Recordações de infância
Na vila onde nasci frequentei a então chamada Escola Primária, cuja frequência era obrigatória até à 3ª classe. Ali andei com rapazes (porque as escolas não eram mistas) de todos os extractos sociais. Era um privilegiado, pois tinha botas, enquanto a maior parte dos meus colegas iam descalços.
Enquanto lá andava, saiu legislação que estendia a escolaridade obrigatória até à 4ª classe, o que originou fortes protestos dos latifundiários que, diziam, viam-se assim privados dos "ajudas" para os pastores.
Não havia nenhumas actividades extras, jogava-se futebol com bolas feitas de meias que as nossas mães coziam, depois de cheias com trapos. De vez em quando aparecia um "sortudo" com uma bola que nós chamávamos de “cautchu”, que eram as utilizadas pelas equipas de futebol da época. Eram de borracha resistente, envolvidas com um revestimento de couro, mas com atacadores também em couro. Tinham de ser cheias com uma bomba de bicicleta, que era coisa que ninguém tinha, e por isso tínhamos de pagar $50 na loja onde alugavam as bicicletas em que andávamos. Uma fortuna!
A cobiçada bola de “cautchu” saía com uns cromos de jogadores de futebol que envolviam uns rebuçados intragáveis e com os quais se ia enchendo a caderneta, à excepção do jogador premiado. Saía uma bola por caixa e o dono da mercearia, porque o comercio não estava diversificado como hoje, recebia do fornecedor a caixa de rebuçados e, num envelope à parte, o jogador premiado, que ele só metia lá dentro, quando os rebuçados estavam quase no fim. Então a malta fazia uma "vaquinha" e comprava os rebuçados todos que ainda havia na referida caixa.
Outra actividade extra-curricular era caçar pardais. Cada um de nós tinha uma fisga, que fazíamos a partir de um pequeno ramo de oliveira em forma de Y (hoje parece que se vendem feitas de plástico). Arranjávamos umas tiras de borracha das câmaras de ar dos pneus que já não servissem por terem demasiados remendos e um pedaço de cabedal que o sapateiro nos dava e estávamos armados para a caça.
Não havia "game-boys" e outras dessas porcarias, que custam um dinheirão. A nossa formação intelectual completava-se com "O Mosquito", um semanário de banda desenhada que circulava de mão em mão.
Pois é, hoje deu-me para isto ...
(Foto GOOGLE – texto a incluir no livro a publicar, agradeço sugestões para o título)
11 Comentários:
...também eu e um grupo enorme de rapazes e raparigas treinámos a vida na rua. Viviamos na cidade mas nas férias escolares íamos, quase todos, para a "terra" e também lá, na terra, treinávamos a vida na rua, com primos e amigos.
Os brinquedos não eram nada elaborados, na cidade as bicicletas e as bolas, na terra os fardos de palha, os moinhos velhos, ...
As relações de amizade eram elaboradíssimas e assentavam num objectivo comum: ir para a rua
A rua, na cidade ou na terra, era o manual mais importante
Maria
Corremos atrás do tempo da nossa infância, mais uma vez descalços, não por retorno, mas poruqe disso tememos que nos reserve o futuro.
Peter,
Se calhar deu-te para isto por causa da proximidade do Natal e da parafernália de "brinquedos" que nos vai invadir e às nossas crianças... o inferno do consumismo desenfreado, em que a felicidade das crianças deixa muito a desejar, e a resistência dos pais é submetida a uma dura e rude prova.
Isto sou eu a pensar...
Um abraço
Um abraço
Olá, Peter!
Não recebeste o meu e-mail?
Então qual o endereço que devo usar?
Escreve-me para
a.castilho.dias@netcabo.pt
Abraço
(e não desistas...um livro é um legado teu para todos nós)
ainda bem que te deu para isto, muito bem escrito, será um livro a ler com toda a certeza.
Maria
Penso que a actual geração perdeu muito em não brincar na rua. Penso e tenho pena deles por o não poderem fazer, mas é que não podem mesmo.
antonio-o implume
Já não és desses tempos, mas a seguir à Guerra Civil, os militares em Espanha andavam de alpercatas de sola de corda, as mais ordinárias possível.
meg
Já há 2 anos que a família adoptou o seguinte esquema:
- não há prendas entre adultos;
- prendas para os netos são cheques dados aos pais.
Qt ao livro ("nuvens") é um projecto k não sei se se concretizará, pois é mt difícil penetrar no mundo editorial.
António
Obrigado pelo acolhimento. Neste momento estou a seguir duas vias p/publicar o livro ("nuvens"):
- editora do livro da MM;
- tipografia que publicou o livro do "ant". Mas aqui existe o problema da falta de distribuição.
O meu endereço mais fiável é:
conversas.xaxa@gmail.com
Abraço
Tiago
É difícil penetrar no mundo editorial. Vamos ver se "nuvens" chegará a ver a luz do dia.
Abraço
Muito bem, vejo que o amigo ensaia passos menos mordazes e prepara uma surpresa em forma de "Nuvens" ... gosto da escrita, pelo menos assim nesta versão "short".
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