1387 - 2 de Fevereiro.
Há festa no Porto. Casamento real. Nunca tal se viu nem voltará a ver-se.
Talvez que só mais um Rei tivesse merecido casar-se por aqui: D. Pedro IV. Mas quando o mereceu já era casado e pela segunda vez.
O consórcio fora aprazado três meses antes, dia de Todos os Santos, em Ponte do Mouro, margens do Rio Minho, no conforto da tenda real que havia pertencido a D. João de Castela e que este deixara, contrafeito, nos campos pouco hospitaleiros de Aljubarrota. Dª Filipa, com a mãe e irmã, encontrava-se resguardada no mosteiro de Cela Nova, ali pertinho, a meio caminho de Orense.
D. João I, terminadas as falas com o futuro sogro, correu de imediato para a fronteira alentejana, menos segura que os conventos da Galiza. Não tratou de ir ver se a noiva era bonita. Seria só no Porto, em vésperas de casamento, que ficaria a saber.
Dois meses depois do acordo de Ponte do Mouro, fins desse ano ou princípios do outro, Dª Filipa entrara na cidade, pela Porta do Olival, com a sua numerosa e garrida comitiva. E que comitiva! Até um Bispo vinha, tudo escoltado por mais de cem lanceiros e duzentos archeiros de cavalo.
"...e estamdo entã ( D. João) em Evora, foy emtamto tragida muy homrradamente de mamdado de seu padre a Ifamta dona Felipa aa çidade do Porto...homde foy reçebida com graõ festa e prazer." ..." E pousou nos Paços do Bispo que saõ muito perto da See dese loguar. Ell Rey partio d'Evora e o Comdestabre com elle, e quoamdo cheguou ao Porto achou ahy a Ifante dona Felipa, sua molher que avia de ser, e pouzou em São Francisco .E em outro dia foi ver a Ifamta que aimda naõ vira..."
"...E ell Rey esteve ally poucos dias e foyse caminho de Guimarãis..."
E estando naquela vila, ordenando feitos de guerra, vieram dizer-lhe que o casamento tinha que realizar-se no dia seguinte, porque entrava a Septuagésima onde não se podiam fazer tais ofícios. Então el-Rei cavalgou esse dia à tarde e andou toda a noite... E indo direito à Sé, o Bispo lançou-lhes as bênçãos. E cada um, assim abençoado, voltou para sua casa e aguardou pelo dia 14. Aí sim, com toda a cidade em festa,
“E ell Rey sayo daqueles paços em çima de huu cavalo bramquo, em panos douro reallmente vestido; e a Rainha em outro tall, muy nobremente guoarnida”...”A jemte hera tamta que se nõ podiaõ reger nem ordenar, por ho espaço que era pequeno dos paços a igreija. E asy cheguarão a porta da See que era dally muy perto...”
O átrio da estação de S. Bento está decorado, além de outros temas, com quatro painéis históricos do mestre Jorge Colaço, obras-primas de azulejaria.
Quando passar por lá, repare para o da parte superior, virado para a Rua do Loureiro, mas não acredite, quando vir por aí escrito, que se trata "da entrada solene de D. João I no Porto pela Porta do Campo do Olival, com sua noiva D. Filipa de Lencastre."
A Porta do Olival (onde hoje é o café com o mesmo nome, junto à antiga Cadeia da Relação) alguma vez pode ser representada encostadinha à Sé?
Aquela porta é a de Vandoma, da Cerca Velha. Essa sim, era ali ao lado... E porquê a fantasia de ambos entrarem juntos no Porto? D. João estava em Évora, não é?
Jorge Colaço leu Fernão Lopes e respeitou o cronista. Nem todos o fizeram.
E a cerimónia acabou – e outra, mais íntima, ter-se-á iniciado - com a bênção do leito conjugal pelo Arcebispo de Braga. Teria começado ali a Ínclita Geração? Vou ver a data de nascimento de D. Duarte...
Não. Antes de D. Duarte houve dois filhos: a 30 de Julho de 1388 nascera D.ª Branca (morreu com 1 ano) e depois D. Afonso (morreu com 10). O leito foi abençoado, mas não com efeitos imediatos.
Mas não perturbemos as festas, que duraram 15 dias, com justas reais por homrra desta voda. Vamos respeitar a intimidade do jovem casal, esperar que a cidade se recomponha de tanto bulício e associar o leitor a um merecido descanso, ao fim destes sete fatigantes episódios.
Ao darmos por finda esta primeira fase da nossa peregrinação pelo velho burgo - que fizemos com muito gosto na sua companhia - procurámos lembrar coisas que nem só ao portuense respeitam. Se tiverem sido do seu agrado, então valeu a pena tê-las escrito.”
(Colaboração de Fernando Novais Paiva, autor do texto)
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