terça-feira, janeiro 8

Lâmpada fundida

Fundiu-se a lâmpada do meu gabinete, e começa uma longa viagem pela burocracia interna da Administração Pública.
Tenho que avisar o Chefe de Divisão, que por sua vez fala com o Director de Serviços, que comunica o facto ao seu homólogo responsável pelos aprovisionamentos.
Este último dá instruções ao Chefe de Divisão, que se dirige ao Chefe de Secção.
Este constata que não há lâmpadas em stock e, sendo urgente, conclui que não se justifica uma consulta pelo que informa do facto o Chefe de Divisão, que vai de imediato informar o Director de Serviços.
É necessário comunicar com o Director de Serviços Financeiros, que terá que recorrer ao ”fundo de maneio” para disponibilizar a quantia exacta necessária para adquirir a lâmpada numa qualquer loja.
Questiona o seu colega sobre quanto é que a lâmpada efectivamente custa e como este não sabe; terá que perguntar ao seu Chefe de Divisão, que dará instruções ao Chefe de Secção para telefonar para a loja.

Telefonema feito, o Chefe de Divisão já sabe quanto custa a lâmpada, e de seguida é o Director de Serviços a saber e a comunicar a quantia ao seu colega, que dará conhecimento ao seu Chefe de Divisão. Colocada no respectivo envelope a quantia necessária para adquirir a lâmpada, este faz o percurso até chegar ao Director dos Serviços de Aprovisionamento.

Agora é só mandar comprar, nada mais fácil?

Não, a loja fica a quinhentos metros, e a auxiliar tem “bicos de papagaio”, não pode andar tanto e o motorista invoca que é motorista, não tem que andar a comprar lâmpadas, além de que pode ser multado enquanto pára o carro e vai à loja. A solução foi encontrada: foram comprar a lâmpada o motorista e a auxiliar dos “bicos de papagaio”.
A lâmpada é comprada num instantinho, só resta colocá-la, mas o serviço não dispõe de electricista, o motorista não sai do carro e a auxiliar tem “bicos de papagaio”. Trazem-me a lâmpada, eu que a coloque; entretanto eu próprio já lá tinha colocado uma lâmpada que comprara há alguns dias.

Assunto encerrado? Nem pensar.

Seis meses mais tarde o auditor da Direcção-Geral do Orçamento estranha que tenha sido comprada uma única lâmpada, que ainda por cima se encontra em stock. Passa dias a investigar toda a papelada e conclui que “não conseguiu apurar se a lâmpada adquirida seria mesmo necessária, tanto mais que estando em stock a lâmpada nova, lá não encontrou a lâmpada fundida, pelo que concluiu que o dirigente devia repor a quantia do custo da lâmpada por se tratar de uma aquisição indevida”.

Um ano depois é uma Auditoria do Tribunal de Contas a preocupar-se com a já famosa lâmpada e o seu auditor conclui no seu relatório, após aturadas investigações: “é má prática a aquisição de uma única lâmpada para constituição de existências”.

Julgava eu que o tema estava acabado, quando aparece um inspector da Inspecção Geral de Finanças, pois alguém escrevera uma carta anónima insinuando favorecimento da loja onde a lâmpada foi comprada. Quanto a esta última investigação desconheço o resultado, pois o inspector ainda por lá anda….

(autor desconhecido)

Como este texto foi escrito antes da entrada em vigor do “Sistema SIMPLEX”, talvez agora as coisas sejam menos complicadas.
Serão?

Não acredito. E depois querem que o país progrida, né?

10 Comentários:

Às 08 janeiro, 2008 09:42 , Blogger Tiago R Cardoso disse...

Ainda bem que era só uma simples lâmpada, imagina se fosse algo mais complexo como uma caixa de clips, provavelmente iriam contar cada um e onde foi aplicado...

 
Às 08 janeiro, 2008 10:37 , Blogger Peter disse...

Tiago

É o país que somos. Não há cura possível.

 
Às 08 janeiro, 2008 12:46 , Blogger quintarantino disse...

SIMPLEX mas não tanto... já circula por aí a nova versão do Código da Contratação Pública, mas por enquanto ainda é o velhinho 197/99 que está em vigor.

Sendo má língua ao contrário... já imaginou que, com todos estes espartilhos, ainda alguns arranjam maneira de meter a mão no prato? Se fosse sem espartilho, metiam a mão nas duas ... que era suposto o espartilho segurar.

Isto para lhe dar razão, Peter... é o país que somos e não há cura. Nenhuma.

 
Às 08 janeiro, 2008 13:09 , Blogger augustoM disse...

De certa maneira retrata a realidade que por aí vai.
Um abraço. Augusto

 
Às 08 janeiro, 2008 14:47 , Blogger Papoila disse...

Olá Peter!
Simplex? Só para os gestores de empresas privadas com capitais públicos...
Beijos

 
Às 08 janeiro, 2008 16:30 , Blogger Belzebu disse...

Pois é amigo Peter, isto faz-nos ter saudades do tempo em que se trabalhava à luz da vela! Apesar desse facto, os serviços estavam direccionados para aquilo que era verdadeiramente importante e uma frase não era escrita a dez ou doze mãos! Hoje, esse monstro adiposo que é a nossa Administração Pública, perde-se em papeis e pareceres que nos levam à loucura.

Aquele abraço infernal e um excelente 2008!

 
Às 08 janeiro, 2008 20:30 , Blogger Peter disse...

"belzebu"

O aumento anual da despesa pública é muito capaz de ser resultante da proliferação de pareceres e estudos, encomendados pelo Estado a firmas de advogados, a especialistas que suponho serem credenciados, estudos e pareceres, que se fazem e refazem, etc
Parece que o semanário "SOL" tem tentado infrutiferamente identificá-los, mas trata-se de um segredo muitíssimo bem guardado.

 
Às 08 janeiro, 2008 22:42 , Blogger JOY disse...

È uma demonstração clarissima do que é a burocracia em Portugal e que tudo atrasa .

um abraço
JOY

 
Às 11 janeiro, 2008 19:55 , Blogger Zé do Telhado disse...

Excelente!

Um @bração do
Zé do Telhado

 
Às 13 janeiro, 2008 16:18 , Blogger António disse...

Ó Peter!
Com o SIMPLEX é tiro e queda!
ihihihihih

Abraços

 

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