O Início...
"No início não havia nada. E esse nada não era nem vazio nem vago: não precisava de mais, bastava-se. E Deus viu que isso era bom. Por nada no mundo iria criar fosse o que fosse. O nada era mais que uma conveniência : o nada bastava-lhe.
Deus tinha os olhos perpetuamente abertos e fixos. Mas mesmo que eles estivessem fechados, nada iria mudar. Não tinha nada para vêr e Deus não olhava para nada. Era cheio e denso como um ovo duro, possuindo a sua curvatura e a sua immobilidade.
Deus era a satisfacção absoluta. Não queria nada, não ouvia nada, não se apercebia de nada, não recusava nada e não se interessava por nada. Vivia de tal forma em plenitude que acabava por não viver. Deus não vivia, ele existia.
A sua existência não tinha para ele um princípio perceptível. Como certos grandes livros que têm frases iniciais tão discretas, que as esquecemos rapidamente e ficamos com a impressão de estarmos instalados na sua leitura desde o princípio do tempo. Da mesma forma, era impossível perceber o momento em que Deus começou a existir. Era como se Ele tivesse sempre existido.
Deus não tinha linguagem e portanto não tinha pensamento. Ele era saciedade e eternidade. E tudo isto provava incontestavelmente que Deus era Deus. E esta evidência não tinha qualquer importância, porque Deus se estava completamente a lixar para o facto de ser Deus."
Amélie Nothomb
in "A Metafísica dos Tubos"
(adaptação)
nota: Esta passagem é a descrição literária mais extraordinária que conheço da Origem do Mundo e de Deus. Amélie Nothomb, Belga, é conhecida pelo romance "Stupeur et Tremblements" que mereceu um prémio da Academia Francesa, tendo igualmente sido adaptado ao cinema.
9 Comentários:
Apesar de ser uma perspectiva interessante da origem de Deus e do mundo, ainda não é para mim, suficientemente credível para merecer a minha atenção! Ele que dê a cara e que mostre onde aprendeu os truques!
eheh!! Aquele abraço infernal!
Interessante...
Uma perspectiva possível, embora a maioria da nosso mundo hoje só acredite em algo baseado em provas...
... não conhecia, mas é notável!
Basta a fluidez do discurso para ser notável. Não conhecia, obrigada!
Belo texto, sem dúvidas! Mas acho que Deus estava arredio e triste, com a futura criação, porque havia previsto todo holocausto do mundo. Mas seria necessário que assim fosse. Infelizmente viu todos os horrores, que a humanidade seria capaz de cometer; pela ambição, inveja, desamor. Porém só assim, cumprimos os carmas e crescemos espiritualmente. Ele só não previu, que tudo chegasse a extremos. Acho que a postura, já era de um grande arrependimento pelo que seria chamado de humanidade...
Amei o post!
Bom fim de semana!
Beijos
"bluegift"
Em meu entender, no texto, o que é de salientar, não é a existência, ou não existência da Divindade, mas sim como dizes:
- Ser "a descrição mais extraordinária (que conheces) da Origem do Mundo e de Deus".
Reportando-me à Mitologia Grega:
A criação da Terra, segundo os Gregos
«Muito, muito antes de os deuses aparecerem, num passado obscuro, há eras incontáveis, existia apenas a disforme confusão do Caos, mergulhado na escuridão de breu. Por fim (o como ainda nunca ninguém conseguiu explicar verdadeiramente) nasceram duas crianças desse nada informe. A noite era filha do Caos, tal como Érebo, a profundidade impenetrável onde a morte habita. Em todo o Universo não existia mais nada, tudo era escuro, vazio, silencioso, infinito.»
Bluegift, depois de uns dias de ausência, ainda vou precisar de mais umas horas para me dedicar a
este texto. E analisar também o que o Peter pensa do assunto, embora à primeira esteja mais para o ponto de vista do Belzebu...
Eu volto
Um abraço
"bluegift"
A parte final do texto:
"A sua existência não tinha para ele um princípio perceptível (…) Era como se Ele tivesse sempre existido. (…) Deus (…) era saciedade e eternidade. E tudo isto provava incontestavelmente que Deus era Deus. E esta evidência não tinha qualquer importância, porque Deus se estava completamente a lixar para o facto de ser Deus."
A parte final do filme e do livro:
«(…) ele (Bowman) deixara para trás as escalas temporais da sua origem humana; ao contemplar aquela faixa de noite sem estrelas, sentiu as primeiras intimações da Eternidade que se abria à sua frente. Mas lembrou-se então de que nunca estaria só (…) Quando, nos seus primeiros passos hesitantes, precisasse de ajuda, ela estaria lá. Novamente confiante, lançou-se através dos anos-luz (…) Voltara precisamente aonde queria, ao espaço a que os homens chamavam real.»
"Fixe", este Deus !
Acho que a um tipo destes me catequizava. Há um je ne sais pas quoi de Alentejano neste Deus que me agrada...tens a certeza que a autora não se terá inspirado por estas latitudes ?
:))
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