sábado, novembro 1

Conversa de autocarro


Depois de esperar 35 min chegou o autocarro. Entrei, mostrei o passe da 3ª idade e sentei-me ao lado de uma senhora também de idade, um pouco sobre o forte e vestida de preto.
Mais uma viúva, pensei. Mais uma que vive com dificuldades.

A - Diz que lhe deram porrada, então o que é que ela fez à filha?
B - De quem está a senhora a falar?
A - Daquela algarvia, a mãe da Joana. Agora andam a dizer que são os ingleses.
B - Os ingleses o quê?
A – Que querem lixar o polícia que investigou o caso da filha e que se veio embora.
B – Não me diga, não acredito, mas no tribunal vai-se saber.
A – Olhe, isso a mim não me interessa p’ra nada, que se saiba ou se deixe de saber, o que eu sei é que isto está tudo cada vez pior. Tudo sobe menos as pensões. Agora é o pão que vai subir mais, daqui a pouco estamos a pão e água. E os consumos desta são aldrabados.
B - Pois é. Nós acabamos por pagar aquilo que não gastamos.
A – Na factura da água escreveram que tinha de pagar 12 metros cúbicos. Como podia ser se sou sozinha em casa? Fui lá falar com eles.
B – E então?
A – Baixaram-me para 6 mas mesmo assim é muito.
B – Pois, se a senhora vive sozinha, é muito.
A - Depois admiram-se da gente falar no Salazar. Mas ele nunca deixou aumentar o pão, que é a comida dos pobres. Como os do Governo comem do bom e do melhor, porque têm dinheiro para isso, não se lembram dos pobres.
B – Pois. É só “fachada”.
A – Falta saúde, falta dinheiro, falta segurança, até de dia temos medo de sair, quanto mais à noite e ninguém faz nada. Os polícias vão dentro e os ladrões e assassinos andam à solta.
B – Olhe, eu já deixei de sair à noite.
A – Agora é também a tropa.
B – A tropa o quê?
A – Quer mais dinheiro, mandam-nos lá para fora arriscar o pêlo e a cambada está aqui de cu sentado sem fazer nada.
B – Isso não sei e não me quero meter em confusões.
A – Está a ver, está com medo que estejam a ouvir, é? Atão voltámos também aos tempos da PIDE?
B - Isso eu não sei. Olhe, tenho de descer aqui, tenha um bom dia (cobarde, fiquei a pensar para mim mesmo).

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É isto que oiço, mas “eles” não ouvem, porque eu ando de autocarro. Longe vão os tempos em que o Presidente da República, Manuel de Arriaga, tomava no Terreiro do Paço o eléctrico para Belém…

4 Comentários:

Às 01 novembro, 2008 02:02 , Anonymous Anónimo disse...

Para conversa de autocarro, está muito bem apanhado...deveria haver mais autocarros, eléctricos e menos carros.
Bom post....como sempre
Beijos e mais beijos

 
Às 01 novembro, 2008 10:02 , Blogger vbm disse...

Um verdadeiro 'instantâneo' do sentimento e da opinião do povo.

 
Às 01 novembro, 2008 10:46 , Blogger Peter disse...

vbm

"Eles" que se cuidem e vejam com quem se metem...

 
Às 01 novembro, 2008 18:23 , Blogger Meg disse...

Peter,
Isto não é ficção... são cenas do quotidiano dos portugueses. Da maioria dos portugueses.
Ai, se fosse possível reproduzir o que se dirá nos transportes públicos!
Obrigada por este apontamento... ah...registei o teu "cobarde" mesmo a propósito.

Um abraço

 

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