domingo, novembro 13

“Os valores” dos políticos, ou a arte do desenrasca!

Louis Armstrong é, sem dúvida, o músico de jazz mais conhecido do público em todo o mundo. Foi chamado de "a personificação do jazz". O seu retrato e sua voz são inconfundíveis, mesmo até para quem não é aficionado do jazz.
A extraordinária musicalidade inata de Armstrong, somada à disciplina técnica adquirida na banda do reformatório, capacitaram-no a tocar num estilo pessoal, incisivo e virtuosíssimo que ultrapassava o estilo reinante em New Orleans naquele tempo.
Se o jazz é a arte do improviso, os portugueses são todos excelentes músicos deste estilo musical. Improvisar – leia-se desenrascar – é uma arte que cultivamos desde o berço da nacionalidade. O próprio acto independentista não está isento desta nobre arte em que nos tornámos especialistas.
Assinalei reformatório em negrito itálico propositadamente.
O estigma que persegue o pobre é imenso e aparentemente inultrapassável.
Quando alguém pobre consegue singrar na vida vêm logo os ditos invejosos.
“Será possível que o Saramago seja um prémio Nobel? – Afinal ele não passava de um Zé-ninguém, sem berço, sem estudos, sem nada. Aqui há coisa”.
E há: inteligência e uma enorme capacidade criativa, associadas a uma enorme técnica que faz inveja aos linguistas.
Saramago não passou por um reformatório. Mas Aquilino passou por um colégio de padres onde fez os seus primeiros estudos, já que não era possível aos pais que viviam na aridez das “terras do demo” proporcionarem-lhe o ensino que merecia.
Um e outro nasceram pobres. Um e outro triunfaram no difícil mundo da escrita. Um e outro galgaram as fronteiras físicas e linguísticas, tornando-se figuras do mundo e património da humanidade, fruto de imenso trabalho que durou anos a ser reconhecido.
Porém, na sociedade que ajudámos a criar, não é necessário passar por um reformatório como Armstrong, ou por um colégio de padres perdido algures em terras da beira, ou ainda ter sido ajudante de serralheiro.
Basta ser-se político. Reformulo: basta dedicar-se à política. Aí sim, o enriquecimento e a notoriedade são rápidos.
Não vou mencionar nomes. Não porque tenha medo de o fazer, mas porque não seria possível apenas numa edição de jornal escrevê-los todos.
Cada um de nós tem conhecimento desses rápidos enriquecimentos. Todos conhecemos um presidente de Câmara, de Junta, um ministro, ou qualquer outro cargo que implique o “pequeno poder”, que entraram com “uma mão atrás e outra à frente” e num ápice eis que surgem os sinais exteriores de riqueza. É o carro topo de gama, é a nova mansão de gosto duvidoso, é a piscina, a empregada doméstica, a frequência quase certa de casas de alterne, os sapatos de marca, a televisão monstruosa. Tudo serve para mostrar aos papalvos que os elegerem que vivemos num país de espertos; chegados ao pequeno poder, rapidamente aprendem de cor a “cartilha” de bem desenrascar. É o cunhado que tem negócio de materiais de construção, o amigo que vende tintas, a tia que vende mobiliário. Começa então a verdadeira arte de iludir os outros. Em documentos todos estes bens foram adquiridos a preços sobrevalorizados sem que no entanto seja possível localizá-los, já que na verdade nunca aparecem. Ganham os “eleitos”, ganham os amigos, os tios.
Não ganham os honestos, a não ser uma consciência tranquila a que já nem me atrevo a chamar de valor!
“Valores?”, questionaria um desses espertos. “Valores” são os meus bens pessoais e a minha conta bancária. Será que têm razão?

10 Comentários:

Às 13 novembro, 2005 19:56 , Blogger Peter disse...

Meu caro Zé, concordo em 99% com o que escreveste.

O 1% que falta, diz respeito ao tempo em que Saramago teve funções directivas no Diário de Notícias.

Vergílio Ferreira também era de famílias humildes. Nasceu em 28 JAN 1916 em Melo (serra da Estrela). Foi educado no seminário do Fundão, onde entrou aos 10 anos, tendo saído aos 16. Essa estadia deu-lhe a experiência para escrever "Manhã Submersa". Como nunca bajulou ninguém e sempre hostilizou o antigo regime e manteve a sua verticalidade, foi uma figura "incómoda", nunca ganhando a simpatia da esquerda e muito menos da direita.

É extraordinário como os aparelhos partidários, em 31 anos, nunca elegeram um profissional militar, um sargento na reserva, ou na reforma, que fosse, para concorrer a uma mísera junta de freguesia.
Extraordinário!
Será que são todos burros?

 
Às 13 novembro, 2005 20:25 , Anonymous Anónimo disse...

Aparelhos partidários são mesmo isso. Aparelhos de interesses inconfessáveis. Após um acto eleitoral vão dedicar-se a traçar novos estratagemas para enganarem o zé.povinho no seguinte.Como sabemos já ng acredita neles.
Adoro Virgilio Ferreira e sei da sua verticalidade.Portugal é padrasto e madrasta para os seus melhores filhos.

Esta coisa está a dificultar os comentários...não me deixava colocar com a minha identidade.

 
Às 13 novembro, 2005 20:30 , Blogger Nilson Barcelli disse...

Pois, falaste muito bem dos valores. Que não há (falei disso no post anterior).
Como também não há música portuguesa (praticamente) se excluirmos o fado. O resto se for cantado noutra língua parece doutro país qualquer. É incaracterística.
Quanto a escritores, temos muitos e bons, o que é uma excepção à regra da nossa mediocridade.
Abraço.

 
Às 13 novembro, 2005 20:34 , Blogger Peter disse...

"Esta coisa está a dificultar os comentários...não me deixava colocar com a minha identidade."

Muito possivelmente por não coincidir com os constantes do convite que te foi enviado.

Vou jantar e depois vou ver se consigo ler o nome com que figuras nos contributors.

 
Às 13 novembro, 2005 20:50 , Anonymous Anónimo disse...

Não concordo Nilson. Portugal tem sim grandes valores em todas as áreas, mas como na maioria dos casos esses valores possuem outros "valores", tão ou mais importantes que complementam a sua inteligência, os mesmos são quase que obrigados a sair do seu país de "espertos" (como o Letras disse e mt bem). A única maneira de serem reconhecidos no seu país é serem descobertos primeiro pelos "outros"!!

 
Às 13 novembro, 2005 21:58 , Blogger Su disse...

portugal é o país do desenrasca .. os pt spre funcionaram desse modo..
bem o dizes

qto às invejas, essas a q te referes, spre existiram, faz parte da natura do pt

(apesar de eu e saramago sermos dois, ele aí , eu aqui...não é obvio q goste de lê.lo, pois não?)

ser politico, tb é um modo de estar, caso se dê bem, td bem; caso se dê mal, escreve um livro

em relação ao resto, costumo dizer, se não herdou, não ganhou o totoloto e ganha simplesmente o seu ordenado, questionem, como enriqueçeu!!!!!!

gostei de ler-te

jocas maradas

 
Às 13 novembro, 2005 22:14 , Blogger Peter disse...

maria taveira, concordo plenamente com o teu comentário. Não podemos esquecer Manuel Damásio, os MadreDeus, Teresa Ricou, Paula Rego ...

 
Às 13 novembro, 2005 22:19 , Blogger Peter disse...

zezinho, apareces nos "contributors" do blog com o "username": zezezinho.
Daí os problemas que dizes vir a sentir.

 
Às 14 novembro, 2005 02:38 , Blogger Fragmentos Betty Martins disse...



Concordo plenamente contigo.

E falando do percurso de Saramago, não foi fácil e muito menos lhe facilitaram as coisas.

Romancista, poeta e dramaturgo, autodidacta, José Saramago apenas concluiu estudos secundários, dadas as dificuldades económicas familiares.

Aconteceu a ele e a muitos outros, infelizmente. Nós vivemos num país cuja mentalidade (era) e continua ser que o valor das pessoas, passa pelo bolsa ou melhor, pela conta bancaria. E quando atingem determinada fama à custa de muito penarem e muitas das vezes fora de Portugal. Então aí pensam duas vezes em falar, se não seria de “bom tom” falar na dita pessoa. Bem fez Paula Rego que os manda passear a todos e diz que nada deve a Portugal.

Mas sem dúvida que temos grandes valores. Não pensando no passado. Pergunto: onde estão os nossos grandes valores da actualidade - em Portugal ou fora? Isto de uma forma generalizada, completamente abrangente – onde estão?

Os que estão cá, e que se ouve falar deles, que lhe dão oportunidades, (não digo que não haja excepções!) são os que vivem tipo parasitas. O compadrio – tios – sobrinhos – amigos – amigos dos amigos etc. etc. etc.

Beijinhos

 
Às 14 novembro, 2005 10:46 , Blogger Peter disse...

Betty, vou contar-te uma pequena história. Há uns anos, trabalhava no mesmo sítio que eu, uma moça que vivia com um estudante acabado de entrar para o IST. Numa das primeiras aulas práticas, o assistente passou um problema e disse à turma que em Janeiro tinham de apresentar o problema resolvido.
No dia em que voltou a haver aulas práticas dessa cadeira, o moço em questão apresentou o problema resolvido. O prof duvidou, disse que não podia ter sido o aluno a resolver o problema, etc e tal.
O aluno, nas calmas, retorquiu ao prof que lhe passasse outro problema parecido que ele resolvê-lo-ia durante a aula.
E assim aconteceu. Para espanto do prof, o moço resolveu o problema.

No dia seguinte, o moço foi abordado pelo adido cultural duma embaixada. Era-lhe proposto: viagens de avião (ida e volta,podia ele não se adaptar) para ele e para a moça, emprego para esta, tudo pago em termos de estudo, alojamento, alimentação e mais uma bolsa para as despesas pessoais.

Claro que aceitaram ...

Isto é rigorosamente verdade.

 

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