sexta-feira, fevereiro 19

O Watergate português


“Quem foi que, liderando um dia a bancada da oposição, disse a um Primeiro-ministro que ilegalmente silenciara um comentador televisivo que ele devia explicações ao país, que a manobra era uma vergonha para o seu governo e uma nódoa que ficaria para sempre na sua reputação? Foi José Sócrates, em Outubro de 2004, acusando Santana Lopes no caso Marcelo-TVI. Essas imagens, exibidas por estes dias, são a mais perfeita e irónica (auto-)condenação do actual Primeiro-Ministro. Vale a pena apreciar o caso que agora prende o país pelo lado da justiça e pelo lado da política.
Do ponto de vista judicial, ninguém se entende. Das escutas feitas no processo Face Oculta, o juiz de Aveiro deduziu que havia indícios de um plano do Primeiro ministro para condicionar vozes jornalísticas incómodas e controlar meios de comunicação potencialmente hostis, configurando um crime contra o Estado de direito. Nem o Procurador-Geral nem o Presidente do Supremo Tribunal, supostamente depois de ouvirem a mesma coisa, acharam tal, mandando parar o processo (que pelos vistos não parou), e destruir as escutas (que pelos vistos ainda existem). E como o segredo de justiça é uma coisa que os próprios agentes judiciais acham ser “um problema sem solução”, as escutas logo apareceram em fascículos nos jornais.
Do ponto de vista legal, Sócrates é inocente até prova em contrário – e prova judicial ainda não há. O “Sol” e toda a imprensa que tem vindo a revelar dados sobre o caso cometeram uma ilegalidade? Parece que sim. Mas a gravidade do que poderá estar em causa não torna a sua revelação um serviço público? Também parece que sim. O código deontológico dos jornalistas recomenda publicidade quando se trata de indício de crime ou contradição por parte de titulares de cargos políticos.
Resta o lado substancial e moral da política. E este é simples. Numa democracia digna desse nome, sobretudo no estado frágil em que o país está, o Primeiro-Ministro, pura e simplesmente, não pode ser suspeito de liderar um “polvo” censório. Um homem é um homem, e parece que o homem Sócrates é temperamental: o que interessa saber não são os termos vernaculares com que em privado ele se refere aos seus reais ou imaginários inimigos, mas antes se utilizou meios e dinheiros públicos para limitar a pluralidade de opiniões na televisão e nos jornais. Um Primeiro-Ministro tem que saber viver com a crítica, mesmo quando ela é injusta e abusa do “character assassination”: é o preço da democracia. Chegados aqui, o país não pode continuar com o “Sol” nas bancas e o líder do governo silencioso e acossado: ou o “Sol” inventou tudo o que conta, e deve ser expeditamente processado, ou Sócrates é culpado, e então estamos perante o Watergate português – com os seus “Washington Posts” e o seu Richard Nixon – com a agravante de o escândalo lesar também, e muito, a Procuradoria-Geral da República e a cúpula dos Tribunais portugueses.
Em vista da legitimidade e mandato político que o eleitorado confiou ao PS e a Sócrates em Setembro, era melhor que o processo Face Oculta não existisse.
O Primeiro-ministro devia estar a liderar, a governar e a inspirar; não é isso que se vê. Ninguém de bom senso pode estar orgulhoso com o lamaçal. Mas a proporção que este caso tomou impede já que os brandos costumes varram o lixo para debaixo do tapete. José Sócrates bem pode clamar que tem o país a olhá-lo pelo buraco da fechadura. Se para lá da porta a casa estiver limpa, não tem nada que temer e até, paradoxalmente, sairá desta crise reforçado. O que ele não pode é exasperar-se ou esconder-se perante o direito de os portugueses saberem o que é que está para lá dessa mesma fechadura.”

(José Miguel Sardica - Professor da Universidade Católica Portuguesa, in “Página 1” de 17/02/10)

Hoje (ontem) o Primeiro Ministro fez uma declaração ao país, que eu ouvi com interesse. Penso que a mesma nada adianta, nem contradiz o texto acima. Nós portugueses precisamos de coesão num esforço conjunto para enfrentarmos a terrível situação em que nos encontramos. Infelizmente não é isso que vejo e já 3 longos meses se passaram após as eleições.

6 Comentários:

Às 19 fevereiro, 2010 11:18 , Blogger Quint disse...

Meu caro amigo, não conhecia nem o texto nem vi a declaração do Primeiro-Ministro mas, como bem assinalas, do que o País precisa é de ser governado. E de preferência com muita serenidade, especialmente porque com os números do desemprego a subirem da forma que sobem isto um belo dia rebenta mesmo.
Começo a estar relativamente céptico e não sei que solução se pode esperar: demissão? novas eleições? entendimentos de incidência parlamentar? e isto já para não falar que, se calhar, mis valia que Parlamento e Governo dedicassem uns bons três a quatro meses a reformarem de alto a baixo.

 
Às 19 fevereiro, 2010 13:41 , Blogger antonio ganhão disse...

Ontem o PM fez uma declaração ao país... pela primeira vez não subi o som da televisão e não perdi nada!

 
Às 19 fevereiro, 2010 19:20 , Blogger Peter disse...

Ferreira Pinto

A Irlanda enfrentou o problema reduzindo drasticamente ordenados, vencimentos e pensões milionárias.

Aqui já ouvi falar em gratificar mais os gerentes bancários que tiveram lucro e aumentar os políticos.

 
Às 19 fevereiro, 2010 19:28 , Blogger Peter disse...

antonio - o implume

A declaração não foi para o país, foi para os jornalistas. Julgo que o Primeiro Ministro se dirigiu a eles.

Não perdeste, nem ganhaste...

 
Às 19 fevereiro, 2010 21:09 , Blogger Ashera disse...

Querido Peter
Relembrando:
A Irlanda não tinha mais opção, dado que foi penalizada pela UE por ter contestado o (Des)Tratado de Lisboa!
Vim ler-te .-)
Beijos no teu coração

 
Às 20 fevereiro, 2010 11:52 , Blogger Peter disse...

Ashera

Obrigado. Estou en dívida para contigo e para com o Henrique, mas agora passo o meu tempo livre no FarmVille.

Neste momento tenho uma certeza: vou votar no Fernando Nobre. Por todas as razões e mais uma: o discurso do MAlegre foi uma "tristeza de alma"...

Bom fds

 

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