Vagueando …
Hoje andei vagueando sem rumo pelas ruas de Lisboa. Meti a digital no bolso e por aí errei sem destino, envolto nos meus pensamentos. Não sei o que é ser feliz, nem sei o que é a felicidade. Talvez uma borboleta colorida e fugídia, que se nos escapa, porque ela é tão frágil que quando a apanhamos acabamos por a destruir.
Nessa altura já nada há a fazer. Nos nossos dedos ficaram as cores das suas asas que desajeitadamente danificámos, impedindo-a de continuar o seu voo por entre as flores ali, no jardim do Campo Pequeno.
É um local de estranhas recordações: festa para uns, protesto para outros, sofrimento e morte, onde o bicho-homem se diverte com o animal, dando vazão aos seus instintos mais primitivos.
Mas nos jardins voam borboletas e nos bancos há pares de namorados, que olhamos com inveja duma mocidade perdida.
Depois, depois subi devagar a Av da República, até ao Saldanha, com a intenção de apanhar o Metro para o Rossio e habitual visita à FNAC, pois desejava comprar o último livro de Mia Couto. Mais um para a fila de espera ...
Foi então que o vi e a digital captou a imagem de um homem, incongruentemente deitado sobre a riqueza da CGD e profundamente adormecido. E eu invejei-o. Invejei a serenidade do seu rosto, invejei o abandono físico de quem se deita onde e quando lhe apetece fazê-lo, de quem não tem contas para dar a ninguém porque não finge aquilo que não é, porque não é Janus.
(Foto de Peter)
Talvez aquele homem, de aspecto que se convencionou chamar de "miserável", ostracizado pelos outros por não seguir as normas certinhas dum formalismo convencional, não teria atingido a "paz de espírito" e a serenidade do seu rosto não seria a de um ser de bem consigo mesmo?
18 Comentários:
Interrogo-me sobre que história de vida teria para nos contar!
Eu, por mim, ando bastante insensível, e o sem-abrigo não me inspiraria qualquer curiosidade ou meditação espiritual. No entanto, há algo que não perco de vista na questão da vagabundagem: - a sua licitude objectiva. É que, embora a sociedade seja desejável e benéfica para o desenvolvimento de cada pessoa, é também verdade que um indivíduo não é doido só pelo facto de sentir a vontade soberana de desprezar a sociedade e os seus dítames e preferir viver o mais isolado e associalmente possível. Eu também compreendo e respeito isto. A arte difícil está, contudo, em criar algum tipo de apartheid persuasivo que separe a sociedade dos insociáveis, sem destiuir a humanidade de uns e de outros. O que é difícil. Talvez o apropriado seja um isolamento mitigado com tolerância...
vbm
O isolamnto é uma opção dele que conta com a nossa tolerância.
ferreira-pinto
Há um indivíduo destes em Lisboa que percorria incansavelmente a cidade vasculhando nos recipientes para o lixo. Talvez com o advento da reciclagem, deixei de o ver. Agora há pouco tempo voltei a vê-lo na sua tarefa, vasculhando os recipientes pequenos, daqueles presos a candeeiros.
Falo no assunto por ele ter dado uma entrevista a um jornal no qual falou em que a vida que levava tinha sido uma opção sua, pois tinha família, meios de subsistência e um certo grau de instrução facilmente detectável.
Oie lindo! É verdade mesmo! Quantas máscaras precisamos usar para conviver nessa sociedade hipócrita? Quantos sonhos temos que renunciar, por estar fora dos padrões ditos, "normais"? As preocupações, as exigências, a rotina, os dissabores... quanto nos tira essa simplicidade de viver?
Belo post! Bom fim de semana! Beijos
olhos de mel
Tocaste o cerne do problema:
"Quantas máscaras precisamos usar para conviver nessa sociedade hipócrita? Quantos sonhos temos que renunciar, por estar fora dos padrões ditos, "normais"?"
Pois... Essa é uma questão difícil. E também não sei quantos de nós gostaríamos dessa serenidade do não ter nada a ver com a sociedade.
Agora, tempo para partir sem destino pelas ruas de Lisboa... isso sim, isso invejo, e muuuuuito!
não sei...
será feliz ?
Pelo menos o rosto reflecte serenidade. Como disse ao Ferreira Pinto, há indivíduos que levam esta vida por opção. A nós parece incrível, não é?
corrigido, agradecido...
Peter
Interessante este pensamento e o percurso que fizeste.
Sabes, eu trabalhei muitos anos na Av. da República, bem próximo do Campo Pequeno e muitas vezes vagueei por aí com pensamentos semelhantes. Também cheguei a sentir inveja dum mendigo que tranquilamente assava uma sardinha num dia de sol (quem sabe se o mesmo que tu encontraste). Mas, amigo, alguma coisa está mal em nós quando invejamos um sem-abrigo.
Beijos
silêncio culpado
Também tinhas pensamentos semelhantes...
E eu invejei-o. Invejei a serenidade do seu rosto, invejei o abandono físico de quem se deita onde e quando lhe apetece fazê-lo, de quem não tem contas para dar a ninguém porque não finge aquilo que não é, porque não é Janus.
.querido Peter
dou comigo muitas vezes a tentar conversar com os mendigos da nossa cidade
oiço as histórias deles_______não sei se verdadeiras ou não______porque a noção da realidade_______é muito própria____é só deles
e talvez por isso mesmo___até consigam dizer_________que são felizes!!!
escolha deles?
ou o próprio Sistema não lhes deu opção de escolha?
excelente post
beijO
betty branco martins
Uma atitude interessante, eu certamente não seria capaz.
Como disse ao Ferreira Pinto, há indivíduos que levam esta vida por opção. A nós parece incrível, não é?
Vivemos numa sociedade de contrastes brutais. As imagens destas, na net e na rua viramos a cara e assobiamos ao alto. Mesmo quando não olhamos para o lado, não sabemos (eu não sei) o que fazer. Eles são silenciosos, não se manifestam na rua por uma casa nova … com roupeiros
Amigo Peter,
Gostei da tua forma de descreveres esse ser, que esta hipócrita sociedade designa "Miserável",a liberdade de um ser descomprometido, sem o fardo de ter de ser politicamente correcto e ter de seguir um formalismo idiota talvez seja o que o faz seguir esse caminho, dormir na soleira da toda poderosa CGD. È uma opção de vida.
Um abraço
Joy
Peter,
Ao contrário de quase todos aqui, se não todos, quando olho para um sem abrigo, o que mais me aflige é tentar adivinhar o que se passou de tão traumático na vida daquela pessoa, para estar naquela situação.
Opção? Custa-me a acreditar, Peter.
Paz de espírito e serenidade no rosto não serão antes o reflexo da resignação à fatalidade?
Inveja, não... angústia, sim!
Um abraço
Um momento para reflectir...
Bj
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