quarta-feira, julho 6

Elegia das Águas Negras para Che Guevara



Atado ao silêncio, o coração ainda
pesado de amor, jazes de perfil,
escutando, por assim dizer, as águas
negras da nossa aflição.

Pálidas vozes em prado procuram
O potro mais livre, a palmeira
mais alta sobre o lago, o barco talvez
Ou o mel entornado da nossa alegria.

Olhos apertados pelo medo
aguardam na noite o sol do meio-dia,
a face viva do sol onde cresces,
onde te confundes com os ramos
de sangue do verão ou o rumor
dos pés brancos da chuva nas areias.

A palavra, como tu dizias, chega
húmida dos bosques: temos que semeá-la;
chega húmida da terra: temos que defendê-la;
chega com as andorinhas
que a beberam sílaba a sílaba na tua boca.

Cada palavra tua é um homem de pé;
cada palavra tua
faz do orvalho uma faca,
faz do ódio um vinho inocente
para bebermos contigo
no coração em redor do fogo.

( Eugénio de Andrade, em "Poemas a Guevara" - selecção e tradução de Egito Gonçalves - colecção "Os Olhos e a Memória" - Editora Limiar - 1975)

Nota:

Curiosamente, nos poemas publicados em homenagem a Eugénio de Andrade, quando da sua morte, não encontrei este poema.

3 Comentários:

Às 06 julho, 2005 12:53 , Blogger Peter disse...

Este é um homem doente, oriundo duma família social e economicamente bem situada, que tudo abandonou atrás dum sonho, acabando por ser traído (?) pelos seus camaradas, cuja presença na ilha se estava a revelar incómoda. Um D.Quixote dos tempos modernos, que teve um fim trágico.///Resolvi publicar este artigo por me sentir revoltado contra tudo e contra todos. Não, não é só no Pais, é contra os Homens. Mentiras, negócios escuros, auxílios a populações famintas que vão parar aos bolsos dos governantes... É um nunca acabar. Enchia a página inteira.

 
Às 07 julho, 2005 00:44 , Blogger BlueShell disse...

"Cada palavra tua é um homem de pé;"
Sempre foi esta a imagem que eu guardei de Che e da Luta que travou.

Beijo, Peter!
BShell

 
Às 07 julho, 2005 14:58 , Blogger Peter disse...

"Letras", talvez ainda continue a sê-lo, mas no mundo que vivemos as preocupações e ambições são outras, e as personagens carismáticas, capazes de arrastar multidões, não se vislumbram. Ou, infelizmente, não as vislumbramos no mundo ocidental. Vê o que sucedeu em Londres, de onde continuo sem notícias de um filho meu.

 

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