O Watergate português
“Quem foi que, liderando um dia a bancada da oposição, disse a um Primeiro-ministro que ilegalmente silenciara um comentador televisivo que ele devia explicações ao país, que a manobra era uma vergonha para o seu governo e uma nódoa que ficaria para sempre na sua reputação? Foi José Sócrates, em Outubro de 2004, acusando Santana Lopes no caso Marcelo-TVI. Essas imagens, exibidas por estes dias, são a mais perfeita e irónica (auto-)condenação do actual Primeiro-Ministro. Vale a pena apreciar o caso que agora prende o país pelo lado da justiça e pelo lado da política.
Do ponto de vista judicial, ninguém se entende. Das escutas feitas no processo Face Oculta, o juiz de Aveiro deduziu que havia indícios de um plano do Primeiro ministro para condicionar vozes jornalísticas incómodas e controlar meios de comunicação potencialmente hostis, configurando um crime contra o Estado de direito. Nem o Procurador-Geral nem o Presidente do Supremo Tribunal, supostamente depois de ouvirem a mesma coisa, acharam tal, mandando parar o processo (que pelos vistos não parou), e destruir as escutas (que pelos vistos ainda existem). E como o segredo de justiça é uma coisa que os próprios agentes judiciais acham ser “um problema sem solução”, as escutas logo apareceram em fascículos nos jornais.
Do ponto de vista judicial, ninguém se entende. Das escutas feitas no processo Face Oculta, o juiz de Aveiro deduziu que havia indícios de um plano do Primeiro ministro para condicionar vozes jornalísticas incómodas e controlar meios de comunicação potencialmente hostis, configurando um crime contra o Estado de direito. Nem o Procurador-Geral nem o Presidente do Supremo Tribunal, supostamente depois de ouvirem a mesma coisa, acharam tal, mandando parar o processo (que pelos vistos não parou), e destruir as escutas (que pelos vistos ainda existem). E como o segredo de justiça é uma coisa que os próprios agentes judiciais acham ser “um problema sem solução”, as escutas logo apareceram em fascículos nos jornais.
Do ponto de vista legal, Sócrates é inocente até prova em contrário – e prova judicial ainda não há. O “Sol” e toda a imprensa que tem vindo a revelar dados sobre o caso cometeram uma ilegalidade? Parece que sim. Mas a gravidade do que poderá estar em causa não torna a sua revelação um serviço público? Também parece que sim. O código deontológico dos jornalistas recomenda publicidade quando se trata de indício de crime ou contradição por parte de titulares de cargos políticos.
Resta o lado substancial e moral da política. E este é simples. Numa democracia digna desse nome, sobretudo no estado frágil em que o país está, o Primeiro-Ministro, pura e simplesmente, não pode ser suspeito de liderar um “polvo” censório. Um homem é um homem, e parece que o homem Sócrates é temperamental: o que interessa saber não são os termos vernaculares com que em privado ele se refere aos seus reais ou imaginários inimigos, mas antes se utilizou meios e dinheiros públicos para limitar a pluralidade de opiniões na televisão e nos jornais. Um Primeiro-Ministro tem que saber viver com a crítica, mesmo quando ela é injusta e abusa do “character assassination”: é o preço da democracia. Chegados aqui, o país não pode continuar com o “Sol” nas bancas e o líder do governo silencioso e acossado: ou o “Sol” inventou tudo o que conta, e deve ser expeditamente processado, ou Sócrates é culpado, e então estamos perante o Watergate português – com os seus “Washington Posts” e o seu Richard Nixon – com a agravante de o escândalo lesar também, e muito, a Procuradoria-Geral da República e a cúpula dos Tribunais portugueses.
Em vista da legitimidade e mandato político que o eleitorado confiou ao PS e a Sócrates em Setembro, era melhor que o processo Face Oculta não existisse.
O Primeiro-ministro devia estar a liderar, a governar e a inspirar; não é isso que se vê. Ninguém de bom senso pode estar orgulhoso com o lamaçal. Mas a proporção que este caso tomou impede já que os brandos costumes varram o lixo para debaixo do tapete. José Sócrates bem pode clamar que tem o país a olhá-lo pelo buraco da fechadura. Se para lá da porta a casa estiver limpa, não tem nada que temer e até, paradoxalmente, sairá desta crise reforçado. O que ele não pode é exasperar-se ou esconder-se perante o direito de os portugueses saberem o que é que está para lá dessa mesma fechadura.”
(José Miguel Sardica - Professor da Universidade Católica Portuguesa, in “Página 1” de 17/02/10)
Hoje (ontem) o Primeiro Ministro fez uma declaração ao país, que eu ouvi com interesse. Penso que a mesma nada adianta, nem contradiz o texto acima. Nós portugueses precisamos de coesão num esforço conjunto para enfrentarmos a terrível situação em que nos encontramos. Infelizmente não é isso que vejo e já 3 longos meses se passaram após as eleições.
Resta o lado substancial e moral da política. E este é simples. Numa democracia digna desse nome, sobretudo no estado frágil em que o país está, o Primeiro-Ministro, pura e simplesmente, não pode ser suspeito de liderar um “polvo” censório. Um homem é um homem, e parece que o homem Sócrates é temperamental: o que interessa saber não são os termos vernaculares com que em privado ele se refere aos seus reais ou imaginários inimigos, mas antes se utilizou meios e dinheiros públicos para limitar a pluralidade de opiniões na televisão e nos jornais. Um Primeiro-Ministro tem que saber viver com a crítica, mesmo quando ela é injusta e abusa do “character assassination”: é o preço da democracia. Chegados aqui, o país não pode continuar com o “Sol” nas bancas e o líder do governo silencioso e acossado: ou o “Sol” inventou tudo o que conta, e deve ser expeditamente processado, ou Sócrates é culpado, e então estamos perante o Watergate português – com os seus “Washington Posts” e o seu Richard Nixon – com a agravante de o escândalo lesar também, e muito, a Procuradoria-Geral da República e a cúpula dos Tribunais portugueses.
Em vista da legitimidade e mandato político que o eleitorado confiou ao PS e a Sócrates em Setembro, era melhor que o processo Face Oculta não existisse.
O Primeiro-ministro devia estar a liderar, a governar e a inspirar; não é isso que se vê. Ninguém de bom senso pode estar orgulhoso com o lamaçal. Mas a proporção que este caso tomou impede já que os brandos costumes varram o lixo para debaixo do tapete. José Sócrates bem pode clamar que tem o país a olhá-lo pelo buraco da fechadura. Se para lá da porta a casa estiver limpa, não tem nada que temer e até, paradoxalmente, sairá desta crise reforçado. O que ele não pode é exasperar-se ou esconder-se perante o direito de os portugueses saberem o que é que está para lá dessa mesma fechadura.”
(José Miguel Sardica - Professor da Universidade Católica Portuguesa, in “Página 1” de 17/02/10)
Hoje (ontem) o Primeiro Ministro fez uma declaração ao país, que eu ouvi com interesse. Penso que a mesma nada adianta, nem contradiz o texto acima. Nós portugueses precisamos de coesão num esforço conjunto para enfrentarmos a terrível situação em que nos encontramos. Infelizmente não é isso que vejo e já 3 longos meses se passaram após as eleições.
6 Comentários:
Meu caro amigo, não conhecia nem o texto nem vi a declaração do Primeiro-Ministro mas, como bem assinalas, do que o País precisa é de ser governado. E de preferência com muita serenidade, especialmente porque com os números do desemprego a subirem da forma que sobem isto um belo dia rebenta mesmo.
Começo a estar relativamente céptico e não sei que solução se pode esperar: demissão? novas eleições? entendimentos de incidência parlamentar? e isto já para não falar que, se calhar, mis valia que Parlamento e Governo dedicassem uns bons três a quatro meses a reformarem de alto a baixo.
Ontem o PM fez uma declaração ao país... pela primeira vez não subi o som da televisão e não perdi nada!
Ferreira Pinto
A Irlanda enfrentou o problema reduzindo drasticamente ordenados, vencimentos e pensões milionárias.
Aqui já ouvi falar em gratificar mais os gerentes bancários que tiveram lucro e aumentar os políticos.
antonio - o implume
A declaração não foi para o país, foi para os jornalistas. Julgo que o Primeiro Ministro se dirigiu a eles.
Não perdeste, nem ganhaste...
Querido Peter
Relembrando:
A Irlanda não tinha mais opção, dado que foi penalizada pela UE por ter contestado o (Des)Tratado de Lisboa!
Vim ler-te .-)
Beijos no teu coração
Ashera
Obrigado. Estou en dívida para contigo e para com o Henrique, mas agora passo o meu tempo livre no FarmVille.
Neste momento tenho uma certeza: vou votar no Fernando Nobre. Por todas as razões e mais uma: o discurso do MAlegre foi uma "tristeza de alma"...
Bom fds
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