O PORTO: O MORRO E O RIO (à margem de uma filmagem) - APENDICE Nº 1 : AS RAZÕES DE Dª TERESA
"Talvez seja do calor, mas há uma dúvida que não me sai da cabeça: Que razões teria Dª Teresa para uma tão grande generosidade em relação ao Bispo D. Hugo?
Lá que dá para pensar, lá isso dá... " (Episódio nº 5 )
EM 1120, PORTANTO HÁ 887 ANOS, O DOMINGO DE PÁSCOA CALHOU A 18 DE ABRIL. É PRECISAMENTE ESSE DIA QUE VAMOS EVOCAR:
Ano : 1120
Nada fáceis, com toda a franqueza, os oito anos de viuvez de Dª Teresa.
D. Henrique falecera inesperadamente em Astorga a 14 de Abril de 1112, pondo fim a cerca de 16 anos em que, com sagacidade e ambição, governara o Condado Portucalense que o sogro, D. Afonso VI, fizera juntar à mão da filha Teresa.
Que Dª Teresa era ambiciosa, parece bem demonstrado só pelo facto de ter passado a utilizar o título de Rainha a partir de 1117. Faltava-lhe, no entanto, o apoio que D. Henrique havia granjeado junto à nobreza regional, para além dos seus méritos de guerreiro e de político, aliando-se a uns e a outros conforme os objectivos que pretendia atingir. Inimigos hoje, aliados amanhã, de acordo com os ventos que soprassem em Leão ou na Galiza.
Dª Teresa gostava mais dos ventos da Galiza, principalmente se soprados pelos Travas. E com esse gosto perdeu o apoio dos senhores da guerra portucalenses, pouco interessados que os amores da sua "rainha" ultrapassassem a intimidade do seu leito.
Foi uma rainha enfraquecida que em 1117 se viu cercada dentro das muralhas de Coimbra, na sequência da invasão almorávida comandada pelo próprio emir de Marrocos, Ali ben Yusuf.
Mas se pelo Sul foi uma humilhação, para os lados do Norte ainda foi pior, ao ter que se refugiar no Castelo de Lanhoso e sujeitar-se à mana Urraca que invadira e saqueara aquelas terras, acompanhada do poderoso arcebispo de Compostela, Diego Gelmirez.
É nessa situação de constrangimento (será a palavra certa?), eventualmente recolhida no Castelo de Lanhoso, que em 18 de Abril de 1120 - domingo de Páscoa - outorga a carta de doação e couto do burgo do Porto ao Bispo D. Hugo e seus sucessores.
Directa ou indirectamente, uma imposição do Arcebispo de Compostela, colocando a cereja em cima do bolo, por ele bem cozinhado sete anos atrás: a designação de Hugo como Bispo do Porto, aquando da restauração da antiga diocese portucalense.
Francês, oriundo do poderoso Mosteiro de Cluni, viera para Compostela onde cedo estabeleceu uma forte ligação com Gelmirez., apoiando-o na sua eleição a Bispo. Delegado deste, vai a Roma defender interesses da diocese, recebe com rapidez as honrarias de arcediago e é elevado a Bispo do Porto, na sequência natural de uma carreira fulgurante.
Já falamos do que encontrou em Pena Ventosa: uma pequena ermida a servir de Sé e um minúsculo burgo à sua volta. Do outro lado do Rio era já o Bispado de Coimbra.
As vitórias conseguem-se no sítio próprio, no momento exacto e com a pessoa certa. Não foi em Pena Ventosa que D. Hugo iria continuar a somar sucessos, mas em Roma, onde foi obtendo o alargamento das fronteiras da diocese, incluindo a tão disputada Terra de Santa Maria, subtraída a Coimbra. E é em Roma que está aquando da carta de doação.
Três anos mais tarde D. Hugo concede um foral generoso aos burgueses do Porto.
Que pensar de tudo isto?
Quem não tem condições para exercer o poder ou o delega, ou o perde. E é numa mistura destas duas situações que temos que encarar a doação de Dª Teresa, retirando-lhe a componente de generosidade.
Tão adequada parece, no entanto, aproveitando o prestígio de D. Hugo e o apadrinhamento de Compostela, que apetece retirar-lhe também o peso de não se tratar de uma medida tomada com total liberdade.
E assim se compreende que, 18 anos mais tarde, D. Afonso Henriques não só confirmasse a decisão da Senhora sua Mãe como até alargasse os limites do couto.
E assim falamos dos três primeiros documentos fundamentais para a história da Cidade do Porto:
1120 - Carta de doação de Dª Teresa ao Bispo D. Hugo
1123 - Carta de foro do Bispo D. Hugo aos moradores do Porto
1138 - Confirmação da doação e ampliação do Couto concedido por D. Afonso Henriques ao Bispo D. João, sucessor de Hugo.
O tempo que se seguiu, até 1405, foi um permanente jogo do poder: Bispo - Coroa - Burgueses. Com estes num papel decisivo na decisão dos conflitos.
Vai valer a pena falar sobre isso. . .
BIBLIOGRAFIA
História de Portugal - Vol III - A Monarquia Feudal - José Mattoso
História de Portugal - António Ennes - V I - Livro I - O Condado de Portugal
História de Portugal – Fortunato de Almeida – V I – Livro I –
Memória de Portugal - O milénio Português - Coorden. de Roberto Carneiro
História da Cidade do Porto - Vol I - Os Bispos Senhores da Cidade
História do Porto - Luís A. Oliveira Ramos
O Censual da Mitra do Porto - Cândido Dias dos Santos
O Tripeiro - 5ª Série - Artigos diversos
(Colaboração de Fernando Novais Paiva, autor do texto)
Etiquetas: O Morro e o Rio
7 Comentários:
Gosto sempre de ler estes textos muito interessantes. Beijos, Peter e um abraço ao autor dos mesmos.
Passei para deixar um abraço.
Bj doce
Peter:
Regressada das mini férias de Páscoa aqui estou a ler...
"Quem não tem condições de manter o poder ou o delega ou o conserva" Grande visão política e estratégica de quem toma o nome e se comporta como rainha.
Mais uma bela crónica da minha cidade.
Beijos
O clero nesse tempo tinha uma grande influência e poder a tal ponto que coitados dos reis, para o serem tinham de ser autorizados pelo papa.
Quanto à D. Teresa, nem sempre se consegue tudo o que se ambiciona, mas nós desculpamos as suas veleidades por nos ter dado o filho Afonso Henriques.
Um abraço. Augusto
Excelente texto que nos enriquece os nossos conhecimentos e preenche a alma!
Um abraço
Pepe
Depois venho ler este com calma.
Olá, Peter!
Hoje o texto levou-nos aos tempos da fundação da nacionalidade.
E parece que a saga vai continuar.
Venham mais!
Abraço
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