A Justiça dos pobres
Agostinho O. morreu em 2008 sem ver o fim de um processo que moveu contra o Estado por violação do direito à Justiça em prazo razoável. A decisão chegou este mês e dá-lhe razão, 26 anos depois do primeiro contacto com a máquina judicial.
Em 1980, fora vítima de atropelamento na rua onde morava, em Lisboa, esteve em coma e, menos de um ano depois, foi forçado a aposentar-se, devido às graves mazelas com que ficou. Tinha então 49 anos, trabalhava como carpinteiro e era o sustento da mulher e da filha.
Três anos depois, já reformado, decidiu avançar com um processo cível contra o responsável pelo atropelamento e a companhia seguradora do veículo. Durante quatro longos anos, Agostinho resignou-se a esperar. Tentou, junto do tribunal, obter respostas que nunca chegavam e insistiu, por diversas vezes, pedindo formalmente celeridade para o caso.
Por volta de 1987, para seu desespero, foi informado de que o processo tinha "desaparecido". Os papéis do caso só voltaram a aparecer 10 anos depois, em Maio de 1997, "num armário da ex-Câmara de Falências", e também não lhe foi dada "qualquer justificação" para o sucedido, como refere a decisão do STA. Precisamente 20 anos e 108 dias depois, em 2003, esta primeira fase do tormento terminava. Farto de esperar, Agostinho chegou a acordo com a seguradora, que lhe pagou a quantia, pouco mais do que simbólica, de 3 491,59 euros.
Mas o seu calvário pelo labirinto dos tribunais estava longe de acabar. Revoltado, decidiu pedir contas ao Estado pela demora e deu entrada com uma acção no Tribunal Administrativo. O acórdão do STA que põe fim ao caso foi tornado público seis anos depois, no dia 9 deste mês, depois de um anterior recurso que já havia ilibado o Estado. O Supremo fixou em dez mil euros mais juros a indemnização que o Estado deverá pagar por danos não patrimoniais, referentes a atrasos na administração da Justiça. Os juízes consideraram que os 20 anos de espera para ver designado o julgamento em primeira instância causaram à vítima "angústia e ansiedade". Demasiado tarde para Agostinho. Morreu em Outubro do ano passado.
Apesar do tempo que já decorreu desde a morte de Agostinho (nove meses), o acórdão do STA ignora este facto. O texto reconhecer que, "na verdade, o anormal atraso do processo perturbou, preocupou ou afligiu o autor", mas os juízes não se coíbem de afirmar que todas estas consequências estão "aquém dos graves danos psicológicos e psíquicos de que ele [Agostinho], com manifesto exagero, presentemente se queixa".
Este caso foi publicado no Jornal de Notícias de 27 JUL 09, em artigo assinado por Susana Otão.
Entretanto o processo “Casa Pia” prossegue sem fim à vista…
3 Comentários:
Ouvi o João Gobern na ANTENA 1 a abordar este tema.
Chamou-lhe surreal e eu também.
E, como dizes, é esta a Justiça dos Pobres.
Não ouvi o João Gobern, que não sei quem é.
Limito-ne a ouvir os noticiários, fazendo zip. Vejo na Net a imprensa diária, de onde colho estas notícias e vou tentanto a ímpossível tarefa de pôr a leitura em dia.
E o processo Casa Pia continua...
Infelizmente o surreal é cada vez mais frequente na nossa justiça...
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