quinta-feira, outubro 2

Vagueando …

Hoje andei vagueando sem rumo pelas ruas de Lisboa. Meti a digital no bolso e por aí errei sem destino, envolto nos meus pensamentos. Não sei o que é ser feliz, nem sei o que é a felicidade. Talvez uma borboleta colorida e fugídia, que se nos escapa, porque ela é tão frágil que quando a apanhamos acabamos por a destruir.
Nessa altura já nada há a fazer. Nos nossos dedos ficaram as cores das suas asas que desajeitadamente danificámos, impedindo-a de continuar o seu voo por entre as flores ali, no jardim do Campo Pequeno.
É um local de estranhas recordações: festa para uns, protesto para outros, sofrimento e morte, onde o bicho-homem se diverte com o animal, dando vazão aos seus instintos mais primitivos.
Mas nos jardins voam borboletas e nos bancos há pares de namorados, que olhamos com inveja duma mocidade perdida.

Depois, depois subi devagar a Av da República, até ao Saldanha, com a intenção de apanhar o Metro para o Rossio e habitual visita à FNAC, pois desejava comprar o último livro de Mia Couto. Mais um para a fila de espera ...

Foi então que o vi e a digital captou a imagem de um homem, incongruentemente deitado sobre a riqueza da CGD e profundamente adormecido. E eu invejei-o. Invejei a serenidade do seu rosto, invejei o abandono físico de quem se deita onde e quando lhe apetece fazê-lo, de quem não tem contas para dar a ninguém porque não finge aquilo que não é, porque não é Janus.

(Foto de Peter)

Talvez aquele homem, de aspecto que se convencionou chamar de "miserável", ostracizado pelos outros por não seguir as normas certinhas dum formalismo convencional, não teria atingido a "paz de espírito" e a serenidade do seu rosto não seria a de um ser de bem consigo mesmo?

18 Comentários:

Às 02 outubro, 2008 12:35 , Anonymous Anónimo disse...

Interrogo-me sobre que história de vida teria para nos contar!

 
Às 02 outubro, 2008 12:53 , Blogger vbm disse...

Eu, por mim, ando bastante insensível, e o sem-abrigo não me inspiraria qualquer curiosidade ou meditação espiritual. No entanto, há algo que não perco de vista na questão da vagabundagem: - a sua licitude objectiva. É que, embora a sociedade seja desejável e benéfica para o desenvolvimento de cada pessoa, é também verdade que um indivíduo não é doido só pelo facto de sentir a vontade soberana de desprezar a sociedade e os seus dítames e preferir viver o mais isolado e associalmente possível. Eu também compreendo e respeito isto. A arte difícil está, contudo, em criar algum tipo de apartheid persuasivo que separe a sociedade dos insociáveis, sem destiuir a humanidade de uns e de outros. O que é difícil. Talvez o apropriado seja um isolamento mitigado com tolerância...

 
Às 02 outubro, 2008 15:19 , Blogger Peter disse...

vbm

O isolamnto é uma opção dele que conta com a nossa tolerância.

 
Às 02 outubro, 2008 15:29 , Blogger Peter disse...

ferreira-pinto

Há um indivíduo destes em Lisboa que percorria incansavelmente a cidade vasculhando nos recipientes para o lixo. Talvez com o advento da reciclagem, deixei de o ver. Agora há pouco tempo voltei a vê-lo na sua tarefa, vasculhando os recipientes pequenos, daqueles presos a candeeiros.

Falo no assunto por ele ter dado uma entrevista a um jornal no qual falou em que a vida que levava tinha sido uma opção sua, pois tinha família, meios de subsistência e um certo grau de instrução facilmente detectável.

 
Às 02 outubro, 2008 15:29 , Blogger Lúcia Laborda disse...

Oie lindo! É verdade mesmo! Quantas máscaras precisamos usar para conviver nessa sociedade hipócrita? Quantos sonhos temos que renunciar, por estar fora dos padrões ditos, "normais"? As preocupações, as exigências, a rotina, os dissabores... quanto nos tira essa simplicidade de viver?
Belo post! Bom fim de semana! Beijos

 
Às 02 outubro, 2008 15:47 , Blogger Peter disse...

olhos de mel

Tocaste o cerne do problema:

"Quantas máscaras precisamos usar para conviver nessa sociedade hipócrita? Quantos sonhos temos que renunciar, por estar fora dos padrões ditos, "normais"?"

 
Às 02 outubro, 2008 16:03 , Blogger Blondewithaphd disse...

Pois... Essa é uma questão difícil. E também não sei quantos de nós gostaríamos dessa serenidade do não ter nada a ver com a sociedade.
Agora, tempo para partir sem destino pelas ruas de Lisboa... isso sim, isso invejo, e muuuuuito!

 
Às 02 outubro, 2008 21:15 , Blogger Tiago R Cardoso disse...

não sei...

será feliz ?

 
Às 02 outubro, 2008 21:27 , Blogger Peter disse...

Pelo menos o rosto reflecte serenidade. Como disse ao Ferreira Pinto, há indivíduos que levam esta vida por opção. A nós parece incrível, não é?

 
Às 02 outubro, 2008 21:34 , Blogger Tiago R Cardoso disse...

corrigido, agradecido...

 
Às 02 outubro, 2008 23:00 , Blogger SILÊNCIO CULPADO disse...

Peter
Interessante este pensamento e o percurso que fizeste.
Sabes, eu trabalhei muitos anos na Av. da República, bem próximo do Campo Pequeno e muitas vezes vagueei por aí com pensamentos semelhantes. Também cheguei a sentir inveja dum mendigo que tranquilamente assava uma sardinha num dia de sol (quem sabe se o mesmo que tu encontraste). Mas, amigo, alguma coisa está mal em nós quando invejamos um sem-abrigo.

Beijos

 
Às 02 outubro, 2008 23:11 , Blogger Peter disse...

silêncio culpado

Também tinhas pensamentos semelhantes...

E eu invejei-o. Invejei a serenidade do seu rosto, invejei o abandono físico de quem se deita onde e quando lhe apetece fazê-lo, de quem não tem contas para dar a ninguém porque não finge aquilo que não é, porque não é Janus.

 
Às 03 outubro, 2008 03:06 , Blogger Fragmentos Betty Martins disse...

.querido Peter





dou comigo muitas vezes a tentar conversar com os mendigos da nossa cidade


oiço as histórias deles_______não sei se verdadeiras ou não______porque a noção da realidade_______é muito própria____é só deles



e talvez por isso mesmo___até consigam dizer_________que são felizes!!!



escolha deles?

ou o próprio Sistema não lhes deu opção de escolha?


excelente post



beijO

 
Às 03 outubro, 2008 10:18 , Blogger Peter disse...

betty branco martins

Uma atitude interessante, eu certamente não seria capaz.
Como disse ao Ferreira Pinto, há indivíduos que levam esta vida por opção. A nós parece incrível, não é?

 
Às 03 outubro, 2008 12:37 , Blogger Maria disse...

Vivemos numa sociedade de contrastes brutais. As imagens destas, na net e na rua viramos a cara e assobiamos ao alto. Mesmo quando não olhamos para o lado, não sabemos (eu não sei) o que fazer. Eles são silenciosos, não se manifestam na rua por uma casa nova … com roupeiros

 
Às 04 outubro, 2008 19:53 , Blogger JOY disse...

Amigo Peter,

Gostei da tua forma de descreveres esse ser, que esta hipócrita sociedade designa "Miserável",a liberdade de um ser descomprometido, sem o fardo de ter de ser politicamente correcto e ter de seguir um formalismo idiota talvez seja o que o faz seguir esse caminho, dormir na soleira da toda poderosa CGD. È uma opção de vida.

Um abraço
Joy

 
Às 04 outubro, 2008 22:53 , Blogger Meg disse...

Peter,
Ao contrário de quase todos aqui, se não todos, quando olho para um sem abrigo, o que mais me aflige é tentar adivinhar o que se passou de tão traumático na vida daquela pessoa, para estar naquela situação.
Opção? Custa-me a acreditar, Peter.
Paz de espírito e serenidade no rosto não serão antes o reflexo da resignação à fatalidade?
Inveja, não... angústia, sim!

Um abraço

 
Às 10 outubro, 2008 19:10 , Blogger Menina Marota disse...

Um momento para reflectir...

Bj

 

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