O PORTO: O MORRO E O RIO - 13º EPISÓDIO: O RIO
O Morro e o Rio disseram onde era. O Portuense foi dizendo quando e como havia de ser. No Morro viveu. Com o Rio conviveu, com carinho e amizade como se por inteiro lhe pertencesse, desculpando-lhe as birras e maus humores, reconhecendo a dificuldade do seu percurso, tanto ou maior que a vida da própria cidade, adivinhando o seu próximo encontro com o mar, palco de dramas e naufrágios sucessivos.
Mas foi por aí que o Porto se ligou ao Mundo. Fácil ou difícil, foi por essa barra estreita que entraram os Cruzados, que Pedro Pitões, em Pena Ventosa, incentiva a conquistar Lisboa. E foi por ali, séculos passados, que saíram os barcos, com homens e mantimentos, rumo a Lisboa também, desta vez com o auxílio possível ao ainda Mestre de Aviz, cercado pelas tropas de Castela.
É ainda por esta barra, 450 anos depois, que numa operação desesperada as forças liberais rompem o cerco - sim, o cerco do Porto de 1832/33- desembarcam no Algarve, para dias depois entrarem em Lisboa, consagrando a vitória de D. Pedro IV.
Mas há a outra história, a do dia a dia, sem datas nem reis, em que a guerra é bem outra. Mas onde também a vida se joga, porque o rio de amigo passou a carrasco, cobrando o seu preço sem pena nem dó.
Com a zona ribeirinha como local de trabalho onde tudo converge, da estiva aos estaleiros, da tripulação do barco às hospedarias e a todos os meios de transporte, é o rio que dinamiza a cidade, que cria ao portuense o amor ao comércio, o gosto pelo risco, o espírito empreendedor. Mas é toda a região norte que também empurra, com os seus produtos que é preciso escoar pela barra fora; e os outros, de que carece e que vai receber na volta.
E a população do Morro extravasa a Cerca Velha; preenche mais tarde o espaço das Fernandinas; e hoje já mal se lembra que a sua Torre dos Clérigos ficava de fora...
Atravessar o Rio, ligando as duas margens, permitindo o trânsito de pessoas e coisas, foi desde sempre o terrível desafio colocado ao habitante do morro. Mas se por aqui passava a Via Romana, se Calem e Portus se situavam por estas bandas, então a passagem mais simples era mesmo esta – e daí derivou a localização de tudo o resto.
Foi preciso esperar por 1806 para haver uma ponte das barcas com carácter permanente: nasceu com má sina; três anos depois, 29 de Março, 4ª feira de cinzas, uma multidão alucinada, fugindo de Soult, era engolida pelo Rio, desta vez inocente. A tragédia ficou registada para sempre: o desastre da Ponte das Barcas.
1843 : A Ponte Pênsil ; 1886 : A Ponte de D. Luís. As duas margens ligadas, finalmente, por uma ponte que ainda hoje nos orgulha.
ANO : 2007
O Morro - A velha ponte de D. Luís, maravilha de resistência e harmonia, adaptou o tabuleiro superior ao metro e mantém o inferior, como antigamente, para pessoas e viaturas, garantindo o trânsito local entre as margens vizinhas.
Arrábida, Infante e Freixo encarregam-se de tudo o mais, retirando do Morro o movimento febril que até 1963 (inauguração da Arrábida) a Ponte de D. Luís, sozinha, garantia.
O Bispo continua a viver na zona onde sempre teve a residência, muito mais respeitado que nos tempos em que era Senhor da Cidade.
O Rio - Aquele barra não permitia mais nada.
O porto de Leixões (1895) esvaziou a Ribeira que, lentamente, se converteu ao turismo, como o próprio Rio que algumas barragens domesticaram.
O Morro e o Rio
Dois grandes Senhores.
Reformados? Os grandes Senhores não se reformam. Nem morrem.
Oh velho tristonho, de cara enrugada
Quem és afinal?
Eu sou este morro, ventoso, rochoso
Com porta fechada se alguém não me agrada
Mas sou Portugal.
Andei pelo mundo, já fui marinheiro
Em barco de vela.
Lutei com D. Pedro, João o Primeiro
Mas não por Castela
O tempo do Bispo foi duro p'ra mim
Então disse não
Mais vezes que sim.
Da Corte não gosto, ao fim e ao cabo
Que fiquem lá longe, que vão p´ro diabo
Teimoso e sisudo. Pois é. Sou assim.
E tu, Rio Douro, que vens das Espanhas
Ninguém te parou?
Eu não me detenho, conquisto sozinho,
Descubro o caminho perfuro as entranhas
Cheguei, aqui estou.
Custoso percurso, difícil entrada
Nas águas do mar.
Servi de fronteira, servi como estrada
Com pouco a cobrar.
Embora não saibam e tal não pareça
Se o Morro foi Porto
A mim me agradeça.
Porque eu fui a via que trouxe o progresso
Mas nada vos peço nem nada mais digo.
Fui bruto por vezes. Mas sou vosso amigo.
F I M
(Fernando Novais Paiva)
NOTA FINAl
Chegados ao fim deste percurso, começado a descrever a 28 de Dezembro do ano passado, cumpre-me agradecer os diversos comentários, geralmente motivadores, que foram sendo publicados no decorrer dos episódios. Optei por só agora o fazer, de forma colectiva, para não cair na situação desagradável de responder a uns, ignorando outros - tanto mais que não foram postas questões que aconselhassem esclarecimento directo.
Para o meu amigo Peter aí vai um abraço. Sem o seu convite não teria tido o prazer de escrever estes episódios, na base do vídeo que o meu tempo livre me estimulou a fazer.
Algum trabalho também teve a preparar a sua publicação. Mas fê-lo com gosto. Como com gosto vive a gestão diária deste blog.
Aos outros dois "proprietários" um abraço também. Em certa medida fui um intruso que gozou da vossa anuência.
Etiquetas: O Morro e o Rio
26 Comentários:
Excelente post.
bela crónica sobre a Invicta....
Saudações de uma "natural da Invicta"...
De coração...
Adorei as crónicas e concordo com o final..
Obrigada...
Beijos e abraços
Marta
Tenho pena de ter apanhado precisamente o último de uma série posts sobre o Porto e o Douro.
Talvez consiga ir repescá-los para trás, pois não é todos os dias que se lê um trabalho da qualidade deste que aqui é apresentado. E as fotografias... que maravilha!
Parabéns!
Um abraço
Obrigada pelo prazer que foi conhecer a história do Porto através destes excelentes textos.
Um post excelente, culto e informado. Um post que acrescenta e dá conhecimento. Venham mais.
Meg
Clicando em "Libellés: O Morro e o Rio" poderás ler todos episódios da Série.
Abraço
UM final magnífico neste 13º episódio desta série que me encantou sobre este nosso Porto.
Parabéns!
Beijos
Paula Raposo
Em virtude de ter apagado o "post", reproduzo o comentário que ali deixaras:
"Esqueci-me de acrescentar no meu comentário anterior, que todas as gravuras e fotografias destes textos são lindíssimas e que gostei de todas.
25 Outubro, 2007 09:28"
O Fernando Paiva agradece as tuas amáveis palavras.
Tem interesse a identificação de duas gravuras:
A do lado superior esquerdo é um pormenor de "Embarque de Vinho do Porto no Século XV" de Veloso Salgado, Palácio da Bolsa.
A antepenúltima constou dos 7 primeiros episódios (lado superior esquerdo) e é uma tela intitulada "Barredo" do meu conterrâneo Dordio Gomes.
Excelente post! Fiquei encantada! Lindos versos, que combinaram perfeitamente com o belo texto!
Fernando, espero que continue juntamente com os companheiros, a abrilhantar esse encantador blog.
Fiquem com Deus!
Beijos
AGRADECIMENTO
Aos 273 visitantes que, em 2 dias nos honraram com a sua presença para apreciarem o "post" do Fernando Paiva.
Com certeza que não são todos portuenses, e mesmo se fossem?
À "bluegift" também quero agradecer a sua disponibilidade em rectificar pequenos problemas surgidos na edição do "post".
Peter
Uma só palavra:
DELICIOSO!
(Sou beirã e também digo: Pois é.Sou assim)
Um abraço
Irene
acompanhei com gosto a leitura das diversas crónicas sobre a Cidade Invicta.
com o duplo prazer de revisitar alguns locais que guardo na minha memória de estudante de Coimbra com longos fins de semana no Porto...
abraços
Texto inspiradoo.Na media da sua leitura vamos acompanhando a trajetória do desenvolvimento exposto.Quantos não aprticiparam disso tudo .A foto com as pontes é soberba porque retrata três tempos distintos mas igualmente grandes.
Parabéns por esta excelente série de 13 episódios - O Porto: o Morro e o Rio - que acompanhei com grande interesse desde o seu início.
E mais interessante foi por falar da minha querida cidade natal e por me ter ensinado muitas coisas que eu não sabia.
Um abraço ao Fernando Novais Paiva e ao Peter
Peter
Muitos parabéns ao Fernando Paiva está um trabalho Excelente
Obrigada Peter por partilhares estas maravilhas
Beijo com carinho
VENHO A PEDIDO DE ALDA DO BLOG CRÍTICAS & DENÚNCIAS, SOLICITAR QUE SEJA ENVIADO O EMAIL DESTE BLOG PARA QUE POSSAS TER ACESSO ÀS CONTAS DO S.O.S. MISÉRIA. CASO JÁ TENHAS ENVIADO, FAVOR DESCONSIDERAR ESTE AVISO.
O email para o qual deves enviar o vosso é:
s.o.s.miseria@hotmail.com
Fica desde já o meu beijo e votos de um belíssimo final de semana!
Menina do Rio
Vinha à procura de novidades... mas devem estar aí a "estalar".
Volto, caro Peter!
"meg"
Não, não há novidades. Aliás enquanto o blog estiver com o número de visitantes que está a ter diariamente, eu não coloco outro "post".
Sabes bem que nós, normalmente, só lemos o último post, assim se colocasse outro, as atenções seriam desviadas do artigo do Fernando Paiva, o que seria imerecido.
Volta sempre e que tenhas um bom fds.
Peter,
Ora aí está uma coisa em que não tinha pensado e acho que tens toda a razão.
Embora eu "ande a ler" o post... saboreando e recordando muitos momentos passados ao longo das espantosas margens desse Douro que conheço e não esqueço.
Bom fim de semana.
Um abraço
ISto é um tratado.
Esqueci-me de fazer uma referência especial às magníficas gravuras e fotos que, desde o seu início, integraram este trabalho.
Abraços
DE ti só poderiam vir tão preciosos ensinamentos...Correctos deliciosos e chamativos do amor pelo nosso Porto.
Obrigada Fernando.
Continua.Não pares.Não guardes só para ti o belo que nos podes proporcionar. Abraços
Cibernauta
Gata fedorenta
Profundo.Nostálgico. Mexeu comigo.
A. Martins
A.Martins
Se estiveres interessado e tiveres tempo e paciência, poderás ler a Série completa clicando em:
Libellés: O Morro e o Rio
Estou a responder pois o autor FPaiva não tem blog
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