Fugindo de si mesmo
"Procurarei, como sempre, os passeios com Sol e seguirei rente aos muros verdes e húmidos dos jardins. Ziguezaguearei passos. Semicerrarei os olhos. Desviar-me-ei, porque no meio dos jardins há sempre um repuxo - não vos darei nenhum dos meus repuxos neste mundo! - , e antes de regressar, indolente, à pressa – fingida, só para vos tranquilizar - de chegar às coisas práticas, beberei água com os olhos, com os cabelos, com o nariz, com a boca, com a cara toda.
O silêncio do mundo e o riso do mundo serão sempre, sempre, sempre meus. Jamais vos darei as minhas asas."
( LT)
Não quero as tuas asas, pois tenho as da poesia:
“O sol é uma noite suave.
Silencioso triunfo da noite e da nudez.
Cintilantes frutos erguem-se
do abismo. Serenidade fresca.
Reconheço um caminho entre dois reinos.
Jogos da elipse e do contíguo.
Puros relevos. Os negros emblemas
da luz. Os fósseis do rigor.
De que desolado fundo surge a árvore
ou o rosto? O arbitrário poder
das pedras. Ser sem qualidades,
consciência sem palavras.
Paciência na cor e na pedra
do ser. O esplendor dos sulcos brancos.
A abóbada de ausência, círculo do universo.
O que permanece ondula entre o verde e o vento.”
(António Ramos Rosa, "Mediadora da ausência")
Peter, fugindo de si mesmo ...
6 Comentários:
Este comentário foi removido pelo autor.
Podemos adiar o momento em que nos temos que enfrentar, mas um dia, temos mesmo que nos olhar ao espelho.
Gostei do poema - boa escolha, Peter.
Beijos e abraços
Marta
Peter:
Fugir de si próprio é o mesmo que a avestruz a enterrar a cabeça na areia. Mas quem assim foge encontra-se! Poema muito bonito!
Do texto abaixo que li atentamente guardo as magníficas fotos do meu Porto em dia de céu azul...
Beijo
MAIS UM BELISSIMO POEMA DESSA *POETA* *GRANDE*****!!!!!
E..."Peter, fugindo de si mesmo.."
...................................
Ai! AI!... parece qe andamos com uma enorme vontade de "FUGIR" nao sei muito bem e' para ONDE, nem para QUE??? sempre teremos de ficar com NOSSA PROPRIA COMPANIA!!!!!
BOM... e' tarde!...
Fiz questao de vir AQUI* trazer-Lhe UM ABRACO!
Heloisa
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Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
Apesar de ter lido este poema ontem, ou seja, esta madrugada, não o consegui comentar.
É que Ramos Rosa é um poeta que aprendi a amar, a cada poema seu.
Sabes que ele se encontra muito doente, num Lar da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa?
Pois é... e ao que sei, continua a escrever "furiosamente" mesmo que ninguém perceba o que escreve... a alma do Poeta, está sempre em movimento.
Por isso, me comovi quando o li aqui...
E é dele, igualmente, o poema que te deixo:
"O sentido não está em parte alguma.
É como um lábio truncado
ou como a música de um planeta distante.
Raramente é um palácio ou uma planície,
o diamante de um voo ou o coração da chuva.
Por vezes é o zumbido de uma abelha, uma presença pequena
e o dia é fogo sobre a corola do mar.
Ele bebe a violência e a obscuridade
e nas suas margens está o olvido e o caos.
Os seus caprichos contêm toda a distância do silêncio
e todo o fulgor do desejo. Com desesperada música
estala por vezes sob a máscara do tempo.
Com as cinzas de água cria as lâmpadas de sombra
e de um lado é um deserto e do outro uma cascata.
Pode-se percorrê-lo algumas vezes como o espectro solar
ou senti-lo como um grito em farrapos ou uma porta condenada.
Muitas vezes os seus nomes não são nomes
ou são feridas, paredes surdas, finas lâminas,
minúsculas raízes, cães de sombra, ossos de lua.
Todavia, é sempre o amante desejado
que o poeta procura nos seus obscuros redemoinhos."
(António Ramos Rosa in "Acordes", 1989; "Antologia Poética", 2001)
Um abraço e bom domingo ;)
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