“Morro com a Pátria”, terá dito Camões no fatídico dia 10 de Junho de 1580, quando a nobreza portuguesa vendida, rendida e cheia de vontade de agradar a sua Alteza Real, Filipe I de Portugal entregou, traiu e vendeu a soberania que havíamos por direito próprio conquistado.
As nobrezas mudaram, mudaram-se os tempos, mas não se mudaram os traidores e os vendilhões.
Esses pululam neste canto à beira-mar plantado.
Séculos depois comemoramos o dia de Portugal, hoje uma República com simbologias monárquicas. E bem. Afinal só mudaram os reis.
Não irei falar sobre os agraciados. Por mim, pode o Presidente que vai dando sinais cada vez mais evidentes de alguma inconstância, condecorar quem lhe apetecer. – Seria bom que retirassem as pensões aos agraciados, em tempo de crise para muitos e de vacas gordas para poucos. –
Porém não posso deixar de me debruçar sobre Leonor Beleza e a “sua” Ordem de Cristo.
Segundo a lei, serão agraciados com a dita ao abrigo do Artigo 4º do Decreto-lei 414-A/86 de 15 de Dezembro, “quem se tiver destacado por serviços prestados no exercício das suas funções nos cargos que exprimam a actividade dos órgãos de soberania ou na Administração Pública em geral e na magistratura e Diplomacia em particular e que mereçam ser especialmente distinguidos”.
Volto à atribuição da Ordem de Cristo a Leonor Beleza. Primeiro, estranho a mesma não ter sido atribuída a toda a família. Como todos sabemos, distinguiram-se e foram notícia “por bem haverem servido a cousa pública”. É no mínimo estranho – e por isso as minhas dúvidas sobre a capacidade do PR – que um caso que a justiça não esclareceu cabalmente tenha sido simplesmente ignorado, aquando da decisão da atribuição da insígnia. Refiro-me obviamente ao caso dos hemofílicos.
Muitos dos contaminados com o plasma contaminado vindo do laboratório Austríaco já faleceram. Talvez tenha sido esta a verdadeira humilhação. Tento meter-me na pele dos familiares destes e daqueles e daquelas a quem a vida ainda não foi precocemente roubada por um tremendo erro – ou má fé? – e apenas consigo imaginar o desejo de justiça, a impotência, a raiva.
Os favores pagam-se.
“Cavaco conselheiro: Beleza junta em Instituição que vai gerir cerca de 400 milhões de euros, Cavaco – o candidato/tabu a Presidente –, António Borges, Dias Loureiro e Proença de Carvalho”
A Instituição é Fundação Champalimaud que conta com fundos milionários. Segundo a Forbes, o magnata teria uma fortuna avaliada em cerca de 1,2 mil milhões de Euros, o que faz com que a Instituição presidida por Leonor Beleza possa contar pelo menos com 400 milhões.
Porém, habituada à impunidade, resolveu que a construção da sede seria no Cabo Raso, num terreno abrangido pelo Parque Natural de Sintra-Cascais.
Leonor beleza poder-se-á ter livrado de vez dos tribunais e o processo dos hemofílicos contaminados com o vírus VIH ser declarado prescrito definitivamente.
A decisão do tribunal, porém, não foi unânime, tendo contado com o voto de vencido do conselheiro Oliveira Guimarães.
Maria José Morgado pedia a anulação da prescrição decretada pelo Tribunal da Relação, em Fevereiro deste ano, alegando que a extinção do procedimento criminal só deveria ocorrer em Fevereiro de 2007. Esta teoria, porém, não foi apoiada pela sua colega destacada no Supremo, a procuradora Graça Marques, facto que condicionará recursos futuros.
Leonor Beleza, recorde-se, foi acusada em 1994 da prática do crime de propagação de doença contagiosa com dolo eventual. Dezenas de hemofílicos morreram por terem contraído o vírus da sida entre 1985 e 1987. À data dos factos, Beleza era ministra da Saúde.
SEGUIU-SE BATALHA JURÍDICA
De então para cá, o processo tem andado de recurso em recurso.
A advogada dos familiares, Francisca Boniface, porém, não desiste e afirma: “É um crime hediondo. Houve mortes e não podemos deixar de perseguir os responsáveis”, disse a advogada. “A Dr.ª Leonor Beleza só terá descanso quando eu morrer. Todas as hipóteses que tiver vou apanhá-las”.
Juntamente com Leonor Beleza foram acusados mais dez arguidos, onde se inclui a sua mãe, Maria dos Prazeres Pizarro.
CRONOLOGIA
19885: O Ministério da Saúde, titulado por Leonor Beleza, adquire um derivado de plasma a um laboratório austríaco – o lote 810537 do Factor VIII. Infectou dezenas de hemofílicos, com vírus da sida.
1987(FEVEREIRO): Leonor Beleza manda retirar o Factor VIII. Em Maio desse ano, morre a primeira vítima.
1992 (JANEIRO): Associação dos Hemofílicos apresenta queixa na PJ. Ministério Público inicia o inquérito meses depois.
1993 (SETEMBRO): Tribunal arbitral define uma indemnização de 12 mil contos para cada hemofílico infectado. Começa a ser paga no final de 1995.
1994 (JANEIRO): Ministério Público acusa onze arguidos do crime de propagação de doença contagiosa com dolo eventual: Beleza, a sua mãe (ex-secretária-geral do ministério) e nove técnicos. Os arguidos requerem a instrução. O juiz Carlos Lobo manda seguir para julgamento.
1996 (FEVEREIRO): T. Relação manda repetir a instrução.
1997 (MARÇO): Juiz Paulo Albuquerque arquiva o processo. Ministério Público recorre.
1998 (NOVEMBRO): A Relação manda o caso para julgamento.
2000 (JANEIRO): Tribunal Constitucional declara a prescrição.
2000 (ABRIL): T. Relação reafirma que deve haver julgamento.
2002 (NOVEMBRO): T. Constitucional volta a considerar o caso prescrito.
2003 (FEVEREIRO): T. Relação confirma a prescrição. Ministério Público e familiares recorrem para o Supremo.
Maria José Morgado considera que o processo só prescreverá em 2007. Familiares de duas das vítimas continuam a tentar levar à barra dos tribunais a antiga ministra da saúde.
Estranho pois, da decisão do PR.
Morreu Vasco Gonçalves:
O luto fingido, as lágrimas de crocodilo de muitos, a alegria de alguns, contrastam com o pesar daqueles e daquelas que entenderam um homem de causas, um ser humano bom e nobre.
Afrontou a Banca, as Seguradoras, os latifundiários. Colocou sectores importantes ao serviço da comunidade. A homenagem está apenas no povo anónimo que o idolatrou.
Após o escrito, o que dizer da actuação do Presidente da República? – Qual foi o critério usado para agraciar alguém, que independentemente da justiça ficará para sempre associada à morte, à incúria, à impunidade?!
O critério terá sido mesmo o de distinguir alguém que de facto o fez, só que pela negativa? – Se foi este o usado, tem então razão Jorge Sampaio e daqui lhe endereço as minhas desculpas.
Se foi outro, dou-lhe um conselho: está sempre a tempo de se demitir. – Sim, eu sei, que poderia ir a reforma “à viola” e os tempos estão difíceis, como V/Exª observou há algum tempo quando ganhou um prémio pecuniário…