quinta-feira, outubro 20

Ensaio sobre o sorriso.

[Da noite os resquicios a negro rasgados aqui e ali por imperceptíveis rasgos de luz (ainda tímida) numa antevisão apoteótica do Astro-Rei que se adivinha na linha divisória de um horizonte onde tudo começa. A vida são raiares de sóis, calores e seivas que correm entre os nus das árvores agora despudoradamente despidas]

(...) a voz treinada, projectada tecnicamente, sem emoções vai repetindo em tom monocórdico as desgraças de um início de dia.
(Um ataque suicida no Iraque provocou a morte de mais 38 pessoas; o acto é atribuido a membros da Al Qaeda que em desespero de causa tentam a todo o custo evitar as eleições que conduzirão o País martirizado ao seio da comunidade internacional e democrática) e continua no mesmo tom impessoal a enumerar uma série de cataclismos e previsões apocaliptícas numa clara demonstração do que não deve ser informação. Quais abutres, retirarão toda a carne, explorando a desgraça alheia em prol de estranhos conceitos de audiências.
(...) o saldo da operação "condor" é de 15 mortos e muitos feridos. A BT registou ainda muitos condutores com alta taxa de alcoolemia que foram presentes a tribunal. (...) Sem mudar de tom vai tecendo a lenga-lenga de suplicios a que a humanida é sujeita diariamente por um sistema que é o crime perfeito, ignorando olimpicamente os milhões ce coisas boas que a todo o instante acontecem.
[O medo como forma de reinar fazendo-nos acreditar que precisamos de protecções que são afinal a única razão de todos os cataclismos]

A afirmação pelo terror é o reconhecer da incapacidade do diálogo; mas é ainda mais do qie isso: é a incapacidade de fazer valer pontos de vista que primam pela ausência de lógica, razão e humanismo. Pergunta-se: quem são afinal os terroristas?!

No tecer estas considerações que apoquentam mente e alma, adivinha-se leito estreito e corpo espantosamente belo que expira desejos respirando emoções que potenciam sentires.

[A pequena folha de cor indefinida ela mesma já um arremedo de vida voluteia no ar arrastada por um vento seco frio e cortante. Em breve será nutriente e vida renovada. Tímidos pontículos esverdeados despontam aqui e ali deixando antever uma Primavera que se aproxima e a renovação de toda a existência que é sempre um novo ano quase, quase a chegar. Observá-la é ver o interminável fechar/recomeçar do ciclo sem fim]

A voz estereotipada continua o seu desfiar de desgraças. Perdeu-se algures num espaço de mal incapaz de observar o belo do raiar de mais um dia que arranca o sorriso. "(...) forte tiroteio ouvido no centro da capital (...)...
O desligar o receptor impõe-se. Não para ignorar o que vai também fazndo a trágica história humana, mas para valorizar a imensa capacidade de esta se dar, multiplicando-se um actos solidários que em última instância são actos de amos pleno, desinteressado, sem que se espere nada em troca do acto de se dar. Essa é a verdadeira essência do homem que se vai diluindo em parangonas de catástrofes provocadas por poucos em detrimento do colectivo. Um dia porém todas as mãos de todos os deserdados juntar-se-ão clamando justiça, paz e fazendo cumprir a única missão realmente válida: o amor como imperativo e como força regeneradora. A única força regeneradora.

Ouvir-te voz é o confirmar de que amor existe.

[Leste-me?! - O que achaste? -] ao que te vou respondendo que gosto dos teus silêncios que transportam com eles a imensa capacidade do sonho.

[Viver na utopia] e o saberes-me fonte dela garante que o sonho jamais deixará de ser perseguido.
[Arranjarei sempre sonhos novos para subsituir os já cumpridos]

O afastar da roupa da cama que não se vê e o adivinhar das longas pernas bem desenhadas terminando num vórtice em jeito de triângulo onde muito do amor se deposita e o acto preguiçoso de levantar, a languidez de um corpo a erguer-se de seios pujantes, cabelos revoltos, nu de roupas e preconceitos batido pelos primeiros raios solares dando-lhe tonalidades auríferas e lábios rubros e molhados [deliciosamente provocantes] culminam no arrancar do sorriso que iniciará um dia pleno.

Algures engolidos pelo frenesim da urbe, saberemos sempre que somos únicos, que a não-absorção é possível, porque o sorriso contagiou todo um ser que se sabe um pequeno mundo complexo.

[Quarta-feira. Sabes o que significa quarta-feira?]

Todos os dias serão quartas-feiras...

8 Comentários:

Às 20 outubro, 2005 22:39 , Blogger Su disse...

como sempre amei ler-te....
afinal quem são os terroristas?
o amor existe, a utopia também e acabei de ler-te...hoje quinta feira...mas fiquei sabendo que as quartas feiras são os dias perfeitos para o sorriso

jocas maradas

 
Às 20 outubro, 2005 22:55 , Blogger vero disse...

Letras ao acaso, ando por aí, um pouco perdida... mas vou-me encontrar...
Beijinhos***

 
Às 21 outubro, 2005 01:15 , Blogger Peter disse...

su, perguntas bem:
"afinal quem são os terroristas?"

Do ponto de vista de um Governo, serão os que lutam contra a Ordem estabelecida. Fazem-no com os meios de que dispõem, procurando chamar a atenção do Mundo para a causa que defendem, através de atentados que causem o maior número de vítimas possível.

Do ponto de vista dos "terroristas", esse epíteto assenta no Governo, que não se inibe de causar o máximo de destruições e mortes possíveis, usando para o efeito toda uma panóplia de armamento altamente sofisticado, para impedir que aqueles alcancem os seus objectivos políticos. Sim, porque, como sabemos: "tudo é política".

Em conclusão:
"quem se lixa é o mexilhão".

Mas vamos deitar-nos guardando na mente as maravilhosas palavras com que o Zé descreve o seu despertar ...

 
Às 21 outubro, 2005 02:47 , Anonymous Anónimo disse...

zeca pagodinho...delícia

 
Às 21 outubro, 2005 14:52 , Anonymous Anónimo disse...

Se todos os dias são quarta-feira, que importa que eu esteja aqui numa sexta, o que importa é que seu belo texto me tocou.

 
Às 21 outubro, 2005 22:50 , Blogger Su disse...

peter
gostei, tudo é politica mesmo, assim sendo,eu estou lixada....
jocas maradas e hoje é sexta feira

 
Às 22 outubro, 2005 01:32 , Blogger Peter disse...

su, que se lixe, não vamos deixar de fazer a nossa vida e felizmente que hoje é 6ª F !

 
Às 22 outubro, 2005 02:29 , Blogger Amita disse...

Olá Zé. Um magnífico texto já lido que é sempre agradável reler. Na minha terra a Quarta-Feira era dia de feira e adorava lá ir sentir a vida (saudades do meu tempo de menininha). Um bjo e um doce sorriso

 

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