sexta-feira, novembro 11

Cascata

Desce o crepúsculo sobre a cidade matizando-a de tons rosáceos e verdes definhados, esbatidos pelo tempo e pelo ciclo da vida. É a natureza na sua constante renovação.

Tão etérea é a imagem que quase vislumbro os guerreiros de outrora.
Uma ou outra pessoa atravessa a rua sempre tranquila. Ao longe os contornos das montanhas já brancas da estrela.

Ainda no local de trabalho tento em vão concentrar-me neste. Impossível!

A tua marca feita a ferros está omnipresente. Sinto a carne dilacerada pela explosão de todos os sentires.
Sei-te perto. Sei-te aqui, pese embora a distância física que nos separa e uma linha quase imperceptível que já ultrapassámos.

Ainda na tua queda envolta em magia planando na enorme cascata transparente, tão límpida que consigo divisar cada pedaço teu tornando cada instante em murmúrios quase incorpóreos.

Na efusão de todas as emoções, a entrega plena. Existimos apenas ambos. Ouço o ruído das águas transparentes a esborracharem-se de encontro ao abismo. É uma imagem que guardo no mais intimo de mim. Apazigua. Apaziguas. Apaziguo-me.

Sinto cada fiapo de cabelo sedoso toar-me o rosto. Em todos os finíssimos fios de cabelo sinto o êxtase das emoções.

[Imagino-nos na longa praia deserta à noite. Apenas as marcas de pés permanecem para além do tempo.
Também todos os sentidos permanecerão intemporais.]








Num ápice o silêncio foi quebrado por estilhaços de vidas e espíritos vagabundos.
A convergência alucinante de cada pedaço espartilhado perspectivando sucessões de vozes sem sons gritando em uníssono o vácuo.

O azul celeste tinge as multicores de uma natureza conspurcada por míseros humanos. O grito de revolta far-se-á ouvir num amanhã não-longínquo fazendo do futuro, agora.

As pétalas das rosas juncam o solo dando-lhe tonalidades rubras/brancas, um branco sujo e morto, no sucumbir das diatribes do Homo erectus que se julga sapiem.

Do caule escorre a seiva/sanguinolenta putrefacta do pecado do Homem.

[O vazio como prova evidente do preenchimento]

Tombam as milenares árvores vergadas não ao peso dos anos, mas ao peso das atrocidades a que são diariamente sujeitas.
Tombam os homens bons. Tomba a clarividência, tomba a verticalidade.

O ser apenas dejecto de nós mesmos é uma constatação do domínio do desagradável. Porém verdade absoluta.
Mesquinhez que se sobrepõem ao são convívio. No passar por cima de sentimentos alheios, a terrível voragem quase obscena do triunfo.
Que triunfo?! – O de ser mais servil do que seria imaginável? – A subserviência como “arma” para se atingir estatuto? – Que estatuto?
Pobres de espírito que misturam a Luz com vis metais!
Pobres de espírito que misturam a Verdade na tremenda mentira que se comprazem em manter!

Nas pétalas de rosas caídas no solo infértil, no limiar do azul, voarei.
Voarei contigo.



"O mundo só pode ser entendido pelos afectos.
A vida de cada um de nós não pode resumir-se a miseráveis números, contas bancárias e matéria.
Para além desta está todo um universo por descobrir. O universo dos sentidos, das emoções, mesmo do imaginário e porque não dos sonhos.

Detecto em determinados comentários um mundo fechado, cheio de ideias feitas. Ainda não entendi qual é o mal de criarmos afectos através deste meio de comunicar.
Aparentemente algumas pessoas com uma visão reduzida do mundo pretendem que apenas o contacto físico pode proporcionar o encontro, o encantamento, ou mesmo o despoletar dos afectos.

Vivem certamente nalgum mundo paralelo onde as novas tecnologias não chegaram, pese embora o facto de as usarem.

Podemos apaixonar-nos por letras? – Claro que sim. Por detrás delas está alguém com toda a certeza.

Uma visão redutora de todo este universo conduz inexoravelmente à cegueira, à trivialidade de comentários anónimos e pouco claros, sempre com a perspectiva de lançar a suspeição. Contam-se meias verdades, vai-se picando quem ao menos se deu ao trabalho de promover o debate, que pode e deve ser sempre interessante. Não é o facto de discordarem de mim, que faz de alguém meu inimigo de estimação. São os ataques muito claros com interesses obscuros que me incomodam.
Apesar de poder parecer a alguns que serei isento de inteligência, devo advertir que tenho alguma. Não muita, mas alguma. A suficiente para entender de onde e porque alguns ataques traiçoeiros vêm.

Apesar disso, ou talvez por isso, o meu profundo desprezo por pessoas que não conseguem ver além do próprio nariz."


[A enormidade de peles assemelham-se a todos os livros já lidos onde se misturam amálgamas de personagens que se confundem num cérebro a acusar sinais dos tempos. Apenas uma marca permanece intacta qual marca d´água insolúvel que apenas se apagará quando já nada restar]


O recordar aquela noite louca em que foste desejada a tal ponto que se transformou em dor por ser a última, as lágrimas incontroladas na noite escura numa estrada deserta onde apenas o agitar fantasmagórico de árvores davam algum sinal de que o mundo ainda rodopiava em torno dele mesmo, num círculo amplexo e viciado repetindo vezes sem conta a lembrança que apenas se queria esquecida.

O eterno retorno ao ponto de partida que mau grado a tentativa de esquecimento se repete a cada segundo como se o tempo não tivesse passado, transforma-se numa série de sentimentos múltiplos que vão desde a raiva incontida à esperança nunca perdida, até á certeza única de que agora estamos sós.

[A enormidade de peles assemelham-se a todos os livros já lidos onde se misturam amálgamas de personagens que se confundem num cérebro a acusar sinais dos tempos. Apenas uma marca permanece intacta qual marca d´água insolúvel que apenas se apagará quando já nada restar]


As luminescências registadas através de uma fina cortina alva resultado de candeeiros acesos numa tentativa infrutífera de iluminar o negro da noite, esbatem-se por sobre objectos vivos e inanimados dando-lhes aspectos irreais. Tudo parece estilhaçar-se de encontro às vidraças protegidas pela ténue defesa branca que evolui ao sabor de ventos em estranhas danças nocturnas.
Registe-se para que conste, que apenas o negro é real.

O fantasiar ou o equacionar situações são tremendo exercício memorial – que não o do Convento – anestesiando corpo, inteligência e vontade.
O continuar a marca d´água presente, tanto mais presente quanto o tempo se esvai entre dedos, levando á confusão de todas as peles qual miríade de livros já lidos onde personagens se misturam sem se conseguirem descortinar características, aromas, vozes, acentua ainda mais essa presença/ausência, a tal ponto que dói.

O tic tac do relógio inexorável recorda o fim que se vai aproximando, também ele de uma inexorabilidade arreliadora; permanecem os aromas inconfundíveis de ti.

Estás sem estar.

O percorrer a estrada sinuosa noite dentro mergulhando no silêncio e na solidão de te encontrar horas depois, silêncios interrompidos pelo retinir do telefone móvel questionando se ainda o caminho a percorrer demoraria muito.

A cidade Templária aparecia então ao olhar repleta de promessas.
Que se cumpriam sempre.

Um dia era apenas um ponto longínquo num horizonte infiel e uma presença inaudita.

Sentir-te em cada espaço que foi partilhado é tudo o que resta.

É intangível a compreensão de desejarmos a felicidade e tudo fazermos para a perdermos.

Apesar disso sei que me sabes.

[Voarei contigo na cascata, descendo lentamente entre as espumas brancas de águas transparentes]

A tua marca feita a ferros está omnipresente. Sinto a carne dilacerada pela explosão de todos os sentires. Sei-te perto. Sei-te aqui, pese embora a distância física que nos separa e uma linha quase imperceptível que já ultrapassámos. Ainda na tua queda envolta em magia planando na enorme cascata transparente, tão límpida que consigo divisar cada pedaço teu tornando cada instante em murmúrios quase incorpóreos. Na efusão de todas as emoções, a entrega plena. Existimos apenas ambos. Ouço o ruído das águas transparentes a esborracharem-se de encontro ao abismo. É uma imagem que guardo no mais intimo de mim. Apazigua. Apaziguas. Apaziguo-me.

8 Comentários:

Às 11 novembro, 2005 22:58 , Anonymous Anónimo disse...

Bebi cada palavra desta cascata, pura, cristalina...

 
Às 11 novembro, 2005 23:13 , Blogger lique disse...

Belo texto para acabar o dia! A queda na casvata tem certamente um sentido purificador.
Beijos, Zé e bom fim de semana

 
Às 12 novembro, 2005 00:28 , Blogger Amita disse...

A imensa sensibilidade nestas letras em marca d'água clara, límpida, transparente, jorrando na castata apaziguadora, serena. Tanta beleza, Zé. Um bjo e uma flor

 
Às 12 novembro, 2005 00:41 , Blogger margusta disse...

Olá amigo,
...hoje passei só para te agradecer as palavras sábias e o carinho que me deixas-te ficar.
Voltarei em dias melhores para te ler.
Beijinhos e bom fim de semana.

 
Às 12 novembro, 2005 00:47 , Blogger Peter disse...

belo texto que nos fala de amor, mas não só. É preciso ler nas entrelinhas.

 
Às 12 novembro, 2005 01:05 , Blogger Amita disse...

:)***

 
Às 13 novembro, 2005 00:38 , Blogger Su disse...

é sempre um prazer ler-te
jocas maradas com afecto

 
Às 13 novembro, 2005 00:41 , Blogger Fragmentos Betty Martins disse...

Olá Zé

Deixar ir na queda da "Cascata" sem nunca chegar ao fim...

Estou a ler um livro de António R. Rosa, em que tem um poema, que com muito carinho te "deixo"

Nuvens

Encantei-me com as nuvens, como se fossem calmas
locuções de um pensamento aberto. No vazio de tudo
eram frontes do universo deslumbrantes.
Em silêncio via-as deslizar num gozo obscuro
e luminoso, tão suave na visão que se dilata.

Que clamor, que clamores mas em silêncio
na brancura unânime! Um sopro do desejo
que repousa no seio do movimento, que modela
as formas amorosas, os cavalos, os barcos
com as cabeças e as proas na luz que é toda sonho.

Unificado olho as nuvens no seu suave dinamismo.
Sou mais que um corpo, sou um corpo que se eleva
ao espaço inteiro, à luz ilimitada.
No gozo de ver num sono transparente
navego em centro aberto, o olhar e o sonho.

Um beijo

 

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