sexta-feira, dezembro 5

George Steiner


George Steiner é um dos expoentes máximos da grande Cultura Europeia. Nascido em Paris, judeu, escapou por um triz ao Holocausto por causa de um pai que emigrou a tempo. Educou-se na França, nos Estados Unidos e na Inglaterra, as suas pátrias e as suas línguas ao serviço de uma inteligência ambiciosa e de uma memória que se recusa a esquecer a dimensão moral da escrita e da vida. Aquando da sua recomendação para Norton Professor (um dos leitorados mais ilustres dos EUA), o júri de Harvard afirmou: "Com a sua notável fluência em muitas línguas, e o seu profundo conhecimento das literaturas e filosofias de várias culturas, Steiner é um dos maiores "comparatistas" do mundo."
Livros publicados entre nós no corrente ano: “No Castelo do Barba Azul”, do Relógio D` Água, “Anno Domini”, “A Ciência Terá Limites?”, “Os Livros Que Não Escrevi” e “Provas e Três Parábolas” , das Publicações Gradiva.

Escreve Clara Ferreira Alves (CFA):
“O nome impõe um respeito imediato. Para os admiradores, ele é o crítico de literatura mais consistente e mais influente de todo o século XX. O autor de uma dezena de livros fundamentais para compreender o mundo em que vivemos e o mundo em que pensamos e escrevemos. (…) Os seus leitores formam uma comunidade, como escreveu John Banville, inclusiva. Quase religiosa, dir-se-ia. Muito mais do que Harold Bloom, Steiner é o último sábio, o grande humanista. Que resiste ao lugar-comum e ao «kitsch» do pensamento contemporâneo.
Ouvi-lo é um prazer, um exercício da lucidez que já não existe. Ele diz que não poderia viver sem Schubert, nem sem xadrez, nem sem os passeios nas montanhas da Suíça, país onde é tratado como Professor Emmeritus, em Genève. Em Cambridge, onde vive e lecciona, é famoso pelas suas opiniões e o seu génio. Em Oxford, é Honorary Fellow e em Harvard é recebido como um mestre. A sua tradição é a de uma Europa que respeita os saberes e constrói o prestígio das universidades. O seu mundo é o dos livros, que não lhe desviam a atenção dos problemas do século. “

Fui redescobri-lo nos meus arquivos numa entrevista notável feita por Clara Ferreira Alves e publicada no semanário “Expresso” (?) quando, também não sei. Resolvi publicá-la em sucessivos artigos, possivelmente estarei a violar “copyrights” mas o meu interesse é apenas divulgar conhecimentos que, de outro modo, iriam jazer “ad eternum” em arquivos informáticos ou poeirentos.
A entrevista inicia-se com um assunto de extrema actualidade: a crise económica.

CFA - Já escreveu sobre a morte da tragédia. E a anunciada morte do romance?
GS - Muito poucos romances são sobre pessoas crescidas, hoje. Existe uma terrível infantilidade na maioria da ficção. O romance não conseguiu tratar os grandes assuntos do nosso tempo. Alguns textos trataram os horrores do século XX sem serem completamente inadequados, mas são poucos. E se acreditarmos que o nosso mundo está todo a ser transformado pela ciência, em todos os aspectos, com três grandes portas que se abrem, o romance falhou. A primeira é a criação de vida molecular, que mudará tudo, a lei, a filosofia, a teologia, tudo. A segunda, os limites do universo e a teoria de Hawking e por aí fora. E terceira, a compreensão da consciência. Quando digo Eu ou Tu, estou a falar de quê? De açúcar no sangue, ou de uma certa combinação de macromoléculas de carbono? Ninguém, desde Musil, ou Thomas Mann, tentou sequer mostrar a vida da ciência, na mente e nos sonhos. Talvez os escritores mais importantes tenham sido os que escreveram ficção científica, Asimov, Clarke...
CFA - Philip K. Dick?
GS - Absolutamente, ele previu tudo, dos satélites artificiais ao Valium, o Valium que já estava n’«O Admirável Mundo Novo» do Aldous Huxley, um livro brilhante de um homem que tinha sido treinado pela ciência. Eu acho que existe uma preguiça do romance, não faz o trabalho de casa. Não existia um ramo da ciência que Milton, ou Dante, ou Shakespeare, não conseguissem espreitar. Quem, entre os grandes escritores, consegue falar da grande crise económica, como o fizeram Balzac ou Zola, ou um menos conhecido, o Trollope, na Inglaterra, com «The Way We Live Now»? A primeira grande crise dos ciclos económicos. Eu sou muito impopular em Inglaterra por causa de dizer que a maioria dos nossos romances são sobre adultério em Kensington."

(continua)

12 Comentários:

Às 05 dezembro, 2008 01:56 , Blogger alf disse...

Interessante entrevista sem dúvida. Os romances são escritos para o mercado feminino e a sua função é serem geradores de emoções afectivas. Como as telenovelas.

Houve uma tradição de ficcionar o conhecimento, desde o Julio Verne pelo menos, mas isso desapareceu. E porquê?

Porque os cientistas passaram a produzir um conhecimento intratável, inexistente para além das fórmulas. Incoerente. Se adaptado a uma trama de ficção resultam num romance sem pés nem cabeça porque não há lógica que suporte o «conhecimento» actual.

Experimentem inventar um enredo com as teorias do Hawkins, com matéria negra, energia negra, espaços tempos curvos, buracos brancos e negros, buracos de verme, bosões de Higgins... já se tentou tudo isso, mas os resultados foram decepcionantes (e, quanto à questão da consciência, os orientais têm teorias muito mais avançadas do que a ciência, qq escritor sabe isso)

Cá para mim, o problema não está nos escritores, está na Ciência... porque o «conhecimento» que produz é só para iniciados, um escritor não pode comunicar através de fórmulas.

...bem, isto foi o que me ocorreu ao ler este interessante post...

 
Às 05 dezembro, 2008 08:45 , Blogger antonio ganhão disse...

Depois do que o Alf disse só me resta dizer: venha a continuação.

 
Às 05 dezembro, 2008 10:34 , Anonymous Anónimo disse...

Alguns dos escritores citados na entrevista encarregam-se de desmentir o que já foi dito, especialmente na parte em que os romances são para públicos femininos.
A não ser que se queira recorrer à fórmula de ver o romance reduzido àquelas publicações de sarjeta!

 
Às 05 dezembro, 2008 10:57 , Blogger Peter disse...

alf

É uma extensa entrevista que se deve prolongar por mais 4 ou 5 dias, mas considero-a um autêntico "tesouro" que encontrei nos meus arquivos e que decidi publicar, até para meu prazer pessoal.

Com certeza reparou no que GS diz:
"Talvez os escritores mais importantes tenham sido os que escreveram ficção científica, Asimov, Clarke..."

No seu comentário, aliás excelente, há pontos que me permito discordar:
“os cientistas passaram a produzir um conhecimento intratável, inexistente para além das fórmulas”

Iniciei as minhas leituras no já longínquo 81 com “um pouco mais de azul – a evolução cósmica” do astrofísico franco-canadiano Hubert Reeves, aliás o meu autor preferido. Achei-o acessível e muito interessante para quem, como eu, era um novato nessas andanças.

Completamente de acordo consigo quando escreve:
“quanto à questão da consciência, os orientais têm teorias muito mais avançadas do que a ciência”

Esta semana comprei as minhas prendas de Natal:
- “O futuro está determinado?” do Ilya Prigogine, que pertence à categoria a que se refere: “um escritor não pode comunicar através de fórmulas.” Não sei se serei capaz de entrar com ele…
~ “Einstein – a sua vida e o universo” 449 págs de letra miudinha… que foi considerado a melhor biografia do ano. Vou levar aí uns 6 meses a lê-lo.

Mas queria falar consigo sobre o um artigo, ou melhor, são vários artigos subordinados ao mesmo tema e publicados no nº deste mês da revista “Sciences et avenir”. Trata-se dum dossier realizado por David Larousserie: “La deuxième révolution quantique” e abrange as págs 48-61.
Para mim é muito difícil de ler, tenho do fazer página a página, lendo e relendo e depois desisto e volto ao princípio. Não tenho tempo, nem paciência, nem bases…
Mas se tiver oportunidade de apenas folhear a revista numa livraria, veja o intrincado das curvas calculadas e realizadas pelo físico Emmanuel Desurvire que representam (quanto a ele…) um “estado quântico intrincado com ele próprio e o resto do Universo”. Abrange as págs 48 e 49 e é de pôr os olhos em bico.

Bom fds.

 
Às 05 dezembro, 2008 10:59 , Blogger Peter disse...

antonio - o implume

Aí tens a continuação rsrsrs

Bom fds

 
Às 05 dezembro, 2008 11:07 , Blogger Peter disse...

Ferreira-Pinto

Confesso a minha ignorância: não conhecia George Steiner, apenas a entrevistadora, por isso não posso argumentar contigo. Publiquei a entrevista, ou melhor, estou a publicá-la, porque ela é para mim um "mundo novo".
Mas nada obsta a que venhas enriquecer o debate com a tua argumentação.

És sempre bem-vindo.

 
Às 05 dezembro, 2008 14:43 , Blogger vbm disse...

Por acaso não me parece que a literatura e a ciência estejam tão divorciados assim que não possamos abeirarmo-nos de uma com o espírito da outra!

Digo isto animado pelo Diálogo sobre a Ciência, a Cultura e o Tempo travado entre Michel Serres e Bruno Latour que estou a ler presentemente.

Deve comparar-se sim cada ramo de saber com os demais, nada impedindo que o romance se erga da última vaga de investigação científica.

Houellebecq não nos transporta imaginativamente para o reino da engenharia genética nos seus romances Possibilidade de uma ilha e Partículas elementares?

E o que dizer de Michel Serres que mostra em Lucrécio - literato da Roma Imperial - e em Descartes, dois percursores da actual física quântica ao modelarem a explicação profunda do mundo físico à base de fluídos, turbilhões, vórtices e caos!?

Porém, lamentavelmente, nunca li nada de Steiner :(

 
Às 05 dezembro, 2008 15:08 , Blogger Peter disse...

vbm

Nem eu.Talvez tenha ficado deslumbrado com o currículo do autor (que omiti) ou com os encómios da Clara Ferreira Alves, ou com os 5 livros dele editados entre nós este ano, dos quais 4 têm a chancela da Gradiva.

Talvez os livros de Stephen Hawking não sejam de leitura fácil, mas lêem-se. No polo oposto temos o Hubert Reeves que é talvez, no que respeita ao seu poder comunicativo, o sucessor do saudoso Carl Sagan.

O teu comentário dá-me boas pistas de leitura, mas onde vou arranjar tempo para os ler?

P.S. - Recebi um e-mail do "ANT". Ficou de me dizer em que dia da semana pretende "postar". Disse-lhe que o Domingo já estava por tua conta.
Claro que o "postar", ou não, depende da disponibilidade de cd um de vós.

 
Às 05 dezembro, 2008 15:27 , Blogger Lúcia Laborda disse...

Oie meu amigo lindo! Não o conhecia, nem sua história. Mas a partir dos percalços, ele contruiiu um belo futuro, uma bela história de vida.
Bom fim de semana! Beijos

 
Às 05 dezembro, 2008 17:13 , Blogger Peter disse...

Olhos de mel

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Às 05 dezembro, 2008 19:03 , Blogger Tiago R Cardoso disse...

Desconhecia...

Interessante.

 
Às 05 dezembro, 2008 21:17 , Blogger Manuel Veiga disse...

abraço, Caro Peter
excelente inciativa a tua...

 

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