quarta-feira, julho 1

A menina saiu de casa

Nunca pensei chegar a esta idade e vir a ter quaisquer preconceitos raciais.
Aliás, sempre me achei um defensor acérrimo das igualdades, sejam elas raciais, sociais, académicas, sexuais e outras.

Pensava eu que estava livre de algum dia vir a ter um olhar de reprovação face às opções de vida fosse de quem fosse.

Pois é. Fui apanhado na curva do meu pseudo liberalismo, da minha pseudo defesa das diferenças.
Tudo isto – e mais alguma coisa –, caiu por terra quando a minha filha me apresentou o seu namorado.

O rapaz, um preto (assim mesmo, porque não me apetece estar com polimentos idiotas), de um metro e 90, surge-me em casa para o jantar de apresentação. Não que alguma vez eu tivesse pensado num jantar de apresentação, mas ela insistiu – aparentemente a malta agora gosta dessas etiquetas – e eu deixei andar. Afinal é a minha menina e um namorado é um namorado. Sabe-se lá se virá a ser meu genro, não é?

Ao ver aquela coisa enorme à minha frente fiquei quase sem acção, estupefacto.
Na verdade, se a ideia de ser apresentado, assim, a um namorado, era algo de estranho, fiquei elucidado quanto aos motivos do evento.
Espertalhona…

É claro que culpei imediatamente a Benetton e os seus anúncios multicolores. Culpei o Governo, a globalização, o Obama e um sem número de gente.
E a mim.

Ainda se fosse ao contrário...

O rapaz, simpático, tratou de se pôr a jeito da inquisição própria do Torquemada.
Logo que pude, tentei saber a posição da minha mulher. É claro que ficou desolada com a minha consternação. Afinal de contas tínhamos educado a miúda para fazer as suas opções. Qual era a dúvida agora?

Ainda por cima o Mário, assim se chama a criatura, é enfermeiro e possui uma vida independente. Aliás, com os pais em Angola, não poderia ser de outro modo.
Nem sei se isso não é mais assustador.
Conheceram-se no estágio da Inês no IPO. Ela está a terminar o seu próprio curso de enfermagem e aparentemente encontraram muitas coisas em comum para além da opção profissional.
O Mário está a meio do curso de Psicologia clínica e com uma notas de assustar qualquer pai que queira encontrar um qualquer defeito que sirva para objectar uma relação.

O jantar decorreu agradável. Fosse ele um amigo do meu filho mais velho e tudo estaria bem.
Assim, a minha imaginação saltava de Angola para o apartamento em Telheiras, onde a Inês irá viver quando estiver colocada. Ou antes… Os fins-de-semana fora parecem-me, agora, permissividades que deveria ter evitado.

Agora já nos diz que vai ficar com o Mário, ou que vai passar o fim-de-semana com o Mário ao Algarve ou a Madrid.

Já estivermos juntos noutras ocasiões.
O Mário conhece uns tipos que lhe oferecem bilhetes para concertos na Gulbenkian ou em festivais.
Gosta de jazz, não fosse ele africano.
Descobri que temos visões comuns sobre o mundo.
Pratica Yoga e até tem um curso de Reiki.
Somos de clubes diferentes mas isso até tem piada.

Sobretudo o Mário é meigo, muito meigo. Genuinamente.
E a Inês, na sua calma natural, ama-o.
No final é isso que importa, digo eu para mim todos os dias.

Secretamente espero poder um dia destes ir até Angola conhecer os pais do rapaz. Parece que vivem numa aldeia a vida decorre sem grandes sobressaltos.


(Foto: Google)

10 Comentários:

Às 01 julho, 2009 12:52 , Blogger Quint disse...

Pois ... lendo-o pressinto o que é o dilema de andarmos a pregar como Frei Tomás para depois, quando as coisas nos batem à porta, nos vermos entalados!

 
Às 01 julho, 2009 13:39 , Blogger antonio ganhão disse...

Esperemos que os pais não fiquem sobressaltados com a escolha da filho!

 
Às 01 julho, 2009 14:18 , Blogger Peter disse...

ANT

Há um filme já antigo: "Adivinhem quem vem para jantar".

Espero que o Mário não se pareça com o da foto. Sou mais convencional no vestir e nos penteados.

Teoricamente, tudo bem, o pior é qd nos batem à porta. Não sei como reagiria, mas talvez preferisse ter um genro negro, do que ter aquele que tenho.

 
Às 01 julho, 2009 19:51 , Blogger vbm disse...

«mas talvez preferisse ter um genro negro,
do que ter aquele que tenho»
________________________________________

Lol.

O que muita gente ignora, em matéria de direito civil, é que um genro é sempre genro, mesmo depois de se divorciar da filha; e o novo marido, fica também genro para a vida!

Num divórcio, a unica relação familiar que cessa é a dos cônjugues, marido/mulher; todas as restantes relações se mantêm intocadas e intocáveis: genro, nora, cunhado, cunhada; tio; tia, etc.

 
Às 01 julho, 2009 20:56 , Blogger SILÊNCIO CULPADO disse...

Peter

É lindo este post. Um post autêntico de afectos e projecções onde a calma dos dias é por vezes ameaçada por uma visão diferente. E tudo isto porque quando se trata de nós, e sobretudo dos nossos rebentos, caem por terra muitos ideais que nos pareciam seguros. Ao ler-te lembrei-me dum livro da Pearl Buck, o Preconceito Racial em que duas gerações de lutas pela igualdade racial não foram suficientes para aceitarem um indiano para a sua filha.

Mas vais gostar deste teu genro exactamente por esse déficit que ficaste de princípio. E porque és o Peter.


Abraço

 
Às 01 julho, 2009 21:08 , Blogger Manuel Veiga disse...

pois.pois...

o que te "doi" é que a tua filha te "fuja"... lol

tens que reler Freud. rss

abraço

 
Às 01 julho, 2009 23:08 , Blogger Peter disse...

vbm

Eu ignorava. Estou sempre a aprender.

Foi um desabafo de carácter pessoal. As pessoas vão enchendo, enchendo, até que rebentam.

 
Às 01 julho, 2009 23:21 , Blogger Peter disse...

SILÊNCIO CULPADO

O texto não é meu, é do ANT. Como o blog é colectivo, as 4ªsF são dele, quer escreva quer não escreva, mas concordo contigo, é um belo texto.

Já sabia que tinhas voltado depois de umas merecidas férias, pois já passara pelo teu blogue.
Não deixei comentário, é verdade, estava à espera que houvesse mais, pois às vezes gosto de passar despercebido.

Sê bem-vinda!

 
Às 02 julho, 2009 13:51 , Blogger Marta Vinhais disse...

Engraçado, mas também me lembrei do filme que o Peter menciona...
As pessoas falam, mas no fundo estão mal preparadas para assumir o que sempre defenderam.
Um texto brilhante, Ant.
Parabéns.
Beijos e abraços
Marta

 
Às 06 julho, 2009 02:14 , Blogger UFO disse...

cada pessoa é diferente e vale por si.
as generalizações são irracionais quando nos impedem de formular juízos concretos sobre cada uma das pessoas envolvidas.
sejamos racionais e pensemos sempre baseados em factos.

quando tive motivo para ser racista, e tive aos olhos de muitos, não o fui, e dou graças porque agora a minha linda mulherzinha está abespinhada porque ainda estou por aqui, a estas desoras, em vez de me ir deitar ao lado da minha linda mulherzinha mulatinha.
fiquem bem.

 

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