Uma proposta delirante
Uma proposta delirante
“Muito preocupados - legitimamente - com a crise
portuguesa, não temos grande disponibilidade mental para dirigir a nossa
atenção para as propostas que a Comissão Europeia fez, já em Novembro do ano passado, para a reformulação
institucional da zona euro. Mas devíamos preocupar-nos.
A proposta da Comissão, que consta de um documento
intitulado “Blueprint for a Deep and Genuine EMU” é certamente dos documentos
mais perversos que desde sempre saíram daquele órgão comunitário. A propósito de uma
suposta garantia de estabilidade monetária, bancária e financeira, propõe uma estrutura
institucional de tal forma centralizada que faz parecer a desaparecida União Soviética uma
brincadeira de crianças. Para dar só uma pálida ideia deste espantoso
centralismo burocrático que a Comissão propõe, basta dizer que, na prática,
passaria a ser a Comissão a determinar as grandes linhas dos orçamentos dos
estados membros (dos estados pequenos, entenda-se).
A Comissão fi caria também com poderes de fazer
recomendações obrigatórias sobre as nossas leis laborais e até sobre o nosso
sistema de ensino. Este fi caria subordinado a questões de eficiência económica. Se, por exemplo, a
Comissão considerasse que ensinar Português nas nossas escolas poria em causa a
eficiência da economia portuguesa deixaríamos de ensinar Português nas nossas
escolas. Passaríamos, também, a pagar um imposto para a União sem o podermos controlar pois os nosso votos valem uma
percentagem irrisória dos votos totais do Parlamento Europeu. Perderíamos a
nossa representação nacional nas instituições internacionais a começar pelo
FMI. Ou seja, ficaríamos com menos capacidade de autogoverno que a ilha de
Nauru no Pacífico.
Não sei se as propostas da Comissão europeia irão
para diante. Tenho esperanças que não irão. Mas, na eventualidade de serem aprovadas, é o nosso
país quer desaparecerá como entidade política, histórica e cultural. Por isso, do meu ponto
de vista, qualquer entidade que, em representação do Estado português, aceite
tais
propostas cometerá um feio ato de traição.”
João
Ferreira do Amaral
Economista