CARNAVAL
Uma simples caraça tem o poder mágico de manter o anonimato e afastar a vergonha do desejo de ser outra pessoa por alguns dias no ano. Olho com estranheza o Carnaval português. Num país machista, em que a cultura masculina dominante assim o é, em que os valentões de café, de escritório, de praia, de carro, proliferam, subitamente chega o Carnaval e todos eles descem à rua vestidos de mulher, aos magotes, exibindo as mamas falsas e os collants. Há qualquer coisa de estranho em tudo isto. Por isso este período é marcado por excessos que procuram a liberdade que não têm durante o resto do ano.
Em Lazarim, no concelho de Lamego a tradição ainda se mantém. Os jovens solteiros envergam máscaras diferentes de ano para ano, feitas ainda de forma artesanal, de madeira de amieiro. Fica a cargo de quem a usa, a idealização da vestimenta que a acompanha.
Antes do Carnaval, as associações dos Compadres e das Comadres reúnem fundos para os festejos que preparam em segredo e criam as quadras destrutivas do Testamento lido na terça-feira. A leitura é um confronto verbal onde impera a “má língua”. A rivalidade dos sexos é o grande impulsionador deste “ajuste de contas” que termina com a imolação de bonecos e o cortejo com os “caretos” (nome dado aos foliões) a juntar-se à festa. Antes do dia acabar há ainda tempo para a realização do concurso de máscaras que premeia os artesãos com mais talento.
Perto de Macedo de Cavaleiros, em Podence, também perdura o costume das máscaras. Ao “careto” tudo é permitido. Pertence ao sexo masculino e simboliza o demónio. Actua em grupo envergando um fato colorido de lã em franja. Pula e corre semeando o pânico. De cara tapada por uma máscara de metal tem como vítimas preferidas as mulheres solteiras e os homens que estes foliões sabem ser detentores de pipas de vinho. Levando-os até aos tonéis obrigam a abri-los. A festa continua também nas adegas.
Todo o fato é feito na aldeia. A roupagem com lã colorida e a máscara de zinco tem a forma simples de nariz em bico. Os “caretos” penduram grandes chocalhos pelo corpo e contribuem para o barulho assustador dos movimentos. Abanam o corpo de forma a atingir as raparigas com os seus chocalhos. Acompanham os “caretos” os “facanitos”, rapazes mais jovens ainda sem idade mas com a ambição de com o tempo chegarem a “caretos”. Assim será.
Para o Alentejo, na Amareleja, havia tradições que se têm vindo a perder. Os “entrouxados” passeavam-se pela vila com semanas de antecedência, atirando para dentro das casas através das janelas abertas, pedras muito quentes que escaldavam as mãos de quem as tentava apanhar. Azar de quem deixava a casa a arejar nesses dias.
As “caqueiradas” eram outra modalidade que aproveitava as janelas abertas. Velhos potes de barro cheios de terra, cinza ou até excrementos de animais voavam para dentro das casas deixando imundos os locais onde “aterravam”. Uma espécie de antepassados das bombinhas de mau cheiro, que depois surgiram.
Em Loulé, conhecidas são as batalhas de flores e noutras cidades como Ovar, Sines e Funchal, a tradição mais recente fala-nos dos desfiles de carros alegóricos, autênticas caricaturas a personagens da actualidade e, por influência do Brasil, os desfiles de samba. O corso é antes de mais uma manifestação do humor daqueles que, com paciência e ano após ano, moldam e pintam a esferovite.
A sátira dos costumes e a ironia política e social eram, antes da comercialização do Carnaval, o programa em Torres Vedras. Os reis do Carnaval dessa localidade recebiam as “chaves da cidade”, entregues pelo Presidente da Câmara o qual, acompanhado da comitiva, se dirigia aos Paços do Concelho para proceder à leitura do discurso sobre o Estado da Nação. Uma crítica sempre actualizada.
Também aqui o Entrudo ia a enterrar. O rei era julgado e saía sempre condenado. Era feita justiça, no entender do povo. O fogo de artifício encerrava as festas. As fanfarras calavam-se e “matrafonas” e “Zés Pereiras” paravam de dançar. Para o ano haveria mais.
Que me desculpem as terras de quem não falei, mas para o ano, se por cá continuar, eu acrescento.
Divirtam-se ...
(imagens GOOGLE)
Que me desculpem as terras de quem não falei, mas para o ano, se por cá continuar, eu acrescento.
Divirtam-se ...
(imagens GOOGLE)
26 Comentários:
Gosto das primeiras tradições que falastes, daquelas que são genuínas, que não estão contaminadas por isto que se vê hoje em dia.
Podem alegar que evoluimos, que é a modernidade, então nesse caso eu sou antiquado, gosto de ver o Carnaval do Brasil no Brasil, gosto porque é lá a sua origem, não acredito em importações de festas que não digam nada aos portugueses.
Com tantas e grande tradições do nosso folclore nacional, porquê este continuo copiar de outros ?
Tiago
Concordo contigo. É o aproveitamento económico do Carnaval, como é o do Natal e de outras datas que se vão criando para obrigar a comprar presentes: o Dia da Mãe, o do Pai e agora, dia 14 o dos namorados. Bem, deste último já estou livre.
Ontem, na A2 a caminho do Algarve era um trânsito intenso ( e depois não há dinheiro...). Eu vim até cá para fugir ao caos de Lisboa mas não faço tensão de me ir meter em confusões.
Quando era rapaz e vivia lá para o Alentejo, havia uma senhora que fazia bolos em casa, para vender. Fazia um pequeno buraco nos ovos que utilizava e depois enchia-os com serradura e tapava o buraco colando--lhe por cima um pedaço de papel colorido. Assim, quando chegava o Carnaval, tinha imensos que vendia à rapazeada.
Era esse o meu carnaval, mais "estalinhos" e "bichas de rabiar", "bombas" não, que eram perigosas. Claro as serpentinas e papelinhos e uns bigodes feitos a carvão.
Recordando ... é bom recordar.
"bluegift"
Estou no Algarve. Céu nublado, um pouco de frio, mas não chove.
Acabei de receber a notícia da morte de pessoa amiga, por isso vou agora para Lisboa e regresso amanhã à tarde, ou 3ªF de manhã, pois na 4ªF tenho de estar no Algarve.
Comprei, da última vez que vim para cá, um PC portátil que utilizo com a TMN banda larga.
Há uma limitação: se quiseres contactar tem de ser através do gmail.
Diverte-te :))
Peter:
O Carnaval tradicional português está a perder lugar a favor das importadas escolas de samba de meninas despidas a julgar que é Verão... Em Ilhavo os rapazes durante todo o ano guardavam farrapos para fazer os seus fatos de Carnaval todos às tiras coloridas... "os cardadores" que traziam uma escova de cardar na mão e assim se metiam com as raparigas...
Beijos
Olá, Peter!
Após mais de um mês um tanto atarefado, vamos ver se reato uma actividade bloguística mais parecida com a que tinha anteriormente.
Abraço
Eu também acho estes festejos à moda do Brasil, muito caricatos, para não ir mais além.
Aqui, no Algarve onde vivo, cheio como um ovo - que não há dinheiro, como dizes - pois aqui chove, está um dia frio, e acabo de ver da minha varanda, duas camionetas de caixa aberta, cheias de meninas vestidas como se estivessem no Brasil. encolhidas e transidas de frio...e molhadas.
Deprimente, digo eu, que detesto estes carnavais...
E é debaixo desta chuva miúda que veio para ficar, não há ninguém nas ruas, que andam estes ditos "carros carnavalescos"
a passear numa marina...
Mas como por aqui tudo é híbrido, não é de admirar. Mas que é triste,
isso é, e nem abona a favor da nossa (dos portugueses) inteligência,
Um abraço
___________olá Peter
_______desejo um bom CARNAVAl:))
beijO c/ carinhO
______________querida Bluegift
espero
que te estejas
a
___________divertir_______embora esteja de chuva
__________mas a "dança" aquece:))
bom carnaval
beijO c/ carinhO
É isso Papoila, deste Carnaval abrasileirado, a única coisa que se safa é a participação do Alberto João.
Recordo com saudades as filhoses, os pasteis de grão e os nógados, que a minha mãe se afadigava a fazer.
Betty
Não dei pelo Carnaval, nem estou interessado.
Voltei hoje para Lisboa devido ao falecimento de uma pessoa amiga, não aqui. Mas tinha de me vir vestir para o funeral e depois sigo outra vez directamente para o Algarve, pois tenho lá assuntos a tratar que nada têm a ver com o Carnaval.
Ainda vou espreitar o teu blog a ver se há novidades.
António
Rica reunião de Primos. Fiquei roído de inveja de todos esses sítios maravilhosos.
Meg
Cem mil pessoas em Loulé. Livra! Ninguém me apanharia lá.
Mas são estas "brasileiradas" que atraiem o pessoal.
Felizmente que nalgumas terras do interior, em especial no Norte, ainda se mantêm as tradições.
Estou a lembrar-me de uma que se realiza a meio da Quaresma: "o serrar da velha".
Confesso que, não sendo particularmente um fervoroso do Carnaval, sou, mesmo assim, mais inclinado a ver e participar numa festa como a de Podence ou Lazarim que em corsos animados a sambistas e dançarinas portuguesas em trejeitos e meneios copiados por Terras de Vera Cruz.
Até nisto, até nisto mostramos a nossa parca imaginação. Copiamos e está feito.
Já brinquei muito no Carnaval. Agora a questão do brasil... bem, aquilo tem os seus encantos...
Fazer e promover a mesma coisa por cá é das maiores idiotices que podemos ver por aí.
Sim, porque ver as rapariguitas semi-nuas a tremer de frio é deprimente. Ouvir samba atrás de samba é de mau gosto.
Enfim, só mesmo por aqui, neste canto abandonado pelos deuses...
Boas férias peter. Bluegift... please...
Soberbo este teu texto!
Fizeste-me recordar quando era menina e moça e ia com o meu Avô, ver os cortejos daqueles tempos.
Hoje, não gosto do Carnaval, explicar iria talvez, ferir susceptibilidades, mas o Carnaval Portugês, deixou de ter as características que o tornavam tão "nosso" e passou a ser uma réplica pobre do Brasil...
Um abraço carinhoso ;)
Tenho pensado no assunto, mas ainda não cheguei a nenhuma conclusão. Se andam mascarados de mulher no Carnaval ou se andam mascarados de homens fora da época do Entrudo.
Um abraço. Augusto
Não sou um folião do carnaval nem nada que se pareça, já estive no Brasil durante o carnaval por pura coincidência e acho que faz sentido lá no Brasil, como já aqui foi dito,chega a ser deprimente ver este pseudo carnaval brasileiro com as rapariginhas quase desnudadas enregeladas de frio e a tentar mostrar que se estão a divertir muito,para quê pergunto eu ?
JOY
"quintarantino"
Deveria haver um livro que nos desse a conhecer todos estes costumes, locais e datas, mas, ao mesmo tempo, receio que tal pudesse levar à sua massificação, com a consequente destruição.
Cortejos carnavalescos, ou outros?
Não obrigado!
"ant"
Não estou de férias. Estou no Algarve a tratar de assuntos pessoais.
Aquilo no Brasil está-te mesmo a calhar: os cortejos? Sim, mas o melhor devem ser as extra-cortejos ...
O blog não é uma obrigação, nem pode ser uma fonte de aborrecimentos, por isso "take it easy".
menina-marota
Nunca andei metido, ou assisti a cortejos carnavalescos.
Nos meus tempos de rapaz, havia grupos de foliões, mais ou menos aldrabados, que percorriam a vila com a rapaziada atrás.
Agora, ver o Carnaval do Rio, é "vira o disco e toca o mesmo" e por cá é uma imitação pífia em que o momento-chave é qd o Alberto João resolve participar.
Este comentário foi removido pelo autor.
Tens razão Augusto: é uma dúvida pertinente.
joy
Tb me aconteceu encontrar-me em Itália, em Terni, na Umbria, por alturas do Carnaval e não me ter sido possível dar uma saltada a Veneza.
Agora nestes cortejos lusitanos de inspiração brasileira, o que eu não compreendo é como as moças não se constipam, não se engripam, nem apanham pneumonias. Deve ser de terem vindo a treinar com os generosos decotes que são um espectáculo (o silicone pode muito ...).
Este comentário foi removido pelo autor.
Olá, Peter!
Vejo que estás muito bem documentado sobre os festejos carnavalescos em Portugal.
Confesso que é um período festivo que nada me diz.
Quando andava a estudar e me propiciava umas mini-férias e a ida a uns bailaricos ainda tinha interesse.
Agora!...
Voltarei para tentar ler posts atrasados.
Abraço
António
Penso que há tantas festas populares, genuinamente portuguesas, a ver por esse Portugal profundo, que são preteridas por estas imitações pífias do Carnaval carioca.
Abraço
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