quarta-feira, julho 13

Reminiscências

No leitor de cd´s, Beatles. Uma velha colectânea com alguns dos seus – muitos – êxitos.

O que me transporta para uma geração generosa, idealista, em certa medida utópica. Mas sempre uma geração com causas.

As razões insondáveis do Tempo e forças ocultas habituadas a um status quo pré-programado, mataram quase tudo o que havia de bom na vontade de mudança.
Hoje a maior parte dessa gente generosa e utópica, que em lugar de Deuses propunha profundas alterações na forma de encarar o mundo, amor entre os seres humanos em lugar de subserviência, que colocava a flor à lapela em vez de símbolos religiosos ou outros, é uma geração amargurada, quase anti-social.
Da revolução pacífica que sonharam, resta uma sociedade ainda mais decadente do que a encontraram, enquanto a Paz que desejaram se transformou em guerras sucessivas e localizadas, a avidez do lucro, substituiu a ideia de partilha.

Portugal não passou ao lado desta verdadeira fé. Em plena época de sessenta, estudantes desafiaram o poder instituído, os jovens começaram a ter consciência de uma guerra que se travava nas antigas colónias, injusta. Incapazes de reconhecerem as razões que leva um homem a apontar e a disparar uma arma contra um semelhante, alguns – muitos – optaram pela fuga para outros países também eles com profundas convulsões sociais, mas ainda assim onde se respiravam arremedos de democracia.

“Let it be” faz-se ouvir em acordes harmoniosos. Sonhos de uma geração plena da vontade de executar a dádiva. Surpreende-me hoje a simplicidade dos sons. Nada elaborados, quase primitivos, prenhes no entanto de uma rara beleza que só as coisas simples possuem.

Dizimada pela crueldade de uma guerra de interesses obscuros, uma grande parte da geração de sessenta portuguesa, perdeu-se algures entre o sangue vertido ingloriamente, drogas e desapontamentos. Os que sobraram constituem uma franja significativa de gente inadaptada, em que não mora a derrota, mas o desapontamento.

Do sonho de Gedeão, às baladas tristes de Zeca, passando pela poesia de Alegre, interventiva, possante e bela, à épica de Fausto, à clarividência de Adriano, restam hoje apenas resquícios memoriais, registados em folhas de papel, ou em velhos discos de vinil.

Abril foi o renascer de todos esses sonhos.

Deles restam “o sonho comanda a vida”, ou “venham mais cinco”.
Tudo o resto se esfumou na neblina de tempos e vontades.

Ontem como agora, espera-se outra geração generosa. Capaz do acto supremo da dádiva.

E porque “cada vez que um homem sonha, o mundo pula e avança”, também eu quero acreditar que os jovens com a generosidade que os caracteriza serão capazes de se juntar – ainda que com outros sonhos – aquela geração que desafiou preconceitos, derrubou verdades “absolutas” e deixou todo um manancial de esperança que não se esgotou em sessenta, nem num Abril já longínquo quiçá toldado por gentes que preferiam Março e os anos de obscurantismo.

“Eles não sabem que o sonho, é uma constante da vida…”

3 Comentários:

Às 13 julho, 2005 11:16 , Anonymous Anónimo disse...

É um texto que me diz muito e que muito tem a ver comigo,porque o vivi intensamente.Peter

 
Às 13 julho, 2005 11:26 , Anonymous Anónimo disse...

zé.... acreditar na realização dos sonhos.... ir em busca deles... assim deve ser... beijo... gi

 
Às 13 julho, 2005 15:28 , Blogger Ana disse...

As tuas reminiscências são as de muitos de nós.
A utopia de que o mundo pudesse mudar, de que a Paz fosse mais do que um sonho,de que a partilha se tornasse efectiva, parece-nos hoje, um ideal longínquo, mas em que ainda vale a pena acreditar.
E , como tu, espero a nova geração, aquela que vai voltar a mostrar que " o sonho comanda a vida".
Um beijo pra ti, Zé.

 

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