quarta-feira, julho 31

A ALEMANHA E O ACORDO DE LONDRES DE 1953


Alemanha e o Acordo de Londres 1953: Que Lições?
Há somente 60 anos, em 27 de Fevereiro de 1953, celebrou-se em Londres, com representantes de 26 países, um acordo que concedeu o perdão de metade da dívida da Alemanha pós-guerra. Estados Unidos, Reino Unido, França, Holanda e Suíça contavam-se entre os países com créditos mais elevados. Entre os países que perdoaram 50% da dívida alemã estavam a Espanha, Grécia e Irlanda. A dívida total foi avaliada em 32 mil milhões de marcos representando cerca de 150% das exportações da Alemanha em 1950.
O pagamento foi calendarizado para o período entre 1953 e 1983 com um período de carência para os primeiros cinco anos durante o qual apenas se pagariam juros. Na antevéspera da reunificação alemã (Outubro de 1990) o governo emitiu as últimas obrigações para pagar a dívida contraída na década de 1920.
Ao contrário da política atualmente seguida pela Troika, o Acordo de Londres de 1953 previa condições a cumprir pelos países credores que se obrigavam a garantir a capacidade de recuperação económica da Alemanha.
O acordo procurou assegurar o crescimento económico da Alemanha e a sua capacidade real para cumprir o pagamento da dívida. Para alcançar esse objetivo o acordo definiu três medidas fundamentais: Perdão de 50% da dívida, reescalonamento do prazo da divida e condicionamento do pagamento à capacidade de cumprimento do país.
Ficou ainda assegurada a possibilidade de suspensão e de renegociação dos pagamentos em caso de dificuldade. O montante afeto ao serviço da dívida nunca poderia ultrapassar 5% do valor das exportações alemãs e as taxas de juro foram estudadas para viabilizarem o bom funcionamento da economia situando-se entre 0 e 5 %. Os credores concordaram que seria inaceitável reduzir o consumo interno para pagamento da dívida, exatamente o oposto das políticas que hoje são impostas pela Troika.
O Acordo de Londres previa uma condição muito equilibrada ao obrigar a Alemanha a apenas efetuar o pagamento da dívida através do superavit da balança comercial. Os credores autorizavam ainda a Alemanha o direito de impor taxas unilaterais às importações que prejudicassem a sua indústria.
O que vemos hoje? Um desprezo absoluto pelos países devedores independentemente do défice crónico das suas balanças comerciais. A degradação económica a que assistimos ameaça seriamente a estrutura social dos países em crise.
Esse acordo também mostrou que a dívida não pode ser vista como uma responsabilidade exclusiva do devedor. Países como a Grécia acordaram de forma voluntária ajudar a criar uma Europa estável e próspera apesar dos crimes de guerra que os ocupantes alemães lhes tinham infligido apenas alguns anos antes.
Talvez a característica mais inovadora do Acordo de Londres tenha sido a cláusula que estipulava que a Alemanha Ocidental só pagaria dívidas recorrendo ao seu superavit comercial limitando os reembolsos a 3% das receitas de exportação anuais. Os países credores obrigavam-se a comprar bens à Alemanha Ocidental para verem liquidados os seus créditos.
Hoje constatamos que a solução para os países endividados é totalmente diversa. A prática tem sido a de forçar os governos a implementar medidas de austeridade e a liberalizar o mercado para se tornarem supostamente “mais competitivos”. Como resultado disso a pobreza e a desigualdade aumentaram na Grécia, Irlanda, Portugal e Espanha, a economia da Grécia encolheu mais de 20% com um em cada dois jovens desempregados. A “estratégia” na Grécia, Irlanda, Portugal, Espanha e agora em Chipre consiste em colocar o fardo do ajustamento apenas sobre o país devedor para tornar a sua economia mais competitiva através do desemprego em massa e cortes salariais. Mas sem credores como a Alemanha dispostos a aumentar a importação de bens desses países isso não vai acontecer. Apenas será aprofundada a dor social nos países devedores.
O acordo da dívida alemã foi um elemento essencial para a recuperação da devastação da Segunda Guerra Mundial. Na Europa de hoje a dívida está a destruir o tecido social. Temos de considerar erradas, para não as classificar como criminosas, as políticas atuais dos líderes europeus.
A União Europeia, e em especial a Alemanha, deveriam refletir sobre as medidas que preconizam comparando-as com as estipuladas no Acordo de Londres. A opinião pública deve lutar para demonstrar que o cancelamento da dívida pública, ainda que parcial, pode ser viável e salutar se houver vontade política e forem adotadas medidas inteligentes que promovam o desenvolvimento económico.
A Europa precisa de refletir e de tomar medidas rapidamente sob pena de se afundar e de perder definitivamente o seu estatuto de continente privilegiado. Parece aconselhável, por exemplo, ter em conta as críticas do economista norte-americano Paul Krugman, Prémio Nobel da Economia, que considera errada a estratégia da União Europeia de combate à crise bem como os cortes acentuados na despesa pública.
Esta crise é certamente o primeiro resultado profundo da submissão dos interesses da Europa no seio da Organização Mundial do Comércio (OMC) designadamente a abertura irracional dos seus mercados aos países asiáticos, com a China à cabeça, e com a consequente destruição da sua estrutura industrial e correspondente desemprego em larga escala. A China não cumpre os critérios da economia de mercado definidos pela OMC pelo que o estatuto de economia de mercado só lhe deveria ser concedido após cumprir todos os critérios. Só assim se pode assegurar a concorrência leal e de equilíbrio saudável.

4 Comentários:

Às 31 julho, 2013 16:19 , Blogger alf disse...

Muito importante e oportuno este post. Agora eu pergunto: e eles não sabem isso?

A minha resposta é que sabem; e que há um objectivo declarado de liquidar os países menores.

Eles mesmo o dizem: gabam-se de que estes países já perderam a soberania e ainda o não perceberam.

 
Às 31 julho, 2013 18:53 , Blogger vbm disse...

Tiveram em consideração a experiência alemã no post-Grande Guerra! No entanto, como não houve guerra nenhuma para a queda do Muro de Berlim e reunificação da Alemanha, as dívidas dos periféricos sulistas estão supostas serem reembolsadas sem revolta.

 
Às 31 julho, 2013 21:48 , Blogger Peter disse...

"O que vemos hoje? Um desprezo absoluto pelos países devedores independentemente do défice crónico das suas balanças comerciais. A degradação económica a que assistimos ameaça seriamente a estrutura social dos países em crise."

 
Às 01 agosto, 2013 22:32 , Blogger Peter disse...

Tens razão VBM, fomos todos nós, periféricos sulistas" que pagámos a "reunificação alemã".

 

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