A Justiça é hoje em dia um dos assuntos que, pelas suas consequências e implicações, mais preocupa o cidadão comum. Nem todos podem tomar conhecimento de tudo o que se publica, é o que acontece comigo, que passo uma vista de olhos pelas notícias e raramente leio os suplementos ilustrados.
Mas desta vez calhou e ainda bem, ler a entrevista ao Presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses, Dr António Martins, de 49 anos e juiz na Relação do Porto. Com texto de Helder Almeida e fotos de Jorge Paula, foi publicada no suplemento “Domingo”, do Correio da Manhã, correspondente à semana de 30.08 até 05.09.09. É dela que, com o pedido de permissão, publico um extracto, para conhecimento dos leitores do blogue:
“(…)
P – Mas não fica preocupado quando vê certo tipo de medidas que são tomadas, apesar de se seguir a Lei?
R – É de deixar preocupado. O problema é este: deveríamos viver numa sociedade em que houvesse equilíbrio entre os direitos dos arguidos e os direitos das vítimas. E eu já o disse, há um desequilíbrio no nosso sistema em favor do arguido.
P – Os arguidos têm mais direitos do que as vítimas?
R – Não quero dizer isso nem quero entrar num excesso de garantismo. Mas acho que há um desequilíbrio. Continuamos a perspectivar os direitos dos arguidos como que intermináveis.
P – Sente que os cidadãos perderam a confiança na Justiça e nos Tribunais?
R – Sinto que as pessoas têm menos confiança na Justiça, têm a noção de que a Justiça não é igual para o pobre e para o rico. Quem tem possibilidades económicas consegue que o sistema vá emperrando.
P – Mas sente também isso?
R – Sinto também isso. Não por causa dos juízes mas por causa da Lei, que vai criando essas desigualdades.
P – Portanto, isto remete-nos directamente para a revisão dos códigos penal e de processo penal feita nesta legislatura e da qual foi crítico.
R – O nosso parecer, quando a Lei estava a ser discutida do Parlamento, era claro. Tínhamos que introduzir terapêuticas para o problema da celeridade, da eficácia e da credibilidade. E não se introduziram terapêuticas nenhumas. O processo penal não é mais rápido, continua a ser susceptível de serem postos uma série de entraves que atrasam os julgamentos, não é mais credível. Acaba por funcionar para o pequeno crime e para o cidadão comum mas não funciona para o crime de colarinho branco, para a corrupção, o tráfico de influências, e nem para o cidadão rico, influente e politicamente relevante. Isso reforça a ideia, perante o cidadão comum, de que temos um processo penal para o pobre e outro para o rico. Foi uma oportunidade perdida.
(…)
P – Portanto, não prevê diferenças entre Sócrates ou Manuela Ferreira Leite?
R – Não quero entrar em concretizações. Mas não vejo diferenças significativas em quem tem perspectivas governativas. O programa do PS é mais do mesmo e até transmite a ideia de que tudo já foi feito nestes quatro anos e meio. E eu digo que o que foi feito foi mal feito. E depois penso que há a ideia de que se a Justiça estivesse apenas preocupada na resolução dos casos do cidadão comum se calhar havia condições para um melhor funcionamento. Mas a partir do momento em que a Justiça começou a incomodar , no princípio da década de 90, é evidente que a partir daí a Justiça começou a ser vista, no sector político, como inconveniente. Porque, em última análise, se a Justiça funcionasse bem, muitos desses telhados de vidro que existem na área económica e política estariam sujeitos a ser revelados.
P – O poder político não quer que a Justiça funcione?
R – Estou seguro que o poder político se quisesse que a Justiça funcionasse a punha a funcionar. Como não lhe interessa que funcione na sua plenitude, isto é, para todos, cidadão comum, influente, politicamente relevante, como isso não interessa ao poder político, a Justiça não funciona.
P – Os políticos não saem daqui nada bem retratados…
R – Não saem porque a sensação que tenho é que os políticos não confiam no sistema judicial e por isso tentam arranjar todas as formas possíveis de o condicionar. E a forma que está a ser encontrada é através da revisão da constituição do Conselho Superior da Magistratura.
P – Os juízes estão bem preparados para os casos de colarinho branco?
R – Provavelmente não. Mas antes dos casos chegarem aos juízes há a fase de investigação e que pertence às polícias e ao Ministério Público.
P – E esses estão preparados para investigar esses tipos de crime?
R – E querem que estejam? Se calhar não querem. A PJ foi praticamente desmantelada durante este Governo. O Departamento de Combate à Corrupção tem menos condições. Não acredito que se queira combater a corrupção de modo sério se não se tiver uma polícia bem preparada.”