segunda-feira, outubro 24

Pré-destinos

"O pensamento mais fugaz obedece a um desenho do Mundo", afirma Jorge Luis Borges em "O Aleph".

Parece um fatalismo! Talvez seja e então teremos de acreditar em pré-destinos.

Não admira então que os predestinados sejam sempre os mesmos. Portugal vive de memórias, de mitos e de passados mais ou menos gloriosos, esquecendo olimpicamente o presente e hipotecando alegremente o futuro.

Da tenebrosa figura do défice emerge uma única verdade: a da submissão. Mas a submissão humilhante, escabrosa, onde a figura de um povo curvado aos desmandos de um governo cego, surdo e mudo, alheio à carga pesada de roubos a que teimam em chamar impostos.

A incompreensão dos políticos de que uma carga fiscal mais consentânea e mais leve seria a única forma de combater a fraude e evasão fiscais, demonstra uma de duas coisas: ou o fazem por manifesta má fé, ou então o desconhecimento do que é a vida de um qualquer pacato cidadão que trabalha, produz e não tem vida própria, da qual foi obrigado a prescindir por um estado ladrão, passa-lhes ao lado.

A ser verdadeira a primeira hipótese é tempo de usarmos o nosso direito à indignação. Recusarmo-nos a pagar os impostos numa clara atitude de desobediência civil pacífica é uma das muitas possibilidades que temos à nossa disposição.
Votar em branco é quase um imperativo Nacional. Ficarão a saber que não abdicamos do nosso direito, mas ao mesmo tempo não legitimamos autoridade alguma para que nos representem. Sem legitimidade todo o sistema político terá de ser revisto e adaptado a uma maior participação do cidadão na vida da comunidade em que está inserido.
É tempo de obrigarmos aqueles a quem elegemos a criarem mecanismos de controle dos seus sumptuosos gastos.

"O sentido do mundo emerge fora do Mundo. No Mundo, tudo é como é e acontece como acontece".
Ludwig Wittgnenstein, in "Tractatus Logico-Philosophicus."

De novo a inevitabilidade; de novo no campo da transcendência e do esotérico. Como se tudo escapasse às nossas vontades. Seremos então meras máquinas que não têm a capacidade de pensar e inverter este estigma que parece perseguir-nos?
Acredito na nossa capacidade de livre-arbitrio. Acredito na nossa capacidade de explosão, de inversão deste quotidiano marástico, penoso e vil.

Cesariny desencadeou uma ruptura em relação à ortodoxia figurativa estabelecida por Breton.
Os condicionalismos próprios de cada povo e do português em particular - sublinhado o caso português apenas porque somos portugueses - e o movimento próprio no seio do surrealismo internacional, fazem da nossa abstracção um caso único no mundo e no seio deste movimento aparentemente imparável de submissão e alheamento que nos conduz inexoravelmente ao caos.

Tal como na obra de Mário Cesariny, também na vida dos portugueses persistem a figura, a abjecção e o lirismo; se na obra do artista tudo isto pode ser bom e enriquecer o trabalho, na vida de cada um de nós, a (as) figura (s), a abjecção e o lirismo, mais não são do que o rosto da submissão.

Atravessando as sucessivas etapas do povo português, verificamos que por sobre o magma das matérias
e texturas, da estridência das cores e/ou da sua ausência, se instalaram o lirismo como estado de alma, afirmando dessa forma uma saída múltipla, objectivada pelos modelos de individualidade - que perdemos - ou fragmentações de imposições sem interrogações existenciais, sociais, ou outras.

Somos, em suma um povo acrítico, amorfo, incapaz de responder aos "espertos" que vamos elegendo alegremente sem nos questionarmos se nos servem, ou se se servem.

Aposto mais na última das hipóteses.

Ainda há bem poucos dias aquando de uma inauguração de um troço da A25 me foi dado ver os carros topo de gama, a ostentação de uma tenda com ar condicionado, o "farnel" para suas senhorias.
Quanto custa à carteira de cada um de nós, tais sinais evidentes de que por cá nem todos vão mal?!

12 Comentários:

Às 24 outubro, 2005 17:43 , Anonymous Anónimo disse...

Este texto está excelente, infelizmente e pelo que vou vendo, são poucos os que como tu, acreditam, que lutam por um sonho e que tentam remar contra a maré! a maioria fala, explode no momento mas depois acomoda-se porque é mais fácil e dá menos trabalho...
Enquanto não se mudarem mentalidades, temo que Portugal andará sempre à volta do mesmo, infelizmente.

 
Às 24 outubro, 2005 19:03 , Blogger Peter disse...

Maria Taveira, lembras-te de um "cartoon" que aí está, intitulado: "o típico retrato do eleitor português"?

O texto do Zé é excelente e estou convencido que tem tido muitos leitores. Estou atento ao contador do número de visitantes e nem todos comentam.

Ontem, na RTP1, o comentador Marcello referiu o imposto camuflado que está "escondido" no OGE e que implica que umas centenas de milhares de reformados, passem a pagar impostos. Serão indivíduos reformados, pertencentes à classe media.

Concordo em que há que atender em primeira prioridade aos mais carenciados. Isso é indiscutível.
Mas o que irá acontecer é que a classe penalizada e cujo poder económico não é alto, passará a cortar nos gastos, o que implica obviamente menor desenvolvimento económico.

Quando da Grande Depressão dos anos 20 do sec passado, uma das medidas tomadas pelo presidente Roosevelt nos EUA, na sua política de New Deal, foi aumentar o emprego à custa de menores salários e menor tempo de trabalho. É óbvio que se tivermos 2 trabalhadores, um a ganhar a 100% e a trabalhar a "full time" e o outro desempregado, só o primeiro é que pode comprar bens de consumo. Se ambos ganharem 50% e trabalharem cada um "half time", temos duas pessoas com poder económico, menor, é certo, mas intervindo activamente na economia.

 
Às 24 outubro, 2005 19:38 , Anonymous Anónimo disse...

Peter, estamos a falar dos EUA, que embora muitos critiquem, foram extremamente sábios no desenvolvimento da sua economia. Por cá, pelos vistos, o Governo prefere pagar subsídios de desemprego... eu é q não vejo meio de receber o meu...

 
Às 24 outubro, 2005 22:10 , Blogger Peter disse...

letrasaoacaso,fui eu que falei na política do New Deal, durante a crise dos anos 20.

 
Às 24 outubro, 2005 22:10 , Blogger Su disse...

"Somos, em suma um povo acrítico, amorfo, incapaz de responder aos "espertos" que vamos elegendo alegremente sem nos questionarmos se nos servem, ou se se servem."

...somos.
...infelizemente fomos e somos.

jocas maradas

 
Às 24 outubro, 2005 22:31 , Blogger Peter disse...

A... estive lendo o Vinicius no teu blog, mas este não aceita coments.

 
Às 24 outubro, 2005 22:49 , Blogger Fragmentos Betty Martins disse...

O que é que é que os portugueses esperam? Enquanto isso – o que vêm acontecer neste nosso pais à três décadas? Nomeiam uns tantos ministros (ninguém sabe ao certo de onde vêm) nomeados para cargos que também não se sabe ao certo qual é o “trabalho” dos senhores, cujos salários são de somas milionárias; nas instituições públicas passam-se verdadeiras aberrações em que os funcionários têm ordenados e regalias, comparativamente aos países ricos são substancialmente superiores; vêem o caso da Caixa Geral de Depósitos, que nem sequer se fala do caso! Vêem empresários a assumirem posições de monopólio, ou quase monopólio, em áreas relevantes; sendo eles dirigentes políticos. Pessoas com responsabilidade assumir que há corrupção em Portugal, sem que a Procuradoria-Geral da República os questione; vêem manchetes de jornais e aberturas de telejornais levantando dúvidas e suspeitas, sobre actos e atitudes de certos indivíduos e passada a agitação jornalística tudo continuar como se nada tivesse ocorrido; vêem políticos sobre investigação criminal, alguns até que estiveram detidos, falar na televisão lançando ameaças a torto e a direito e a candidatarem-se a cargos públicos, como se nada de anormal existisse; vêem o país a arder e um sem número de justificações esfarrapadas a serem debitadas; e vêem, por último, os dirigentes que escolheram, seja o Presidente da República, seja o primeiro - ministro a dizerem vacuidade, sem força nem coragem para darem um murro na mesa e dizerem BASTA!

Qualquer dia em Portugal não existe classe media, somente – muito ricos – e muito pobres, como nos países do terceiro mundo.

Quando ouço comentários na rua falando do Salazar com um certo saudosismo, eu já não estranho e penso que muita gente já não estranha também.
Será que o sistema se tornou assim no maior inimigo do regime democrático e a 3ª Republica nada mais tem para dar aos portugueses a não ser; apertos de cinto - incertezas, incertezas e mais incertezas?

"A lógica não é uma doutrina, é um espelho cuja imagem é o mundo. A Lógica é
transcendental"

(Kant)

Beijinhos

 
Às 24 outubro, 2005 23:01 , Blogger Peter disse...

Betty,escreves:

"Qualquer dia em Portugal não existe classe media, somente – muito ricos – e muito pobres, como nos países do terceiro mundo."

- Já não existe classe media. Cada vez há mais pobres (1 em cada 5 portugueses) e muito ricos.
- è insultuosa e "obscena" a ostentação de todas aquelas "socialites" das chamadas "revistas cor de rosa".
- somos já um país do terceiro mundo.

 
Às 24 outubro, 2005 23:01 , Blogger Peter disse...

Betty,escreves:

"Qualquer dia em Portugal não existe classe media, somente – muito ricos – e muito pobres, como nos países do terceiro mundo."

- Já não existe classe media. Cada vez há mais pobres (1 em cada 5 portugueses) e muito ricos.
- è insultuosa e "obscena" a ostentação de todas aquelas "socialites" das chamadas "revistas cor de rosa".
- somos já um país do terceiro mundo.

 
Às 24 outubro, 2005 23:03 , Blogger Peter disse...

Tenho andado a visitar blogs de gente amiga, mas os comentários do SAPO não funcionam.
O costume ...

 
Às 24 outubro, 2005 23:21 , Anonymous Anónimo disse...

Letras: 1)tu sabes o meu nome, escusas de me tratar por A. Lazaro; aliás, tanta informalidade nem parece coisa tua. 2)o exemplo não foi dado por mim, mas o que disseram e o que eu disse não deixa de se um facto; economia e benefícios sociais são coisas dferentes.

Peter: é o costume... mas agradeço a visita.

 
Às 25 outubro, 2005 15:56 , Blogger Peter disse...

bluegift, claro que é a 2ª hipótese.

Nã há pachorra, raios!

 

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