domingo, outubro 29

Poema para Galileo

"Estou olhando o teu retrato, meu velho pisano,/aquele teu retrato que toda a gente conhece,/em que a tua bela cabeça desabrocha e floresce/sobre um modesto cabeção de pano./Aquele retrato da Galeria dos Ofícios da tua velha Florença./(Não, não, Galileo! Eu não disse Santo Ofício./Disse Galeria dos Ofícios.)/Aquele retrato da Galeria dos Ofícios da requintada Florença./Lembras-te? A Ponte Vecchio, a Loggia, a Piazza della Signoria…/Eu sei… eu sei…/As margens doces do Arno às horas pardas da melancolia./Ai que saudade, Galileo Galilei!/Olha. Sabes? Lá em Florença/está guardado um dedo da tua mão direita num relicário./Palavra de honra que está!/As voltas que o mundo dá!/Se calhar até há gente que pensa/que entraste no calendário./Eu queria agradecer-te, Galileo,/a inteligência das coisas que me deste./Eu,/e quantos milhões de homens como eu/a quem tu esclareceste,/ia jurar - que disparate, Galileo!/- e jurava a pés juntos e apostava a cabeça/sem a menor hesitação -/que os corpos caem tanto mais depressa/quanto mais pesados são./Pois não é evidente, Galileo?/Quem acredita que um penedo caia/com a mesma rapidez que um botão de camisa ou que um seixo da praia?/Esta era a inteligência que Deus nos deu./Estava agora a lembrar-me, Galileo,/ daquela cena em que tu estavas sentado num escabelo/e tinhas à tua frente/um friso de homens doutos, hirtos, de toga e de capelo/a olharem-te severamente./Estavam todos a ralhar contigo,/que parecia impossível que um homem da tua idade/e da tua condição,/se tivesse tornado num perigo/para a Humanidade/e para a Civilização/.Tu, embaraçado e comprometido, em silêncio mordiscavas os lábios,/e percorrias, cheio de piedade,/os rostos impenetráveis daquela fila de sábios./Teus olhos habituados à observação dos satélites e das estrelas,/desceram lá das suas alturas/e poisaram, como aves aturdidas - parece-me que estou a vê-las -,/nas faces grávidas daquelas reverendíssimas criaturas./E tu foste dizendo a tudo que sim, que sim senhor, que era tudo tal qual/conforme suas eminências desejavam,/e dirias que o Sol era quadrado e a Lua pentagonal/e que os astros bailavam e entoavam/à meia-noite louvores à harmonia universal./E juraste que nunca mais repetirias/nem a ti mesmo, na própria intimidade do teu pensamento, livre e calmo,/aquelas abomináveis heresias/que ensinavas e descrevias/para eterna perdição da tua alma./Ai Galileo!/Mal sabem os teus doutos juízes, grandes senhores deste pequeno mundo/que assim mesmo, empertigados nos seus cadeirões de braços,/andavam a correr e a rolar pelos espaços/à razão de trinta quilómetros por segundo./Tu é que sabias, Galileo Galilei./Por isso eram teus olhos misericordiosos,/por isso era teu coração cheio de piedade,/piedade pelos homens que não precisam de sofrer, homens ditosos/a quem Deus dispensou de buscar a verdade./Por isso estoicamente, mansamente,/resististe a todas as torturas,/a todas as angústias, a todos os contratempos,/enquanto eles, do alto inacessível das suas alturas,/foram caindo,/caindo,/caindo,/caindo,/caindo sempre,/e sempre,/ininterruptamente,/na razão directa do quadrado dos tempos."

(António Gedeão)

“Digam-nos como se vai para o Céu e deixem-nos dizer como “vai” o Céu.”
(Galileo Galilei)

2 Comentários:

Às 29 outubro, 2006 19:44 , Blogger Fragmentos Betty Martins disse...

Peter

Sempre com excelentes posts. Este é de facto*****

Parabéns!

António Gedeão, pseudónimo de Rómulo Vasco da Gama de Carvalho, nasceu e faleceu em Lisboa. Além de poeta, foi professor de Ciências Físico-Químicas, aliando a ciência à literatura.

Uma obra poética vasta e riquíssima.

Fez o Poema para “Galileu” – Espantoso!

"As descobertas astronômicas de Galileu não trouxeram nenhuma "prova decisiva" a favor do sistema copernicano, mas apresentaram à humanidade um novo Universo"

Beijinhos

 
Às 29 outubro, 2006 22:37 , Blogger Peter disse...

Betty:

A teoria do Big Bang não é mais que uma invenção dos ateus.

É uma chatice, lá terão o John Mather e o George Smoot, vencedores do Prémio Nobel da Física de 2006 que devolver o prémio, o Comité Nobel terá de ser substituido, por incompetente, o Steven Weinberg que escreveu aquela aldrabice: "Os três primeiros minutos", vai deixar de vender livros e de ensinar em todas as Universidade e também vai ter de devolver o Prémio Nobel da Física, que ganhou em 1979, o Reeves, o Hawkings, etc, vão perder os empregos e também deixar de vender livros.
A nível caseiro o Director do OAL vai também ter que ser substituido, bem como a totalidade (?) dos Profs Universitários ...

Enfim um cataclismo.

 

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