Poema dum Funcionário Cansado
A noite trocou-me os sonhos e as mãos
dispersou-me os amigos
tenho o coração confundido e a rua é estreita
estreita em cada passo
as casas engolem-nos
sumimo-nos
estou num quarto só num quarto só
com os sonhos trocados
com toda a vida às avessas a arder num quarto só
Sou um funcionário apagado
um funcionário triste
a minha alma não acompanha a minha mão
Débito e Crédito Débito e Crédito
a minha alma não dança com os números
tento escondê-la envergonhado
o chefe apanhou-me com o olho lírico na gaiola do quintal em frente
e debitou-me na minha conta de empregado
Sou um funcionário cansado dum dia exemplar
Por que não me sinto orgulhoso de ter cumprido o meu dever?
Por que me sinto irremediavelmente perdido no meu cansaço
Soletro velhas palavras generosas
Flor rapariga amigo menino
irmão beijo namorada
mãe estrela música
São as palavras cruzadas do meu sonho
palavras soterradas na prisão da minha vida
isto todas as noites do mundo numa só noite comprida
num quarto, só...
antónio ramos rosa
10 Comentários:
"bluegift"
António Ramos Rosa é sempre o número 1 para mim. Não conhecia o texto, que apreciei.
Podes ler um artigo muito interessante do encontro entre a "Menina Marota" e o poeta, com foto desse encontro.
O artigo é do dia 01 deste mês e encontra-lo no blog:
http://meninamarota.blogspot.com
que consta nos n/links.
Bom Domingo
Tenho andado ausente deste blog, por isso vou começar pelo último post e vou andando para baixo...
O Ramos Rosa não era o velho surrealista que morreu recentemente?
Beijinhos
Pondo em dia...
Belas anedotas em baixo.
Este é um poema grande, da escola pessoana. E revejo-me nele, poema. Por vezes sinto-me exacti-qual.
Abraços
Pois...quando estava a ler pareceu-me que seria um escrito do Pessoa.
Mas o Pessoa não era surrealista.
Será que já disse muitas asneiras?
Beijo
Excelente escolha, Bluegift. Beijos para ti.
António, aquele a que te referes é Mário Cesariny, falecido em 26 NOV 06, com 83 anos.
Este é António Ramos Rosa, para mim o maior poeta português vivo e por quem tenho um carinho especial pois foi com ele que me iniciei na leitura de poesia.
Podes ver uma foto dele com a "Menina Marota" no artigo que esta escreveu em 01 deste mês: "E no olhar para a alma do Poeta ..." e publicou no seu blog que consta dos n/links.
Obrigado Peter, pelo óptimo comentário. A respeito das reencarnações, ainda vou publicar um diálogo platónico sobre o assunto, que ele aborda no Diálogo Fédon.
Mas quem não se sente um pouco dentro do poema? O mal fadado inconformismo, do nosso quotidiano.
A música está muito bem escolhida, não tenho tido sorte com as minhas, arrancam muito lentamente, a que não ouviste, era lindíssima, do filme a A Missão.
Um abraço. Augusto
Um belo poema de António Ramos Rosa de quem muito gosto.
Beijo
Olha blue, també me sinto assim... farto.
Beijos amiga
"o futuro é uma criança esfarrapada e luminosa no ombro do horizonte"
(“A espécie viva”, poema de António Ramos Rosa in “Gravitações”)
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