quinta-feira, fevereiro 16

A morte

Estranho o acto de se contemplar a si mesmo deitado no solo. A sensação era a de ser uma massa inerte e despojada de vida.
Apesar das sombras que contornam o corpo e que se movem na exacta velocidade do rodar do Sol e da Terra.
Como seria de esperar não existia simetria entre o corpo e as sombras; estas estavam mais descaídas na obliquidade da paragem forçada do corpo que apenas se move em função dos movimentos circulares das voltas da Terra sobre si mesma e das enormes parabólicas em torno do Sol. Tudo ao ritmo lento da Natureza.

[Natureza morta] pensou de si para si; o nada que se via a si mesmo deitado de encontro ao solo.

A projecção [dele próprio, corpo morto]. Sorriu.

Sabia vagamente que flutuava embora não entendesse porquê., da mesma forma que [lhe] era ininteligível o facto de estar a ver-se de costas [as imagens reflexas que havia obtido no espelho – apenas de frente – devolveram-lhe sempre uma imagem em negativo de que alguém de quem não desgostava. [Corpo esguio]

Odiava a posição em que se encontrava – por ser uma exposição? – caído de bruços com a perna esquerda esticada e o pé ligeiramente de lado, enquanto que a direita se tinha recolhido a uma espécie de posição fetal – O pequeno corrimento rubro que saía pela nuca dava-lhe a sensação de que poderia estar morto, o que parecia obviamente uma impossibilidade já que se conseguia olhar a si mesmo e sentir o movimento das pessoas a circularem na rua – alheias ao corpo caído – o ruído dos automóveis e até algumas graçolas de mau gosto.

Preocupava-se sobretudo com as sombras, enormes contornos escuros que se moviam com uma lentidão arreliadora.

A invisível campânula vítrea abafava os sons sem deixar entender aos transeuntes a voz que em pânico gritava palavras sem nexo.

Voltou a sorrir quando entendeu que era um indigente, um sem-abrigo, alguém que simplesmente tinha sido despojado de toda a dignidade. A morte sobreviera e apenas os contornos de uma sociedade estranha e sem humanidade permaneciam na memória que o acompanharia na longa viagem a outras dimensões.

Tudo agora eram sombras e inevitabilidades.

10 Comentários:

Às 16 fevereiro, 2006 18:39 , Anonymous Anónimo disse...

A morte algo fascinante e asustador...pq nunca niguém veio contar o que se passava lá por baixo...mas tannats vezes vista como uam solução para tantos males...já a quis já a desjei já abandonei...
pensadora

 
Às 17 fevereiro, 2006 01:16 , Anonymous Anónimo disse...

Faço minhas a palavras da pensadora... Tb já a quis, porque pensei ser a solução... actualmente nem quero pensar nela... mas penso...
Jinhos ternos zezinho...

 
Às 17 fevereiro, 2006 01:35 , Blogger Hata_ mãe - até que a minha morte nos separe Hugo ! disse...

Texto que pode ser tomado no mínimo perturbador...mas, letrasaoacaso, sabes a minha relação com a morte não me assusta.
Principalmente os seres vivos é que às vezes me irritam...
Gostaria de saber, Qem é o Zezinho, o Peter parece que não, serás tu?
Por acaso gostava imenso de saber...
Um abraço

 
Às 17 fevereiro, 2006 08:20 , Blogger joaninha disse...

Também abordas a Morte... numa vertente interessante, pois o texto é excelente. Eu vejo-A como a fronteira para o resto, para o que nunca se foi conseguindo no tempo anterior.
Gostei de voltar a ler-te depois de ums dias de intervalo.Com alergia, fico impaciente e pouco leio.Beijinhos

 
Às 17 fevereiro, 2006 09:00 , Blogger LUA DE LOBOS disse...

já andei por lá e é no mínimo muito agradável... um dia vou contar:)
xi
maria de são pedro

 
Às 17 fevereiro, 2006 16:58 , Blogger Mónica disse...

Para mim a morte não é senão o motor que dá sentido à vida...

Se um dia não morressemos, não teríamos prazos para atingir metas e contruir a nossa vida.

Sabemos que estamos confinados a um espaço de tempo e isso faz com que cada segundo seja precioso...

Bom fim de semana

:)

 
Às 17 fevereiro, 2006 17:31 , Blogger Fragmentos Betty Martins disse...



A vida de todos os dias - é o teu templo a tua religião
...
O nascimento e a morte - são as mais nobres expressões de coragem.

Beijinhos

 
Às 17 fevereiro, 2006 17:37 , Blogger mjm disse...

Este texto é uma fotografia falada. E a indigência, meu caro, está a um palmo do nariz do cego...

--
nota à margem 1:
este background, embora lindíssimo, não facilita a leitura dos posts (estou a usar o Firefox). tive q fazer copy e ler noutra janela.
nota à margem 2:
copy-postei este texto no http://dixit-sic-dixit.blogspot.com/ salvaguardando os devidos créditos.

 
Às 17 fevereiro, 2006 17:45 , Blogger Ana disse...

A nossa condição mortal impele-nos a lutar, a triunfar, a desistir, a perder, a enfrentar, sempre com esperança num dia ou num amanhã melhor. Não imagino a morte a cada esquina, mas acredito que ela é uma passagem. É por ela, que damos tanto valor a pequenos nadas, que são tudo às vezes. Termos conciência da nossa condição mortal leva-nos a ir sempre mais além, a atingirmos objectivos e a realizarmos desejos.
Escreves realmente bem, e os teus textos são propícios a boas reflexões.
Beijinho*

 
Às 17 fevereiro, 2006 18:38 , Blogger Ana disse...

O voo imaginário tem o benefício de nunca ser preciso dele despertar...Mas "é pelo sonho que vamos" sem qlq dúvida.Obrigada pelas palavras no meu blog.São bem simpáticas :)

 

Enviar um comentário

Subscrever Enviar feedback [Atom]

<< Página inicial