(continuação 4)
Ora, tudo nega o mito.
Nas diversas regiões do mundo, «os judeus formaram comunidades religiosas constituídas, na maioria dos casos, por conversão: elas não representam, portanto, um ethnos portador de uma mesma origem única e que se teria deslocado acompanhando uma errância de vinte séculos».
No final do século XX, os «novos historiadores» desconstroem as grandes narrativas nacionais, os mitos da origem comum que tantos «pesadelos identitários» causaram no passado. Eles serão substituídos, no futuro, por outros sonhos de identidade.
Pois, «tal como toda e qualquer personalidade, feita de identidades fluidas variáveis, a história é, também ela, uma identidade em movimento».
:))
Fonte: “Demonstração de uma história mítica — Como foi inventado o povo judeu” de Shlomo Sand, historiador, professor na Universidade de Telavive, in Le Monde Diplomatique, Agosto 2008.
7 Comentários:
Escreves:
"No final do século XX, os «novos historiadores» desconstroem as grandes narrativas nacionais, os mitos da origem comum que tantos «pesadelos identitários» causaram no passado."
Digamos que foi a partir dos anos 20 do século XX com a chamada "História Nova", de Marc Bloch, professor liceal e historiador, membro do PCF e da Resistência e que viria a ser fusilado pelos alemães.
Em Portugal por Joel Serrão, acompanhado por Oliveira Marques e Magalhães Godinho, da escola francesa dos Annales, de Marc Bloch, Lucien Lefebvre e posteriormente Fernand Braudel.
De facto, uma nova tendência na interpretação da História começou a esboçar-se nos anos 20 do século XX, na revista Síntese e posteriormente, nos anos 30, com a revista "Les Annales". Esta nova concepção de interpretação da História, que ficou conhecida como "Escola dos Annales", põe em causa toda a historiografia tradicional e "historicista". Visava substituir uma visão demasiadamente política e institucional da História, que caracterizava as correntes anteriores (História factológica) por uma História mais vasta, que incluísse todas as actividades humanas; uma perspectiva da História menos ligada à narrativa dos acontecimentos e mais ligada à análise das estruturas, privilegiando o "imaginário colectivo".
A Escola dos Annales destacou-se das anteriores:
- ao desprezar o acontecimento e insistir no "tempo estrutural", de longa duração. Fernand Braudel, na obra "O Mediterrâneo e o mundo mediterrâneo na época de Filipe II" sugeriu que as mudanças, no devir histórico, acontecem a ritmos diferentes, distinguindo particularmente três desses ritmos: o ritmo rápido dos acontecimentos (o simples acontecimento), o tempo dos sistemas económicos, Estados, sociedades e civilizações (as "conjunturas") e uma História de repetição constante de ciclos recorrentes (as "estrutura");
- ao afirmar que a História não deveria ser mais uma sequência de acontecimentos relatados em documentos escritos.A reconstituição da História deveria ser realizada através de outro tipo de "documentos" como, por exemplo, os vestígios arqueológicos. Tudo passava a ser considerado "documento histórico" e não apenas o documento escrito;
- ao considerar não apenas novos documentos mas também novos domínios, debruçando-se na análise dos factos económicos, na organização social e na psicologia colectiva das mentalidades;
- ao promover a "interdisciplinaridade" com outras Ciências Sociais, tentando chegar a uma "História total". Segundo Fernand Braudel, "depois da fundação dos Annales, o historiador quis-se e fez-se economista, antropólogo, demógrafo, psicólogo, linguista... Há uma história económica, uma maravilhosa história geográfica, uma demografia histórica, há mesmo uma história social(...)"
Fernand Braudel promoveu a aproximação da História às restantes Ciências Sociais, particularmente à Sociologia.
Hum... Parece-me - parecer de leigo, entenda-se -, que a História por essa via se torna mais sociológica que narrativa. Mas reconheço que há um excesso de causalidade narrativa na metodologia tradicional da História que a desvirtua de uma correcta percepção e entendimento dos factos. O livro mais fabuloso que li de História foi a Histoire Universelle de Carl Crimberg que me deixou estupefacto com a maravilhosa e imprevisível sucessão de ideias-força de cada época histórica e de cada civilização no espaço e no tempo. E Portugal, como outros povos de navegadores e mercadores, desde os fenícios e os gregos, aos holandeses e ingleses, teve o privilégio de contactar essas diferentes culturas, povos, civilizações, tudo ao vivo! e eu, quase também, pois foi essa a vivência que me proporcionou Carl Crimberg com a sua Histoire Universelle.
Lê
- Fernand Braudel, "O Mediterrâneo e o mundo mediterrâneo na época de Filipe II", se o encontrares...
Abraço
Gostei de ler estes posts sobre os judeus.
E fiquei a saber mais alguma coisa acerca do assunto.
Abraço.
:)
Pois olha, Nielson, eu também quando li aquele artigo do "Le Monde" de certa maneira fiquei mais lúcido. É que, realmente, os judeus eram prosélitos e convertiam os povos; depois, os que aderiam áquela doutrina, seguiam os costumes judaicos, e judeus se chamavam. Portanto, uma pluralidade étnica como a das outras grandes religiões monoteístas e não a vigarice ideológica (nazi) de um povo eleito em diáspora pelo mundo!
Muito interessante. Não conhecia esta versão. Excelente apanhado.
Pancrácia
Veio isto agora a talhe de foice num post do meu blogue! Eu só percebi isto quando vi que não sei que fundo nacional para a promoção da investigação científica recusou financiar um estudo com o objectivo de determinar as origens genéticas dos judeus portugueses basicamente porque não interessava nada contribuir para contrariar o mito de que os judeus são geneticamente homogéneos. A Ciência tornou-se o braço direito das políticas convenientes. Os estudos que contrariam a tese do aquecimento global tb não recebem financiamento e como toda a ciência depende de financiamento, assim se construiu este grande mito.
Isto mostra bem o perigo de sistemas dependentes de interesses de outrem. A Ciência e a cultura têm de se libertar disto, para bem de todos.
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