quarta-feira, junho 22

O último dia

Estava o dia nublado. Ninguém se resolvia
soprava um vento ligeiro: «Não é o grego é o
siroco» disse alguém.
Alguns ciprestes esguios cravados na encosta e o
mar
cinzento com lagoas luminosas, mais além.
Os soldados apresentavam armas quando começou a chuviscar.
«Não é o grego é o siroco» a única resolução que
se ouviu.
Todavia sabíamos que na alba seguinte não nos restaria
mais nada, nem a mulher bebendo ao nosso lado o sono
nem a memória de que fomos homens alguma vez,
mais nada na alba seguinte.

«Este vento traz à mente a primavera» dizia a amiga
caminhando a meu lado olhando para longe «a primavera
que de repente caiu no Inverno perto do mar fechado.
Tão inesperadamente. Passaram tantos anos. Como vamos
morrer?»

Uma marcha fúnebre vagueava por entre a chuva miudinha.
Como morre um homem? Estranho ninguém refletiu
nisso.
E os que pensaram nisso era como memória de crónicas
velhas
da época dos cruzados ou da - em Salamina - batalha
naval.
Todavia a morte é algo que é feito; como morre
um homem?
Todavia alguém ganha a sua morte, a sua própria morte,
que não pertence a nenhum outro
e este jogo é a vida.
Baixava a luz sobre o dia nublado, ninguém se
resolvia.
Na alba seguinte não nos restaria nada; tudo entregue;
nem sequer as nossas mãos;
e as nossas mulheres trabalhando para outros nos fontanários e
os nossos filhos
nas pedreiras.
A minha amiga cantava caminhando a meu lado
uma canção amputada:
«Na primavera, no verão, escravos...»
Lembrávamo-nos de mestres anciãos que nos deixaram
órfãos.
Um casal passou a conversar:
«Fartei-me do crepúsculo, vamos para casa
vamos para casa acender a luz.»

Yorgos Seferis, "Poemas escolhidos" (de Diário de Bordo I)
tradução de Joaquim Manuel Magalhães e Nikos Pratisinis

4 Comentários:

Às 22 junho, 2005 14:00 , Blogger Peter disse...

Bluegift, reconheço que o texto é longo, mas destaco estes versos: "Todavia a morte é algo que é feito; como morre
um homem?
Todavia alguém ganha a sua morte, a sua própria morte,
que não pertence a nenhum outro
e este jogo é a vida."

 
Às 22 junho, 2005 14:13 , Blogger Peter disse...

Bluegift, sim é um poeta grego e o JMMagalhães prof da FLL.///Quando tiveres o endereço de alguma música actual, que gostes, envia que eu actualizo o template.

 
Às 22 junho, 2005 17:32 , Blogger BlueShell disse...

Olha...é intenso...
Gostei deste texto...
Jinhossssssss...BShell
( tenho uma foto de mim lá na minha concha...hheheheh)

 
Às 22 junho, 2005 18:42 , Blogger Peter disse...

Maria Odila, gostei do teu texto: "Assim,tempo",

 

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