O Peso do ser
[A insuportável leveza do ser ou o insustentável peso do ser?!]
Entre um trago agridoce de café o fumo espiralado do cigarro evoluindo no sentido ascendente, perdendo-se na ilusão do limite pairando porém poucos centímetros acima das nossas cabeças, a sombra estilizada de demências e o constatar do aroma nauseabundo de conceitos absurdos, obscenamente absurdos, detém-se o olhar parado e vítreo do homem. Nada incomoda mais do que o simples pensamento de um olhar sem ver.
O passear nervosamente entre a mesa de trabalho, a máquina de café e a mesa coberta por um pano escuro, tão escuro quanto a solidão de um início de noite em que a única possibilidade de diversão é o agarrar no trabalho. Nele se esquecem as desarmonias. Trabalho é esquecimento.
Teimosamente uma mosca circunda o espaço deixando um leve zunir irritante. Apetece despedaçá-la contra a vidraça que também ela se estilhaçaria em milhões de partículas vítreas. São esses pedaços estilhaçados que tento reunir de forma a formar O SER, O TODO.
Alguma vez algum de nós se poderá considerar completo?!
O balouçar à beira do poço desafinado gravidade que atrai inexoravelmente corpos para o seu interior enquanto a mente tenta fazer um exercício de raciocínio entre o mergulho ou uma vida de servilismo: a eterna luta entre a razão/emoção.
Ouvi-te sorrir cansada. O balão.O balão agora oxigénio comprimido mais leve que o ar, mais leve do que tudo a servir de analogia entre um silêncio desesperado e a certeza de um amor encontrado que se espraia em plenitude preenchendo todos os espaços interiores de tal forma que ameaçam rebentar e espalharem-se em apoteótica alegria partilhada.
Ao longe, já muito ao longe a certeza de que um Oceano não seria entrave ao encontro.
As pálpebras semicerram-se…
Ainda na penumbra os contornos labiares o nariz aquilino e esguio os mamilos erectos.O toque. A posse.A entrega.A partilha.
O cigarro devora-se a si mesmo. A espiral de fumo leva o insustentável peso do ser e todas as solidões.Apenas a noite e o sonho…
17 Comentários:
Às vezes também me debato com esse paradoxo, até porque na belíssima obra com o mesmo título eu não encontro a minha resposta, embora se possam tirar inúmeras outras dúvidas...
todas as solidões, são só uma!
a pior de todas talvez a solidão acompanhada!
Belíssimo este teu divagar pela solidão preenchida pela presença ausente. Gostei bastante. Beijo
Eis uma excelente divagação, como só tu consegues fazer.
O ser é tanto mais pesado, quando mais pensamentos preocupantes lhe pusermos em cima.
Vivamos, de preferência sem a consciência exacta do peso que transportamos.
Beijos *
Gosto de me deixar flutuar nas tuas fantásticas divagações... também acho que a vida e especialmente as emoções, são muitas vezes povoadas de contra-sensos. É por isso que não podemos permitir que o peso do ser nos esmague os sonhos!
Beijinhos ;)
como sempre amei ler.te
..o peso da presença ausente...
jocas maradas do tamanho do mar
como sempre amei ler.te
..o peso da presença ausente...
jocas maradas do tamanho do mar
Fiquei contente de ver a minha amiga Ginha por aqui :)e, dou-lhe toda a razão, não podemos permitir que o peso do ser nos esmague os sonhos :)
Genio, Deus, escritor, jornalista, as facetas.
lazuli disse...
letrasaoacaso, meu amigo, hoje transcrevo um texto teu.
e eu fui ler e ainda pude ver qual era o texto, aquele que ele me dedicou em 2004, depois de longas conversas por msn.
o letras ao acaso é um escritor do coração e sedução.
era o outro que colocaste antes e nao o que lá está agora, mas é da mesma altura mais ou menos, mas já não foi a mim, foi à mulher seguinte.
e como escritor é muito bom, não um génio, mas muito bom escritor, por isso leio o que ele escreve.
Qual o momento (mágico?) em que deixa de ser leveza e se transforma em peso?
Newton decidiu deixar toda a responsabilidade por esse momento exacto a cargo da gravidade. Eu prefiro ficar com Kundera, que em boa hora aqui trouxeste, neste permanente equilíbrio instável, esta dicotomia que fascina e me transcende...
beijos.
Querido Zé
A tua escrita é um prazer...;)
Beijinhos
Destaco:
"Nada incomoda mais do que o simples pensamento de um olhar sem ver."
É um enorme prazer ler-te, Zé.
A frase que mais me chamou a atenção foi exactamente a que o Peter destaca.
Um bjo e um doce sorriso
A insustentável leveza das palavras que não se escrevem ao acaso. O insustentável peso da solidão. E, sempre, o prazer de te ler.
Um beijo para ti, Zé.
... porque me deu saudades de te ler, aqui estou!
Beijo, amigo.
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