“Adeus à francesa”
Lisboa, 27 de Novembro de 2007
Duzentos anos se completam hoje sobre o triste dia em que Lisboa presenciou uma das mais tristes e chocantes cenas da sua longa história. Por onde dantes saíram caravelas à procura de um mundo novo, à vista de uns Jerónimos que testemunhava uma epopeia sem par, saia agora uma corte, numerosa e atarantada, ao som dos gritos da rainha louca.
O filho, regente, havia decidido rumar ao Brasil, para não cair em mãos francesas.
É esse período terrível da 1ª invasão que se pretende evocar, com uma mensagem muito clara: os reis podem fugir; o povo pode ser calcado por botas estranhas. Mas é o povo quem se levanta primeiro e cria condições para que a corte regresse. Não com choro, nem lamúrias. Muitas vezes com as forquilhas em vez de mosquetes.
O filho, regente, havia decidido rumar ao Brasil, para não cair em mãos francesas.
É esse período terrível da 1ª invasão que se pretende evocar, com uma mensagem muito clara: os reis podem fugir; o povo pode ser calcado por botas estranhas. Mas é o povo quem se levanta primeiro e cria condições para que a corte regresse. Não com choro, nem lamúrias. Muitas vezes com as forquilhas em vez de mosquetes.
D. João VI, príncipe regente nem para fugir tinha jeito. Demorou tanto a fazê-lo que ainda deu tempo a que Junot lhe fosse dizer adeus a S. Julião da Barra, pela manhã de 29 de Novembro de 1807, um mês depois da assinatura do infame Tratado de Fontainebleau que riscava Portugal do mapa, retalhando-o em três bocados, cada um já com o seu dono.
Para o executar aqui estava Junot. Tinha vindo bem depressa, pela Espanha fora e pelas nossas Beiras, que a família real nas suas mãos era uma boa caçada. Não gostou nada de os ver sair do Tejo. O primeiro objectivo não tinha sido atingido e fora em vão que, de tanta marcha forçada, o seu exército se tivesse transformado num bando de maltrapilhos, exaustos e esfomeados.
Resistência, pelo caminho, só a encontrou nas forças da Natureza. O que seria se uma Ala dos Namorados, bem colocada numa dessas serranias por onde a tanto custo passou, decidisse não estar de acordo com o desaparecimento da sua terra?
Lisboa resistira ao cerco de D. João de Castela. Agora fora ocupada por um bando. Naquele tempo, o nosso João estava dentro dos muros. Agora, este João fugia para o Brasil.
Mas é esse bando que o povo deve acolher com amizade, conforme proclamação do príncipe. Então, se são amigos, de quem foge D. João? E para quê complicar-lhes o caminho até Lisboa?
É esse povo, traído, roubado, humilhado, que primeiro se levanta, mesmo antes da chegada do auxílio inglês que tão caro tivemos de pagar.O primeiro grito vem do Porto, 6 de Junho de 1808 e alastra de imediato a todo o Norte. O País acordou e agora está numa guerra implacável a tudo que lhe cheira francês.
A Junta do Porto toma a direcção suprema da revolta, proclamando a independência nacional. É presidida pelo Bispo, D. António de S. José e Castro como se reencarnasse poderes perdidos quatro séculos atrás…
Loison, o célebre maneta (1), parte de Almeida com destino ao Porto, mas em Mesão-Frio recua e regressa à base, deixando no caminho orgulho, homens, material e a devastação como resposta.
O mais temido dos generais de Junot registara um fracasso do tamanho da sua crueldade. Não fora numa batalha, com forças regulares do outro lado, em que tudo é decidido. Foi durante uma incursão para assumir o comando das províncias de Trás-os-Montes e do Porto, em que a grande parte dos seus inimigos são paisanos e milícias populares com rudimentos de armas e sem qualquer preparação militar.
Uma figura começa a destacar-se: Francisco da Silveira, transmontano de gema, na altura tenente-coronel de Cavalaria.
A rebelião tem um outro efeito determinante, para o qual a Junta muito contribui: os Ingleses privilegiam Portugal para teatro de operações e a 1 de Agosto desembarca em Lavos o primeiro contingente.
Roliça, Vimeiro, Convenção de Sintra. A 15 de Setembro, Lisboa, atónita, assiste ao embarque tranquilo da tropa francesa em navios ingleses, com armas, bagagens e tudo o mais. Estranhas condições de um armistício, em que o exército vencido, transportado em navios do vencedor, leva para a sua terra o produto do saque ininterrupto durante nove meses e meio!
"Não sucedeu o mesmo no Porto. Aí a população amotinou-se, chegou a ir assaltar os navios onde embarcara a guarnição francesa de Almeida e o seu comandante viu-se forçado a consentir que lhe revistassem as bagagens, sendo-lhe arrancadas as preciosidades que levava consigo como suprema consolação". (2)
A primeira invasão tinha acabado. E a passadeira estendida aos Franceses também.
Junot voltou a Portugal com Massena, mas não voltou a entrar em Lisboa. Tudo lhe passou a correr mal. O melhor remédio que encontrou foi o suicídio em 1813.
(a): Azulejo existente na praça da vila de Vimeiro alusiva ao desembarque inglês
(1): Origem da expressão “Ir para o maneta”: punir impiedosamente.
(2): História de Portugal – Empr. Lit. de Lisboa, 6º V, M.Pinheiro Chagas, pág 113
(3): Numa cena “que se espera tenha acontecido perto de Lisboa”, representa-se Wellesley em primeiro plano, cortando o rabicho a Junot após a batalha do Vimeiro. (Museu Nacional Soares dos Reis - Água-forte, aguarelada a cores, Grã- Bretanha, Setembro 1808, autor desconhecido.)
(Texto de Fernando Novais Paiva)
Etiquetas: Raízes de um Povo
26 Comentários:
Mais uma vez, um texto excelente.
obrigada.
*
P.S. Peter, vou deixar a cidade do sol:)
Um excelente post, muito bem uma lição de historia.
Os artigos do FPaiva são sempre excelentes. É pena ele querer continuar como "independente" e colaborador eventual.
O teu texto imagem e música são adequados e oportunos.
Não sei se sabes, mas a chamada Bíblia dos Jerónimos foi objecto da cobiça do General Junot, que a levou para França, apenas sendo recuperada por compra que do seu bolso fez o rei Luís XVIII à viúva do marechal napoleónico. Recuperada por Portugal após longas negociações, são os sete volumes da Bíblia dos Jerónimos entregues ao Real Archivo da Torre do Tombo em 1835 , onde se mantém até hoje, sendo considerada “a Jóia da Coroa".
Uma excelente e sucinta lição de História.
Quando à retirada à francesa... enfim, nada a dizer!
No mais, e contas feitas, tanto ingleses como franceses devem ter enchido a mula. E bem.
Excelente este texto do Fernando Novais Paiva, faz nos chorar a nossa condição de “engole tudo e não pia”, ou pelo menos não piamos todos. É triste, o Viriato lá do alto deve remexer a ossada ao olhar cá para baixo.
Também te felicito pela escolha do texto.
Um abraço. Augusto
Bom, passei como costume mas ... allons enfants de da Patrie...
só logo, com tempo, como merece.
Um abraço
Peter
______________excelente aula de história
parabéns ao Fernando Novais Paiva
beijO
bSemana
Olá Bluegift
______________obrigada pelas tuas palavras
gosto muito de te "ver"
__________lá para os meus sítios:))
BeijO c/ carinhO
Excelente o artigo do Fernando Novais Paiva.
E uma imagem me veio à cabeça: Londres a ser bombardeada pela poderosa aviação da Alemanha nazi e a família real a passear pelas ruas e a dar apoio ao seu povo.
Talvez por isso algumas monarquias sejam mais resistentes do que pedras.
Um abraço, Peter
uma lição de História! grato
abraços
António
O FPaiva apreciou particularmente o teu comentário, sem desprimor dos outros comentadores.
O motivo do seu apreço foi a comparação que fizeste entre a atitude tomada pela monarquia britânica e a tomada pela monarquia portuguesa, perante situações de real perigo.
Um óptimo texto da nossa história.
Pois é António, pois é. Mas como não sinto grande vigor patriótico porque carga d'água é que os tipos não conquistaram isto?
Primeiro os espanhóis, depois os franceses.
Falhados é o que eles são.
Óptima colaboração
Um belíssimo texto sobre um episódio marcante da nossa história. da minha pessoal fui mãe pela primeira vez a 27 de Novembro.
Beijos
"papoila"
Parabéns à mãe e à flha/o embora com um dia de atraso.
Quanto ao texto, como não é meu, posso expraiar-me à vontade: bem escrito e bem documentado com gravuras, ou fotos adequadas.
É uma mais-valia para o blogue.
AMIGO
É IMPERDOÁVEL a minha ausência do seu blog...
Não sei explicar o motivo, desânimo pela Vida, será? ando arredada dos blogs amigos...sem explicação plausível, peço desculpas.
Sei que se inicia em breve um mês que me deixa muito deprimida - Dezembro.
Não sei se leu as minhas desventuras pelo Egipto, tudo isto faz alhear-me do que é bom...acabo por ser eu quem mais perde, que fazer?
POR CÁ...cada dia que passa, as pessoas não têm tempo para NADA...no entanto, estamos a chegar a uma época do ano, a mais hipócrita do ano - parece que todos se vão lembrar de todos...rrssssssss, que raiva!!!
Eu nunca me esquecerei do País que me viu nascer:
"Cahora Bassa é nossa" foi a célebre frase que mais se ouviu ONTEM em Moçambique!!!
Beijitos.
A programação agora é em directo do sec XIX, regressaremos ao XXI logo de seguida.
No problemo :))
Olá Bluegift e Peter. Gostei de ler sobre as invasões.
Uma excelente lição de história que é sempre bom recordar.
ANT
Obrigado pela compreensão. O sec XIX trouxe-nos 389 visitantes em 3 dias. Pelos vistos há muitas pessoas interessadas nos artigos do FPaiva.
Essa é mais uma história construida com sangue e lamento de muitos... esse é o lado triste! Gostei de uma frase que colocou: "os reis podem fugir; o povo pode ser calcado por botas estranhas. Mas é o povo quem se levanta primeiro e cria condições para que a corte regresse", é exatamente assim que acontece. Eles provocam, correm e deixam o povo no fogo.
Parabéns pelo belo post!
Aux armes citoyens...
formez vos bataillons... marchons...marchons!...
Apetece ficar a ouvir enquanto se lê e relê este pedaço de História.
Um abraço
Um belissímo texto de Fernando Novais Paiva que nos mostra a História sob um ângulo que nem sempre é mostrado.
Do texto retiro esta frase que quero deixar evidenciada:"os reis podem fugir; o povo pode ser calcado por botas estranhas. Mas é o povo quem se levanta primeiro e cria condições para que a corte regresse."
Um abraço
Este post é uma magnífica aula de história.
Só faltou dizer que mais tarde, em pleno século XX, mais de meio milhão de portugueses invadiram a França e não houve resistência... pudera, iam trabalhar para eles...
Bom fim de semana.
Abraço.
Meg
Os versos da Marseillaise que acabas de citar, a gravura de Napoleão e o texto por baixo desta e que tem muito interesse, pois se integra no que o FPaiva escreveu, são contribuições da "bluegift".
De igual modo. a publicação do texto, a sua composição gráfica e a última gravura, são contribuições minhas.
Evidentemente que todo o mérito é do FPaiva, não só pelos seus conhecimentos históricos, como pela forma como os expõe.
Por tudo isto e, principalmente porque tem havido muitas pessoas a lê-lo e outras a manifestarem interesse em fazê-lo mais atentamente, é que o temos
deixado ficar uns dias.
Obrigado pela visita e bom fds.
"silêncio culpado"
Destacas este texto:
"os reis podem fugir; o povo pode ser calcado por botas estranhas. Mas é o povo quem se levanta primeiro e cria condições para que a corte regresse."
E dizes que o mesmo
"nos mostra a História sob um ângulo que nem sempre é mostrado"
Como sabes, a partir dos anos 40 do século passado, com Lucien Febvre e Marc Bloch, iniciou-se um Movimento conhecido por História Nova, uma "história mais larga e mais humana", cujo objecto é por natureza o homem, melhor: os homens.
"Ciência dos homens no tempo", como escreveu Marc Bloch e não mais o relato cronológico de eventos, ou as crónicas régias feitas pelos cronistas da Corte.
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