uma pequena terra desconhecida, Rio de Mouro, junto ao Rio Minho, entre Monção e Melgaço.
Aí, o Rei de Portugal, D. João I, acordava com o Duque de Lencastre a forma de fazer guerra a Castela, inimiga comum, depauperada pelo desastre de Aljubarrota. Mas dizia-lhe também qual das suas filhas, alojadas em Celanova, tinha escolhido para sua Rainha.


João de Gand, quarto filho de Eduardo III de Inglaterra, contraíra o seu primeiro matrimónio em 1359, com Branca, falecida dez anos depois e de quem herdara o Ducado de Lencastre. Filipa e Isabel, 26 e 22 anos, frutos deste casamento, acompanhavam o pai, mas só a mais velha estava em Celanova; a outra, já com segundo marido e em adiantado estado de gravidez, achara mais prudente ficar em Santiago.
João, agora Duque, só fica viúvo durante dois anos: em 1371 casa com Constança, filha de Pedro I de Castela, sua herdeira na ausência de descendentes varões. E é nessa qualidade que procurava defender os seus direitos após a morte do pai, assassinado pelo seu meio-irmão Henrique de Trastâmara. Catarina, agora com 14 anos, filha do casal, aguarda também em Celanova notícias de Rio de Mouro.
A terceira filha alojada no mosteiro tem a idade de Filipa. Mais uma meia-irmã, esta fora do matrimónio, desporto muito em voga na época e que o Duque praticava com mestria. Chama-se Branca e já é casada...
Constança, madrasta e mãe, também estava atenta. Só duas podem ser escolhidas. Teria preferências?

As guerras com Castela, envolvendo D. Fernando, bem como o Tratado de Windsor desse mesmo ano de 86, constituíam uma boa base de cooperação que uma aliança de sangue devia garantir.
O Duque desembarca na Corunha em Julho, passeia até Santiago e Orense, combina as guerras e casamento de Filipa com D. João e, já no fim do ano, manda a filha para o Porto com comitiva real. Desagradado com os atrasos, ao que se julga, não assiste nem às bênçãos, a 2 de Fevereiro, nem às bodas, quinze dias depois. E já em Bragança passa um Inverno rigoroso que lhe reduz o efectivo a 1.200 ingleses, um terço dos que tinha trazido.
Em meados de Março agrupa-se o exército invasor, com a chegada de 9.000 homens de armas comandados por D. João, acompanhado de sua mulher, como que prolongando uma lua-de-mel que tinha sabido a pouco. Cumprimentos a pai e madrasta, adeus ao marido e lá vai Filipa agora para Coimbra, já grávida, esperar mais uma vez por D. João, enquanto este se dá ao luxo de invadir Castela, ainda não tinham passado dois anos de Aljubarrota. Bonito.

Mas D. João, o de Castela, lambia ainda as feridas enquanto continuava a dar tratos à imaginação para tentar perceber por que não era Rei de Portugal e dos Algarves. Fugindo sempre à batalha campal, forçando uma guerra de cercos e de pequenas escaramuças que a nada conduziam, perdeu uma soberana oportunidade de melhorar os seus níveis de auto estima, considerados já nitidamente alarmantes.
Ao fim de 10 semanas as tropas regressavam a Portugal por Almeida.

Numa guerra sem vencedor no terreno, quem ganhou e quem perdeu?

D. João de Castela, ao passar de invasor a invadido, não ficou com razões para sorrir. Três anos depois caiu do cavalo e morreu.

D. João de Portugal cumpriu o contrato com o sogro e levou a guerra a casa do inimigo. No regresso, já a caminho de Coimbra, em Paços de Curval, Terra de Santa Maria, ia morrendo de febres. Dª Filipa, com o susto, abortou.

O Duque estava a chegar a Trancoso e já recebia emissários a propor-lhe tréguas, firmadas com o casamento da filha Catarina (14 anos) com Henrique III (7 anos).
Mas a guerra ficou-lhe cara, a bolsa vazia e a mulher não gostou: não seria ela a sentar-se na cadeira do trono.

Filipa e Catarina sentaram-se, e bem, cada uma na sua. As duas venceram.
Filipa ganhou ao ser escolhida por um Rei. E continuou sempre a ganhar.
Catarina começou logo a perder para a irmã, serviu de moeda para secar as pretensões da mãe e deram-lhe para marido um miúdo de sete anos, que a história cognominou de El-Doliente. Sete anos depois começou a ganhar: casou, foi Rainha, enviuvou e morreu como regente em nome de seu filho D. João II.

Camões não se esqueceu das duas:

Dar os Reis inimigos por maridos
Às duas ilustríssimas Inglesas
Gentis, fermosas, ínclitas princesas (Lus. IV, 47)

E as duas filhas casadas?
Branca teve razões para chorar: o marido, Thomas de Morieux, um dos comandantes do exército do pai, morreu em Castela. Recebeu a notícia em Coimbra, onde aguardava o fim da guerra e fazia companhia a Filipa.
Isabel, que já ia no segundo casamento, efectuou ainda um terceiro. Por uma questão de coerência, o consorte chamou-se sempre João, como o pai e o cunhado. Não correu riscos de troca de nomes, principalmente em momentos de maior intimidade.

D. João, o nosso, soube escolher.
Filipa, mais que uma época, marcou a História.

(Fernando Novais Paiva)

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sexta-feira, setembro 28

Escolhas mal feitas…

Às vezes há uma dificuldade enorme em ter assunto.
Isso porque não se busca perto de nós, onde nos afecta.
Mas, de repente, começamos a lembrar-nos, não da notícia do jornal, não daquele indivíduo do Kazaquistão ou de Braga - que para o efeito dá no mesmo-, mas do nosso parceiro ou de nós mesmos.
E foi assim. Aparece-me bem delineado o gabinete onde passo a maior parte do tempo que estou acordado. Aqui passeio a neura.
Nunca gostei de estar fechado. Durante uns anos ainda andei na rua, a colher imagens. Durante uns anos tive uma actividade criativa. Não muito, é certo, mas um pouco.
Depois, sem saber como, fui remetido para este gabinete onde me desgasto em cada dia, onde não há espaço criativo.
Não foi para isto que estudei jornalismo. Foi para dar continuidade a um percurso profissional, lógico, pensava eu. Esqueci os amigos na fila, esperando ansiosos à porta.

Na minha ingenuidade, e já nem tinha idade para isso, ainda acreditei que esse era o desenlace natural, depois desses anos a ser uma espécie de jornalista, só que institucional.
A verdade é que, sem saber bem como nem porquê, me vejo na situação ingrata, que já conheço de tantos outros, e que sempre contestei – a unidade de queimados.
Ups!!
Afinal, talvez haja um motivo.

Pois é. Esta história de ser boca aberta e pagar por isso já vem de longe. O pior é que a tendência é para piorar.
Um colega meu dizia: “é pá, isto, cada vez mais, a gente tem que manter é a boca caladinha…”.

É que ainda por cima os únicos cartões que tenho são os de Multibanco. Dos outros, bem, dos outros nunca quis e dificilmente irei querer.

A música continua a estar bem...
Bluegift, às tantas isto é da música...

quinta-feira, setembro 27

Atendedor de chamadas da escola

Esta é a mensagem que o pessoal docente da Escola Secundária de Pacific Palisades (Califórnia) aprovou unanimemente que deveria ser gravada no atendedor de chamadas da escola.
Foi o resultado da escola ter implementado medidas que exigiam aos alunos e aos pais que fossem responsáveis pelas faltas dos estudantes e pelas faltas de trabalho de casa.
A escola e os professores estão a ser processados por pais que querem que as notas que levam ao chumbo dos seus filhos sejam alteradas para notas que os passem - ainda que esses miúdos tenham faltado 15 a 30 vezes num semestre e não tenham realizado trabalhos escolares suficientes para poderem ter positiva.

AQUI VAI A MENSAGEM GRAVADA:

Olá! Foi direccionado para o atendedor automático da escola. De forma a podermos ajudá-lo a falar com a pessoa certa, por favor ouça todas as opções antes de fazer a sua selecção:

- Para mentir sobre a justificação das faltas do seu filho, pressione a tecla 1
- Para inventar uma desculpa sobre porque é que o seu filho não fez o seu trabalho, tecla 2
- Para se queixar sobre o que nós fazemos, tecla 3
- Para insultar os professores, tecla 4
- Para saber por que razão não recebeu determinada informação que já estava referida no boletim informativo ou em diversos documentos que lhe enviámos, tecla 5
- Se quiser que lhe criemos a sua criança, tecla 6
- Se quiser agarrar, tocar, esbofetear ou agredir alguém, tecla 7
- Para pedir um professor novo, pela terceira vez este ano, tecla 8
- Para se queixar dos transportes escolares, tecla 9
- Para se queixar dos almoços fornecidos pela escola, tecla 0
- Se já compreendeu que este é o mundo real e que a sua criança deve ser responsabilizada e responsável pelo seu comportamento, pelo seu trabalho na aula, pelos seus tpcs, e que a culpa da falta de esforço do seu filho não é culpa do professor, desligue e tenha um bom dia!

(colaboração da “bluegift”)

quarta-feira, setembro 26

Mau gosto

Não sei se lhe chame "mau gosto", se "falta de profissionalismo", se as duas coisas?

No passado dia 20, o actor Pedro Alpiarça, de 49 anos, que eu conheci da série "Batanetes" transmitida pela TVI, suicidou-se depois de ter partido o vidro de uma janela de um quinto andar do Hospital de Santa Marta, onde o seu problema de saúde estava a ser seguido.

A TVI tem estado a retransmitir e, até aqui tudo bem, a referida série, como homenagem ao malogrado autor.

Só que, no episódio transmitido ontem (dia 25), apresentaram na referida série um episódio de macabro mau gosto:

Nesse episódio, aparece o referido actor a contracenar com uma actriz, sentados num banco de jardim e a comerem carapaus. Surge depois outro actor, com ar de pessoa bem sucedida na vida e que logo se deduz pelas palavras proferidas, ser dono de uma agência funerária. Ambos se dirigem ao recém-chegado, salientando o seu ar de prosperidade e ao que este responde:
- Carapaus? Agora só como lagosta. Tem morrido tanta gente este mês, que até dava para fazer um funeral à borla.
Resposta da actriz para o actor Pedro Alpiarça :
- Olha Pedro, aproveita.

Não garanto que as palavras proferidas tenham sido exactamente estas, mas o sentido foi-o.

Claro que fiquei chocado. Penso que um visionamento prévio (fundamental) levaria à eliminação da referida cena.

Com franqueza ...

terça-feira, setembro 25

A Terra dentro de 250 milhões de anos


Será esta a superfície do nosso planeta dentro de 250 milhões de anos?
A superfície da Terra está partida em várias grandes placas que vão deslizando lentamente. Há 250 milhões de anos, estas placas que constituem os actuais Continentes, estavam aglutinadas numa única massa, um “supercontinente” a que chamamos Pangea.
Dentro de outros 250 milhões de anos, tenderão a regressar à sua posição primitiva: uma gigantesca massa de terra, a que poderemos chamar “Pangea Ultima”.
Por essa altura, se o “bicho-homem” ainda por cá andar, ou outro bicho qualquer, poderá passear da actual América do Norte até à antiga África e o Oceano Atlântico será apenas uma mera recordação.

Credit & Copyright: C. R. Scotese (U. Texas at Arlington), PALEOMAP

ESCLARECIMENTO:

Problemas com o blog:
- não publicação de comentários;
- eliminação da gravura tirada do “site” “Astronomy Picture of the Day”, que aliás se indica no final do texto em “Credit & Copyright”;
levaram-me a pensar que se tratava de “Copyrights”, não obstante ter sido indicada a “fonte” e o artigo ter um carácter puramente científico, informativo e até educativo.

Por esse motivo e para evitar complicações, apaguei-o. Perderam-se os comentários a cujos autores eu peço mil desculpas.

Posteriormente verifiquei que também tinham desaparecido as gravuras dos artigos:
-“Power of Schmooze Award” e “Os bravos”.

Mas estas gravuras voltaram a ser publicadas, pelo que conclui tratarem-se de problemas de manutenção do Blogger.

É por esse motivo e por pensar tratar-se de um assunto com um certo interesse, que resolvi publicá-lo novamente.

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segunda-feira, setembro 24

Livros


Imaginar-me sem livros, não consigo, nem imaginar um mundo sem poesia, sem longas narrativas, um mundo sem personagens. Causam-me estranheza as casas despidas de livros: parecem-me tão estranhas como casas sem cozinha. Falta qualquer coisa, falta muito. Parecem-me frias as casas sem livros, geladas.

Mas ler não é um vício. Os vícios caracterizam-se por serem fáceis, por anularem a vontade e acordarem o cérebro primitivo em detrimento do cérebro actual, que é racional, criativo e disciplinado. Os vícios fazem estagnar e regredir. São hábitos que se impõem, que dominam, que não se controlam. Os vícios satisfazem a curto prazo. Os hábitos de leitura exigem o oposto: vontade, auto-disciplina, pensar no que se ganha a médio e longo prazo. Tão facilmente nos viciamos no tabaco, como facilmente nos desabituamos de ler.

Deixar de ler seria para mim algo tão estranho como deixar de pensar. Na verdade, nas alturas em que leio menos, sinto o cérebro a ficar preguiçoso, manhoso, viciado, a começar a satisfazer-se com respostas fáceis, superficiais, com análises pela rama. A leitura é uma higiene interior que não dispenso, que não consigo dispensar. E não me basta apenas ler: quero diversidade, sou capaz de ler tudo, porque tudo me interessa. Interessa-me tudo porque tudo é do Mundo e o Mundo e o Homem no Mundo interessam-me muitíssimo. Leio estas coisas por temporadas. Normalmente leio qualquer coisa de ficção e, ao mesmo tempo, mas noutras horas do dia, tenho uma leitura temática. Gosto disso, gosto da variedade. A leitura da minha liberdade quero-a variada. Se lesse apenas um género de livros, correria também o risco de estagnar, de não conhecer perspectivas, de me encantar com as minhas respostas fáceis, de morrer em vida. E, na leitura, os mundos que vou descobrindo são pessoas que vou encontrando. Isso é humanidade.

Ontem passei o dia numa zona solarenga e verde de Lisboa, um espaço imenso com crianças a correr, animais, pessoas sentadas na relva. Lembrei-me daqueles que se fecham com os filhos nos centros comerciais. Os pais que levam as crianças para o “shopping”, em dias como o de ontem, é doentio.

O blog vai passar para onde há muito devia estar: para 2ª prioridade.

Os meus livros, a longa fila, espera por mim.

sábado, setembro 22

Power of Schmooze Award

Este prémio é uma tentativa de reunir os blogues que são adeptos dos relacionamentos “inter-blogues”, fazendo um esforço para ser parte de uma conversação e não apenas de um monólogo”.
Quem me atribuiu o prémio foi a Maria Papoila - http://a-papoila.blogspot.com/
Sem menosprezar os restantes, optei por indicar para o referido prémio e escolhendo entre os n/links, como é natural, os seguintes blogues:

António - http://eusoulouco2.blogs.sapo.pt/
Augusto - http://klepsidra.blogspot.com/
Marta - http://amartaeeu.blogspot.com/
Belzebu - http://ocontrablog.blogspot.com/
Herético - http://relogiodependulo.blogspot.com/

Que ganhem os melhores. Entretanto julgo que poderão já ostentar o selo nos respectivos blogues e eu, como não o sei fazer, vou pedir à “bluegift” que se encarregue disso.

sexta-feira, setembro 21

Mulheres ao volante

Esta manhã quando vinha para o trabalho pela auto-estrada, olho para o meu lado esquerdo e o que é que eu vejo???
Uma fulana num Mercedes novinho, a 150 km por hora, de queixo levantado para o espelho retrovisor e a pôr rímel nas pestanas!
Continuei a olhar por mais uns segundos quando reparei que o carro dela já estava mais de metade na minha faixa de rodagem e ela continuava tranquilamente a pintar os olhos!!!
Apanhei um susto de tal forma (sou homem, não é?!?! Estas coisas chocam-me!!!), que deixei cair a máquina de barbear e larguei o Donut que ia a comer! Como se não bastasse, no meio daquela confusão toda, a tentar não tirar os joelhos do volante para não me despistar, dei uma pantufada no telemóvel que caiu dentro do café que levava no meio das pernas, salpiquei tudo, queimei "o meu amigo e os amigos dele", estraguei a porcaria do telefone e, ainda por cima, desliguei uma chamada importante!!!
Raios partam as mulheres ao volante!!!

(recebida por e-mail)

P.S. – Desculpem se já a conhecem, mas estava a precisar de me rir.

quarta-feira, setembro 19

Gerações

Leio a frase inicial do artigo do meu amigo e companheiro de blogue ANT:

“Olho o mundo à minha volta e sinto-me como um estranho”

e tenho a mesma sensação.

Sinto-me desajustado e isolado, porque este não é o meu mundo, nem pode ser, pois o mundo evoluiu.
Para melhor, ou para pior? É relativo e nem sequer posso responder à pergunta porquanto o termo de comparação seria eu, ou, quando muito, a minha geração.
E onde está esta?
Sei lá! Até porque nem sequer me dou ao trabalho da procurar e daí o meu desajustamento.
Recuso integrar-me na geração a que pertenço, embora no meu inconsciente permaneçam valores e conceitos dela nos quais fui educado e que não posso apagar, nem posso esquecer, pois os mesmos continuarão lá e, mais cedo ou mais tarde virão contundir comigo.
Se fosse um indivíduo isolado, até poderia deitar tudo para trás das costas, mas integrando-me num contexto familiar, social e profissional, sou obrigado a seguir as “regras do jogo”.

Então que fazer?

Se calhar a solução é “fazer batota”:
- Dentro do contexto em que me integro, sigo as regras do jogo. Mas esse indivíduo não sou eu. Não é o meu “eu” verdadeiro que está ali. A melhor solução será falar o menos possível, medir bem as palavras, procurar parecer igual.
- Se tentasse avançar duas gerações, tal seria impossível pois era de imediato liminarmente rejeitado, ou, quando muito, considerado como uma “curiosidade”. Acresce que a impossibilidade também seria minha, por incapacidade de adaptação.
- É pois com a geração seguinte que eu mais me identifico, compreendendo-a tal como ela é. É aqui que eu me sinto mais realizado, é aqui que eu acho que sou “eu” mesmo.

Olho-a de longe, por vezes sou aceite, mas não pertenço lá.

Há vários anos, seis, sete (?) li um texto, de que não resisto a transcrever um pequeno excerto:

“Para mim a coisa mais rica que eu posso encontrar neste mundo é outro mundo interior Além disso a minha visão da vida e da idade das pessoas é muito minha. Acho que a vida é tão rápida, as pessoas que amamos são tão raras, é tão raro que nos olhem sem nos invadirem, é tão raro o respeito pelo mundo dos outros, e há tantos interiores tão desertos e estéreis, que eu habituei-me a olhar além dos corpos das pessoas. O corpo, esse traidor, como dizia Vergílio Ferreira... e é mesmo: traidor, vulnerável, precário, pequeno. Eu tento mesmo viver assim, de acordo com isto. Por natureza, acho que nem tento, fui sempre assim. Por isso não costumo catalogar as pessoas pela idade. Pessoas são mundos.”

segunda-feira, setembro 17

Os bravos

Olho o mundo à minha volta e sinto-me como um estranho.
Não numa terra estranha, como o John Smith do Robert A. Heinlein, mas numa terra onde pouco me revejo.
Leio as “estórias” que fazem a história do quotidiano, e pareço-me um miúdo em tamanho grande que é, como se sabe, o contrário de ser homem em tamanho “piqueno”, como era, por exemplo, o Saul, cópia quase perfeita do acordeonista Quim.

Sento-me no café do bairro e leio o jornal da casa. Não interessa qual. As primeiras páginas são sempre muito idênticas, os conteúdos com maior ou menor requinte de escrita, variam pouco.
Passo os olhos pelas gordas, dou uma leitura pelas mais magras e, de quando em vez leio tudo.
Com o tempo aprendi a ler nas entrelinhas da composição e da construção do quotidiano que todos os dias se vão vendendo.

Essa leitura foi-me ensinada em miúdo, consolidada ao longo de viagens e outras leituras, outras escritas.
É por isso que alguns pormenores, quiçá pouco importantes, me comovem ou me excitam, me adocicam ou estragam o dia.

Às vezes sinto a tentação de recontar as experiências dessas poucas linhas, escritas em espaço restrito, sobre gente sem importância.
A tentação à qual devo resistir, porque afinal o que interessa é o grande cenário onde os verdadeiros reis esgrimem as vidas nos incógnitos, os tais bravos que deveriam ser os protagonistas deste filme.


A banda sonora é óptima, Blue Gift.

(Foto: Luís Filipe Navarro)

sábado, setembro 15

O PORTO: O MORRO E O RIO - 12º EPISÓDIO: VERDADE OU MENTIRA?

E agora, que vamos deixar o morro e iniciar a parte final deste percurso, voltamos a percorrer a Rua D. Hugo, envolta sempre num clima de tranquilidade e respeito, como se nada tivesse a ver com todo aquele emaranhado de outras ruas por onde temos andado. As casas que constituem o seu lado esquerdo fazem logo a diferença, como muito diferente será a classe social dos seus moradores. Não é a Sé da Rua Escura, das Aldas ou dos Pelames; mas o sentimento é igualmente forte: esta Rua não podia estar noutro sítio senão aqui.



A capela de Nossa Senhora das Verdades, particular e mal conservada, faz esquina com as escadas que nos irão conduzir ao Barredo. Faria também a delícia de pintores, se algum resolvesse passar por estes lados: teriam à disposição um magnífico cenário de cinco estrelas.
Mas por aqui não passa ninguém, salvo os moradores das poucas casas que ladeiam as escadas e algum turista mais afoito, com calçado apropriado, que sinta a curiosidade de descobrir o caminho mais curto – e mais antigo – entre o morro de Pena Ventosa e o Rio Douro.



Por aqui se localizava a outra Porta da Cerca Velha – a porta das Mentiras. Assim se chamava este pequeno lugar, alcandorado na vertente sul, como que isolado do resto da povoação a que estava encostado, mas muito cá em cima para fazer parte da zona ribeirinha.
Mentiras, porquê? Promessa não cumprida? Utilização abusiva de algum título ou mercê? Má-língua sobre as virtudes da filha da vizinha, encontrada à noite com um rapaz do Codeçal? Ninguém sabe.
Mas tudo se resolveu com a imagem de Nossa Senhora das Verdades, colocada num nicho da muralha, guardada hoje na capela com o seu nome e que teve o mérito (pode tratar-se até de milagre) de dar uma volta de 180 graus a um topónimo tão pouco prestigiante.

E o homem cansado, mais rugas que idade
Voltou a sorrir e deu o recado:
Se queres a verdade, não podes mentir.


Alguns metros abaixo, um arco pitoresco que nada tem com a Cerca Velha: é o resto do aqueduto que levava a água das Fontaínhas para os Grilos.
À beleza daquele recanto contrapõe-se, logo a seguir, o espectáculo insólito de uma rua caricata, com casas em adiantado estado de ruína, estabelecendo a ligação entre duas escadas: as do Barredo com as do Codeçal, que de Santa Clara descem até ao tabuleiro inferior da Ponte de D. Luís.
Sobrepondo-se a estas, de forma avassaladora e incontornável, marcando impiedosamente o cenário cinzento e pesado que rodeia toda aquela zona, o tabuleiro superior, passando-lhes por cima, materializa, ali, o preço da ligação histórica à outra margem (1). Segundo teto, indesejado, dos prédios a quem protege da chuva e priva do sol, proporciona igualmente aos seus moradores um inquietante ruído de fundo - dantes, contínuo, hoje com o horário do metro - impossível de evitar e penoso de ter por companhia.




Eu gosto de ser quem sou
Com sol, com chuva ou com vento.
Aqui vivo e aqui estou
Não choro nem me lamento

Exteriores à Muralha Fernandina, correm as escadas dos Guindais, mais afastadas e tristemente mais conhecidas, local de derrocadas que a inclinação do terreno tanto favorece. Às desgraças impostas pela Natureza, acrescente-se o aparatoso desastre, em Junho de 1893, ocorrido com o seu elevador, em funcionamento apenas há dois anos, o que desmotivou qualquer nova experiência durante um século.
Agora está lá um novo. Mau era que ao fim de tanto tempo não houvesse tecnologia e vontade para pôr outro a funcionar, com a segurança que se impõe, poupando o desgaste dos seus 293 degraus.


Verdades/Barredo, Codeçal e Guindais: a rede das 3 escadas que durante séculos estabelecia a ligação da cidade alta à zona ribeirinha.
Antes de haver ruas, havia degraus que homens e animais subiam e desciam, numa incessante necessidade de ligação à maior de todas as estradas: o Rio Douro.
Sem o Rio não tinha havido Porto.

(1) - Já referida com a abertura da Av. Da Ponte - Epis. 10 .

E o próximo episódio será o último deste percurso. Olhando para o Rio e ouvindo o que ele nos diz.

(continua)

(Fernando Novais Paiva)

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quinta-feira, setembro 13

Condenados...


Os últimos dias têm sido perturbadores. São as crises económicas, a violência...
A violência...
A notícia chocou-me.
A mulher, de 40 anos, matou os filhos de 11 e 8 anos.
Não me considero mais sensível que a maioria das pessoas o que, neste caso, nem é preciso ser extraordinariamente sensível para sentir horror.
O que pode levar uma mãe a matar os filhos, e de forma tão violenta, hedionda?
O suicídio é sempre violento. É como que a derradeira vingança pela impotência em resolver um conflito interno, real. Sublinho real.
A mulher sofria de depressão. Grave, porque impeditiva de trabalhar.
Como esta mulher, muita gente passa por este tormento. Em silêncio. Porque doença é ter febre e espirrar e tossir e esvair em sangue.
Confrontados com o alucinante ritmo da vida que escolhemos, quantos de nós podemos garantir que um dia não passamos para o outro lado do risco?
Confrontados com essa impotência em lidar com o nosso interior magoado, que apoios teremos?
É assustador que a política de tratamento de doenças mentais, que é disso que se trata, se mantenha quase que inalterada.
E o sofrimento será sempre silencioso. Resta a magia do comprimido. Da droga legal. Porque os orçamentos não comportam os preços de terapias honestas e eficazes.
Para além disso, resta uma ida à bruxa e acreditar que tudo é um feitiço que alguém nos lançou.

A Madie continua desaparecida.
Foi ultrapassada a esperança de a encontrar viva. Pelo menos assim parece. Tal como outras madies, também ela foi vítima de um crime.
Um crime que ainda não tem dono. Mesmo se parece que sim. Que foi a mãe, o pai ou ambos.
Choca-me a ligeireza com que se muda de opinião neste caso. Como noutros.
O casal, antes lindo, antes maravilhoso, é agora culpado antes de ser acusado.
A face maravilhosa de Kate é agora a de uma assassina (já lhe chamaram de poker- jogadora). De bestiais passaram a bestas.
E até o podem ser. Afinal até foram displicentes. Terão de viver com isso, ninguém os pode ou vai querer ajudar.
Mas...
O mas aqui é que existem muitas outras probabilidades.
Os fluídos orgânicos e os cabelos podem ter sido ou não colocados na viatura por outros indivíduos? Essas coisas, em crimes a sério, acontecem com alguma facilidade.
Sobretudo se a Madie ainda estiver viva, ou estivesse nessa altura.
Enfim, outras conjecturas poderiam ser feitas.
Não estou a querer ser advogado do diabo. Vade retro...
Continuo é ser contra a pena de morte. Sobretudo quando a história ainda está a ser contada.

(Fotos: http://www.librodearena.com/myfiles/siameses/suicidio.gif penademorte.enaoso.net/.../000000Inanicao.jpg)

quarta-feira, setembro 12

A Morte - A Dor de uma Perda

Este “pps” é dos melhores, senão o melhor que me têm enviado e de uma ternura encantadora.
Resolvi publicá-lo embora não sabendo quem é o autor e ressalvando para efeitos de “copyrights”, que não me move qualquer interesse ou vantagem. Digamos, utilizando linguagem jurídica, que o fiz para “memória futura”, incluindo-o no blog, já que, guardando-o no arquivo juntamente com os outros, cairia no esquecimento.
Que me perdoem os que já o conhecem.

Os bichos são muito melhores que os homens. Reflictamos nisso para ver se conseguimos reaprender o verdadeiro sentido do amor!
Aconteceu numa praça, no Japão. Não se sabe como o pássaro morreu. Ele estava ali no asfalto, inerte, sem vida. Seria um facto corriqueiro, mas o fotógrafo fez a grande diferença.


A Solidariedade


Segundo o relato do fotógrafo, uma outra ave permanecia próxima daquele corpo sem vida e ficara ali durante horas. Chamando pelo companheiro, ela pulava de galho em galho, sem temer os que se aproximavam, inclusive sem temer o fotógrafo que se colocava bem próximo.

A Solicitação


Ela cantou num tom triste. Voou até ao corpinho inerte, poisou como querendo levantá-lo e alçou voo até um jardim próximo. O fotógrafo entendeu o que ela pedia e, assim, foi até ao meio da rua, retirou a ave morta e colocou-a no canteiro indicado.
Só então a ave solidária levantou voo e, atrás dela, todo o bando.

A Despedida.


As fotos traduzem a sequência dos factos e a beleza de sentimentos no reino animal.

Uma Questão de Amor e Carinho.



Segundo o relato de testemunhas, dezenas de aves, antes de partirem, sobrevoaram o corpinho do companheiro morto. As fotos mostram quanta verdade existiu naquele momento de dor e respeito.

Um grito de dor e lamento


Aquela ave que fez toda a cerimonia de despedida, quando o bando já ia alto, inesperadamente voltou ao corpo inerte no chão e, num grito de não aceitação da morte, tenta novamente chamar o companheiro à vida. Desesperada, mas com amor e carinho, ela despede-se do companheiro, revelando o seu sentimento de dor.

Mas agora respondam-me:

- serão os animais realmente “os irracionais”?

terça-feira, setembro 11

Domínio feminino

Como comentário a um artigo que o meu amigo António postou no seu blog e que consta dos n/links ( http://eusoulouco2.blogs.sapo.pt ), resolvi fazê-lo com esta imagem que tinha em arquivo:


É claro que os "mariavas", que ainda os há, replicarão com um daqueles típicos azulejos, bem portugueses:

«Lá em casa manda ela, mas quem manda nela sou eu»

segunda-feira, setembro 10

Convergência e Contingência


Releio Hubert Reeves introduzindo-lhe estes conceitos:

«Acicatados pelo aguilhão da sobrevivência, os seres vivos têm tendência para utilizar ao máximo os fenómenos naturais (“convergência”), mas ninguém pode descrever previamente as suas múltiplas modalidades (“contingência”).»

Por exemplo:
- O voo é uma vantagem adaptativa fundamental num mundo onde impera a competição, que apareceu isoladamente várias vezes ao longo da evolução e para o qual não se exige nenhuma predeterminação. Há muitas combinações moleculares e transformações fisiológicas susceptíveis de proporcionar o voo. Neste sentido, podemos falar duma “convergência”, que privilegiou o aparecimento do voo. Existem várias espécies animais com técnicas de voo muito diferentes: aves, morcegos, insectos, peixes voadores.
Não obstante a variedade das suas estruturas (“contingência”), têm todas uma característica comum: elevam-se nos ares.

«No nosso planeta, a vida estabeleceu-se por todo o lado. Os meios mais hostis são habitados por organismos munidos de sistemas de adaptação surpreendentes.»
São os organismos conhecidos por “extremófilos”.

Esta omnipresença da vida é uma consequência natural da competição e da pressão das exigências vitais. Quando todos os nichos ecológicos estão ocupados, inventam-se outros novos e os seres adaptam-se a condições cada vez mais hostis. A história das migrações humanas dá-nos disso inúmeros exemplos.

Se os peixes antepassados dos anfíbios tivessem sido dizimados, provavelmente outros organismos teriam tomado o seu lugar.
Não existe nenhuma “seta biológica sinaladora” que tenha como alvo o homem, nem a Terra foi criada expressamente para o receber.

Se, como diz Stephen Jay Gould, no seu livro: “Darwin et les grandes énigmes”:

«Devemos dar graças à pedra celeste que teve o bom gosto de acertar no nosso planeta!»

Ela permitiu que eu aparecesse aqui na Terra, faz hoje muitos e muitos anos …

domingo, setembro 9

Um croquete e um pastel de bacalhau

Passei pelo café da esquina para comer uma mista e beber uma mini. É um café pequenino, como a senhora que entrou.

Uma senhora idosa, baixinha, de cabelos todos brancos e duas alianças na mão esquerda, aproximou-se timidamente do balcão. Uma viúva que deveria viver da pensão de sobrevivência deixada pelo marido. Perguntou a medo quanto custava um croquete e um pastel de bacalhau.

- “0,90 € cada”, disse-lhe a empregada negra.

Contou cuidadosamente as moedas, certificando-se que o dinheiro chegava e pediu para embrulhar. Irá certamente ser o seu jantar, na solidão duma casa vazia.

Soube-me mal o meu lanche ...

sábado, setembro 8

Os imortais

Os políticos nunca morrem, nem sequer adoecem, estão sempre com uma saúde de ferro, "sacrificando-se pelo nosso bem-estar".
Entretando vão dizendo umas asneiras pelo meio, como Bush, que há pouco na TV chamava "austríacos" aos "australianos" com outras "miudezas" pelo meio, mas já estamos habituados e, quanto a mim, "não me aquece, nem arrefece". Cada povo tem o que merece e o que escolhe. Será?

Claro que não, alguns ainda vão ao engano, mas têm sempre a possibilidade de "emendarem a mão", numa próxima votação.
E onde não há votação? Onde os que lá estão permanecem indefinidamente, "ad eternum"?
Ou nas "monarquias comunistas", em que os irmãos e os filhos se sucedem no poder?

"Estou-me nas tintas" para a possibilidade do Fidel de Castro já estar morto, ou artificialmente mantido vivo, o que me trás aqui é a foto, ou antes, a "pseudo-foto" de Bin Laden, transmitida no noticiário das 13h00 na TV, acompanhada de uma mensagem falada, sabe-se lá por quem.
Somos todos parvos, ou quê?
Então nâo se vê, qualquer pessoa vê, que a foto não é do Bin Laden? Vêm com "histórias da carochinha", que ele pintou a barba de negro. Mas o nariz "abatatado", igual ao dum político nosso conhecido? E as sobrancelhas, que no "original" são mais a direito e não arqueadas como as da foto?

Cheira-me a "esturro" e não acredito, nem ninguém acredita, que os "amaricanos", com todos os meios técnicos ao seu dispor, não tivessem detectado aquilo que eu, simples e desconhecido cidadão, imediatamente me apercebi. A não ser que o homem tivesse feito uma plástica, mas também o que é que isso me interessa, ou a vocês?

sexta-feira, setembro 7

Fartura...


Pronto, acabou-se a paciência
Já não há gritos que aguentem
Tanta balela, tanta indecência.

Estou farto de falsos sorrisos,
Farto de tantos juízos.
Estou farto de solidariedadezinhas,
Farto de carícias comezinhas.
Estou farto de libertinagem gratuita,
De ser assaltado na rua
De raptos e violações
De ter a casa fechada
De ter alarme no carro
De falsas atenções
Sem nada, sem nada...

Estou farto de ciganos que não pagam impostos
Farto de muçulmanos que usam burcas,
De cristãos falsos e hipócritas,
De judeus que fabricam armas
Estou farto de tudo,
Estou farto de nada.

Estou farto de andar na rua
Com o olhar desconfiado
De não poder namorar descansado
Com vista para o rio
Sem ser atacado.

E os impostos?
Falsos pretextos
Que alimentam riquezas,
Que aumentam pobrezas.

E as palavras?
Inúteis,
Fúteis
Ocas.

Fiz um desenho banal
Ali estávamos, eu e tu,
Sem moldura, normal,
Apenas sorrindo
De tanta consumição.
Onde ficou o coração?
Onde ficou o coração.

Foto (João Castela Cravo)

quarta-feira, setembro 5

A poesia é o próprio mundo

(Foto Peter)

A poesia é o próprio mundo, o coração do mundo, uma maneira de o sentir, ela existe muito antes das palavras: existe a partir do momento em que algo nos espanta, nos deslumbra, nos encanta ou enraivece. É uma maneira de sentir que gera uma necessidade muito grande de concretização: através das palavras escritas, por exemplo; mas também através da música ou da pintura, através das expressões artísticas. Mas nestas corre-se o risco de mascarar o mundo, de o tornar artificial e falso, de o trair. A poesia concretizada já tem a sua dose de artificialidade: entre a luz e a luz escrita vai uma distância medonha.
Agora pensei na Terra a girar em torno do Sol: num momento ela é irresistivelmente atraída pelo Sol e logo a seguir gira sobre si mesma para impedir a queda, e isso gera a força centrífuga, que é o resultado de dois movimentos contraditórios mas equilibrados. Escreve-se o mundo escrevendo-o o menos possível para o salvar das palavras, como se estas fossem um mal ao qual não se consegue fugir, mas que se tenta por todos os meios que cause o menor dano possível à sua origem.

“Assim eu queria o poema:
fremente de luz, áspero de terra,
rumoroso de águas e de vento. “

(Eugénio de Andrade – “Os frutos")

«Assim eu queria» é uma expressão bonita - o imperfeito “queria”, neste contexto perfeito - porque «o poema fremente de luz, áspero de terra, rumoroso de água e de vento» é o mundo e o mundo não se escreve em absoluto, não se encontra com a poesia escrita a poesia intrínseca. Tenta-se, deseja-se, chega-se muito perto, mas não se escreve o mundo.

domingo, setembro 2

Divagando


Passámos três horas ou mais na esplanada, numa conversa longa e vaga, bem como lenta, pontuada aqui e ali pela exclamação dos fósforos acendendo cigarros. Um crepúsculo de Agosto no Castelo, os telhados da Baixa em tons de tijolo desmaiado estendendo-se em promessas incoerentes até à explosão abrupta do Tejo na sua esquizofrenia de azuis inquietos. Nada para fazer ou dizer, as palavras há muito mudas abrindo silêncios umas vezes tranquilos, outras inoportunos, outras vezes silenciosos. Sempre gostei de olhar a ponte, ao longe, e imaginar que não estou lá, que nesses momentos em que a vejo ao longe a minha pele não é de metal nem o meu coração um poço de combustível em chamas, nem trago à minha volta aquilo que é abstractamente encontro e ordem e caos e túmulo. Por isso não me incomoda o teu silêncio, que no último sabor antes do abandono total da minha memória, me sabe docemente à tua presença incondicional. Mas por vezes, se estou mais animada com um projecto, se trago nas mãos uma ideia nova, se descobri na véspera um mundo novo, procurar-te enerva-me, irrita-me... mas que raio? Não conheces o abismo da descoberta? Não sabes que é preciso dizer o que se vê, pela primeira vez, que nunca ficaram por pronunciar os gritos que a terra nova arranca aos olhos incrédulos de maravilha?! Poderá aguardar-nos não mais que a dor atenta à ingenuidade dos passos entusiasmados, poderá aguardar-nos até a morte, mas é preciso, é necessário, é urgente gritar a descoberta... seja lá do que for. Não sei se nasceste sem gritos ou se gritas para dentro e eu não te ouço: é o mesmo. Tudo o que te peço nesses momentos é um reflexo, um entendimento, um brilho qualquer que me diga que o que trago não é só para mim! Mas tu calas-te, encolhes os ombros, encontras explicações amargas para explicar, pasmo!, a própria luz do sol e eu sinto-me morrer perto de ti. Une-nos o silêncio, nos momentos em que ambos, por razões tão díspares como a cor dos nossos olhos, o procuramos, e encontramo-nos na solidão. Talvez por isso não despertou em mim, até hoje, sequer a vontade de um beijo teu.

(colaboração de Ana Leonor – foto NGM)

sábado, setembro 1

O primeiro homem na Lua


Apollo 11 (20 JULHO 1969) Neil Armstrong, o primeiro homem na Lua.

O astronauta Neil A. Armstrong, comandante da Apollo 11, descendo as escadas do Módulo Lunar no que foi o primeiro passo de um ser humano noutro corpo espacial. A barra negra é consequência de se tratar de uma foto de uma imagem televisiva.

Recordo-me como se fosse ontem: passei a noite em frente à TV, em luta contra o sono, para assistir em directo a este facto inédito. Por isso considero-me uma pessoa com sorte.

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