segunda-feira, outubro 20

Imaginem

(Texto de opinião por Mário Crespo para o JN)

http://jn.sapo.pt/Opiniao/default.aspx?content_id=974848&opiniao=M%E1rio%20Crespo

Imaginem que todos os gestores públicos das setenta e sete empresas do Estado decidiam voluntariamente baixar os seus vencimentos e prémios em dez por cento. Imaginem que decidiam fazer isso independentemente dos resultados. Se os resultados fossem bons as reduções contribuíam para a produtividade. Se fossem maus ajudavam em muito na recuperação.
Imaginem que os gestores públicos optavam por carros dez por cento mais baratos e que reduziam as suas dotações de combustível em dez por cento.
Imaginem que as suas despesas de representação diminuíam dez por cento também. Que retiravam dez por cento ao que debitam regularmente nos cartões de crédito das empresas. Imaginem ainda que os carros pagos pelo Estado para funções do Estado tinham ESTADO escrito na porta. Imaginem que só eram usados em funções do Estado.
Imaginem que dispensavam dez por cento dos assessores e consultores e passavam a utilizar a prata da casa para o serviço público. Imaginem que gastavam dez por cento menos em pacotes de rescisão para quem trabalha e não se quer reformar. Imaginem que os gestores públicos do passado, que são os pensionistas milionários do presente, se inspiravam nisto e aceitavam uma redução de dez por cento nas suas pensões. Em todas as suas pensões. Eles acumulam várias. Não era nada de muito dramático. Ainda ficavam, todos, muito acima dos mil contos por mês.

Imaginem que o faziam, por ética ou por vergonha. Imaginem que o faziam por consciência. Imaginem o efeito que isto teria no défice das contas públicas. Imaginem os postos de trabalho que se mantinham e os que se criavam. Imaginem os lugares a aumentar nas faculdades, nas escolas, nas creches e nos lares. Imaginem este dinheiro a ser usado em tribunais para reduzir dez por cento o tempo de espera por uma sentença. Ou no posto de saúde para esperarmos menos dez por cento do tempo por uma consulta ou por uma operação às cataratas.
Imaginem remédios dez por cento mais baratos. Imaginem dentistas incluídos no serviço nacional de saúde. Imaginem a segurança que os municípios podiam comprar com esses dinheiros. Imaginem uma Polícia dez por cento mais bem paga, dez por cento mais bem equipada e mais motivada. Imaginem as pensões que se podiam actualizar. Imaginem todo esse dinheiro bem gerido. Imaginem IRC, IRS e IVA a descerem dez por cento também e a economia a soltar-se à velocidade de mais dez por cento em fábricas, lojas, ateliers, teatros, cinemas, estúdios, cafés, restaurantes e jardins.
Imaginem que o inédito acto de gestão de Fernando Pinto, da TAP, de baixar dez por cento as remunerações do seu Conselho de Administração nesta altura de crise na TAP, no país e no Mundo é seguido pelas outras setenta e sete empresas públicas em Portugal. Imaginem que a histórica decisão de Fernando Pinto de reduzir em dez por cento os prémios de gestão, independentemente dos resultados serem bons ou maus, é seguida pelas outras empresas públicas.

Imaginem que é seguida por aquelas que distribuem prémios quando dão prejuízo.
Imaginem que país podíamos ser se o fizéssemos.
Imaginem que país seremos se não o fizermos.

9 Comentários:

Às 20 outubro, 2008 11:25 , Blogger Peter disse...

É fácil para Fernando Pinto e para os restantes membros do CA da Tap prescindirem de 10% do seu vencimento, ainda lhes fica muito. É verdade que esse gesto não teve continuidade nos políticos profissionais e nos administradores (ex-políticos).
É complicado para o pessoal de voo, não pilotos, prescindirem das diutornidades e de outros complementos (já que o ordenado-base é reduzido) a título definitivo, assim como é complicado aceitar-se que o pessoal de terra ganhe tanto ou mais do que quem anda a voar.

"Coisas" do Portugal portugês...

P.S. - Hoje chegou-me às mãos um texto publicado no "24 Horas" sobre o ordenado "faraónico" do administrador do BdP. Qd a "crise" chega, TODOS devem "apertar o cinto".

 
Às 20 outubro, 2008 13:46 , Blogger Joaquim Alves disse...

Claro que a única coisa que podemos fazer é mesmo imaginar!!!

No particular do uso dos carros do Estado lembro-me bem que o meu pai, (já falecido há muito tempo), foi Governador Civil durante largo tempo e tinha um motorista que era agente da PSP, como todos os outros Governadores, aliás.

Esse motorista tinha ordens estritas dele de que o carro apenas servia para o uso do estado e do Governador Civil.

Um dia de manhã e enquanto o meu pai não chegava simpaticamente o homem decidiu levar-me a mim e aos meus irmãos ao colégio.

Quando regressou para ir buscar o meu pai ouviu das "poucas e boas" e dizia-nos depois ele que nunca tinha visto o nosso pai tão irritado!

Enfim, modos de proceder!

Abraço

 
Às 20 outubro, 2008 16:22 , Blogger o que me vier à real gana disse...

Olá, boa tarde!
Embora as coisas não fossem assim tão lineares (os 10% em td) como o Mário Crespo diz, o país ficaria bem melhor sim, não tenho dúvidas. Daí k, pese embora a falta de rigor na extrapolação, parabéns ao autor do texto e a quem resolveu torná-lo um post!

 
Às 20 outubro, 2008 17:33 , Blogger vbm disse...

Embora compreenda que se imagine uma redução no rendimento alto dos quadros de administração e concorde que em tempos de crise todos devem apertar o cinto sem excepções, repudio o demagógico (e restrito) exercício imaginativo daquele jornalista (que de resto, responde com bons programas de entrevistas na televisão).

Considero injusto e vesgo limitar a intenção moralizadora na distribuição de rendimento aos altos quadros assalariados com exclusão dos empreendedores e capitalistas da alta burguesia - aliás donos da comunicação social e atentos à sua própria imunidade, verdadeiro intocável nas críticas fáceis das demagogias baratas.

 
Às 20 outubro, 2008 18:24 , Blogger Meg disse...

Peter,

Entrei neste sonho (delírio) do Mário Crespo e quando tropecei nas palavras "ética, vergonha" e depois "consciência", acordei para a realidade dos políticos, gestores e empresários que temos.
Mas sonhar não é crime...

Um abraço

 
Às 20 outubro, 2008 19:10 , Blogger fa_or disse...

Utopias!!!

Mas seria por aí!... principalmente por aí, que de uma vez por todas, este país "ergueria a cabeça".

 
Às 20 outubro, 2008 20:46 , Blogger Carol disse...

O presidente e os gestores do Deutsche Bank prescindiram dos seus prémios anuais. Não ficaram muito mais pobres por causa disso, mas a atitude é louvável e a Alemanha agradece.

Aqui? Acho que isso não passa de um sonho...

 
Às 21 outubro, 2008 03:00 , Blogger joshua disse...

Conheço bem este texto. Foi após a entrevista do Fernando Pinto. É a grande verdade que corrigiria Portugal.

 
Às 21 outubro, 2008 18:27 , Blogger Manuel Veiga disse...

tenho uma imaginação "pródiga" - imagino umas "coisitas" mais...rss

gostei. o Mario Crespo é das poucas vozes que vale a pena ler...

abraços

 

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