segunda-feira, outubro 10

EDITORIAL

“Quando Gregor Samsa despertou uma manhã depois de um sono intranquilo, encontrou-se sobre a sua cama convertido num monstruoso insecto.”
Esta frase, que inicia a Metamorfose, é uma das mais conhecidas da literatura universal. Com ela Kafka abre a porta ao mundo de Samsa, um trabalhador como qualquer outro que se transforma num insecto da noite para o dia.

É sobretudo uma história carregada de simbolismo que decorre num clima de pesadelo e vigília, onde a marginalização e a permanente incomunicação do ser humano é analisada ao pormenor. É sobretudo uma viagem às nossas próprias demências.

Hoje, tal como ontem, continuamos a viver num mundo de marginalizados, de incomunicação que leva o ser humano ao desespero e a uma solidão inexplicável.
Vivermos em sociedade não passa de um eufemismo. Na verdade, mesmo nas sociedades Ocidentais – as que porventura respeitam mais a condição humana – a marginalização, o caos, a desordem social, estão cada vez mais presentes.

“Uma crise civilizacional”, dirão uns. “Fruto dos tempos”, acrescentarão ainda outros. Porém, onde está a razão porque teimamos em ignorar-nos uns aos outros?

O universo labiríntico de Kafka pode ser transportado para os nossos dias. Metamorfose é um diálogo entre ficção, fantasia e realidade que nos deixa a pensar na nossa própria inutilidade enquanto incapazes de nos darmos aos outros.

É muito mais do que uma diversão retórica. É um jogo de espelhos, um passatempo mental, onde os jogos, o infinito, a cabala e os enigmas têm papel preponderante.
Quem somos nós afinal?
Meros corpos desprovidos de sentimentos e emoções, verdadeiramente egoístas, ou ao invés poderemos, ser se quisermos, seres solidários que sentimos, que nos emocionamos, que somos capazes do acto supremo da dádiva?

O que verdadeiramente incomoda nesta obra-prima da literatura mundial é a actualidade da mensagem.

Por omissão, por descuido, porque nos perdemos completamente, somos todos culpados da marginalização de muitos, do desespero de todos, da nossa própria solidão.

Urge pensar no colectivo e deixarmos o nosso umbigo de lado.
Urge uma nova Metamorfose: a da transformação do insecto solitário e perdido nas suas próprias contradições, num ser assumidamente solidário.

4 Comentários:

Às 11 outubro, 2005 00:38 , Blogger Ana disse...

Excelente a tua reflexão, Zé! Essa é a metamorfose necessária!
Gosto sempre de te ler!
Um beijo.

 
Às 11 outubro, 2005 00:49 , Blogger Peter disse...

"Por omissão, por descuido, porque nos perdemos completamente, somos todos culpados da marginalização de muitos, do desespero de todos, da nossa própria solidão"

Quanta verdade!

 
Às 11 outubro, 2005 09:38 , Blogger Peter disse...

bluegift, tenho pr'aí a foto da casa onde Kafka viveu. Hei-de ver se a encontro.

 
Às 11 outubro, 2005 10:29 , Blogger Peter disse...

zezinho, cada vez que leio o texto descubro "coisas" novas:

"Metamorfose é um diálogo entre ficção, fantasia e realidade que nos deixa a pensar na nossa própria inutilidade enquanto incapazes de nos darmos aos outros."

 

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