sexta-feira, março 25

Cá e lá

Se por cá fizéssemos o mesmo, seguramente que não teríamos chegado ao estado em que estamos. Os deputados no Reino Unido:
1 . não têm lugar certo onde sentar-se, na Câmara dos Comuns;
2 . não têm escritórios, nem secretários, nem automóveis;
3 . não têm residência (pagam pela sua casa em Londres ou nas províncias);
detalhe: e pagam, por todas as suas despesas, normalmente, como todo e qualquer trabalhador;
4 . não têm passagens de avião gratuitas, salvo quando ao serviço do próprio Parlamento.
5 . o seu salário equipara-se ao de um Chefe de Secção de qualquer repartição pública.
Para quê tantos deputados na nossa AR? Para estarem a dormir ou a ler jornais, como se vê em tantas fotos que circulam por aí?

A propósito, sabiam que, em Portugal, os funcionários que trabalham na AR têm um subsidio equivalente a 80 % do seu vencimento? Isto é, se cá fora ganhassem 1000,00 €, lá dentro ganham 1800,00 €. Porquê? Profissão de desgaste rápido? E por que é que os jornais não falam disto?
São “migalhas”, dizem, na nossa incomensurável dívida…
Recebi há pouco uma caricatura do PEC XXII em que se vê uma longa fila de cidadãos, todos nus, a entregarem as suas roupas a um zeloso funcionário do Fisco. É pena eu não ser capaz da reproduzir aqui.

segunda-feira, março 21

Sol e Lua

Estava sentado ao balcão do bar, comendo, em pedaços pequeninos, uma tosta mista e beberricando uma imperial. Queimava tempo: já fizera 4 telefonemas e enviara 2 sms sem obter resposta.
O tipo do balcão olhava para ele: "este chato nunca mais se despacha e há aí gente à espera".

Por fim, depois duma eternidade, chegou um sms: "Não podia vir".

Já o esperava. Eram Sol e Lua. Aqui há tempo, numa praia brasileira, juntou-se uma autêntica multidão para assistir ao encontro dos dois astros. Aqui não seria o caso, nem eram astros, nem os encontros assim tão escassos. Mas, para os que se amam, todo o tempo é pouco.

Encontrei-o na paragem de autocarros:
- Então?
- Não veio.
- Deixa lá, falas com ela logo à noite.
- Não é o mesmo.

Comecei a pensar como seria com um guarda-nocturno e uma enfermeira.
- Sei lá, há sempre tempo e lugar.
- Tempo para sexo, ou tempo para amar?
- Não é o mesmo?
- Não. “Acho que no meio de tudo há o desejo, puro. Depois esse desejo corporiza-se numa pessoa, mistura-se com outros ingredientes. E apareces tu como és, e tu transformas-te em qualquer coisa, num amor desejo, num desejo amor e em tanta cumplicidade que passa por....desejo, pele, ardor, sexo, palavras, ser, noite, dia, presente, querer desejar, ter, ser... “

- És um poeta.
- Quem, eu? Nem penses! Na verdade é um pensamento duma poetiza. Às vezes estas citações resultam … dão-me um ar erudito.

Lá veio o autocarro, apinhadíssimo como de costume e fomos abrindo caminho ao empurrão e à cotovelada. Acabei por levar uma de um tipo que me pareceu ser o Luisão. Mas não era de certeza. Ele não anda de autocarro.

- Vamos ali beber um café, ou tens que fazer?
- Bora.

Falámos do tempo da Faculdade. Ele é muito mais novo que eu, mas ainda não se deu conta. Ou serei eu que não dei?

- Julgas que escolhestes essa miúda?
- Foi o acaso.
- “Acaso”, qual acaso? Foste tu que decidiste ir para essa Fac, não foi o acaso e, convence-te, foi ela que te escolheu para o trabalho de grupo. Planeou tudo, já te trazia debaixo de olho.
- Mas porquê eu?
- Olha, pelo que te disse acima. Nós homens normalmente só olhamos para o “envólucro” exterior, mas elas vêem muito mais além …

Publicado em 26 JAN 2006

segunda-feira, março 14

O risco nuclear

“O trágico terramoto, seguido de maremoto, no Japão foi o quarto mais violento do mundo desde que há registos. Morreu muita gente – dezenas de milhares. Mas o tremor de terra do ano passado no Haiti, menos forte, matou mais de 200 mil pessoas. E o tsunami no oceano Índico em 2004 fez 230 mil vítimas mortais.
Os japoneses preparam-se para a probabilidade de sismos no seu país. A construção é anti-sísmica. Mas falhou a prevenção nuclear. Contra o que a prudência reclamaria, o Japão tem centrais nucleares em zonas de alto risco sísmico. E agora aconteceram graves, problemas em quatro dessas centrais na sequência do sismo.
Não é uma catástrofe da dimensão da ocorrida há 25 anos em Chernobil, na Ucrânia. Mas o que se passou agora no Japão é suficientemente grave não só para que os japoneses tomem medidas adicionais de segurança, como para que os adversários da energia nuclear ganhem um novo argumento, e de peso. Afinal, as centrais nucleares têm ainda riscos que não se limitam à impossibilidade de eliminar o “lixo” radioactivo.”

(Francisco Sarsfield Cabral, in “página1” de 14/3/11)

sexta-feira, março 4

Obrigadinho pela vergonha

“ A todos os bancários com 58 anos que estão há dez anos na reforma. A todos os jornalistas com dentaduras como teclados de piano pagas quase de borla antes que lhes tirassem essa trafulhice. A todos os maus professores que subiram na carreira só porque passaram tantos anos no ensino quanto os passados pelos bons professores. A todos os mestrandos com idade para saber que nunca exercerão o que estudam, mas que vão aproveitando porque entretanto sempre vai pingando a bolsa obtida graças à influência de um familiar. A todos os condutores de Mercedes que o têm porque o seu nível de patamar do emprego diz "direito a carro de classe X", quando a qualidade com que exercem o trabalho seria mais para andar de burro. A todos os autarcas que fizeram obras em casa e não precisaram de pagar por elas. A todos, pobres e ricos, donos de jantes de liga leve e filhos com educação ainda mais leve. A todos os que lá em casa bebem vinho vulgar mas durante a semana, com factura metida na tesouraria da empresa, hesitam entre o Pera Manca e um Quinta do Crasto Vinha Maria Teresa. A todos os empresários que declaram às Finanças prejuízo e aos amigos declaram que este ano vai ser Maldivas. A todos: obrigado.

Ontem, vendo os meus feitores, humildes e com a boina enrodilhada nas mãos, prestando contas à dona alemã da quinta, senti a minha parte da vergonha. Mas a todos, obrigado: graças a vocês sei que há maiores culpados.”

por FERREIRA FERNANDES (Diário de Notícias on line, 03/03/2011)