segunda-feira, novembro 10

Círculo


Aqui há tempos, li algures numa entrevista a uma personalidade feminina, de que já não me lembro o nome, que o livro preferido dela era “O livro do riso e do esquecimento”, de Milan Kundera.
Actualmente uma polémica afecta o escritor e já motivou uma carta aberta de quatro prémios Nobel da Literatura (Garcia Márquez, Coetzee, Nadime Gordimer e Orhan Pamuk), contando ainda com o apoio de Salman Rushdie, Carlos Fuentes e Philip Roth. O caso remonta a 1950, altura em que Milan Kundera, então com 21 anos, teria denunciado às autoridades comunistas de ocupação, um jovem piloto dissidente, Miroslav Dvoraceck.

“Não é por acaso que os planetas se movem em círculo*, e que a pedra que salta se afasta inexoravelmente, levada pela força centrífuga. Semelhante ao meteorito arrancado a um planeta, saí do círculo, e, ainda hoje, não paro de cair. Há pessoas que conseguem morrer em órbita e outras que se esmagam no fim da queda. E outras (às quais pertenço) conservam sempre em si como que uma tímida nostalgia da dança em roda perdida, porque somos todos habitantes de um universo em que todas as coisas giram em círculo.”

Curioso. Para mim e deste autor, também é o preferido. Talvez porque aborde a “magia do círculo” numa perspectiva cosmológica e política:
“um dia disse qualquer coisa que não devia ter dito, fui expulso do partido e tive de sair da roda.”
Kundera foi realmente expulso do PC em 1950, quando as autoridades checas interceptaram uma carta que lhe era destinada, na qual um seu amigo criticava um alto dirigente do Regime. Viria a ser readmitido em 1956.
Foi então que compreendi o significado mágico do círculo.
Quando nos afastamos da fila, ainda nos é possível voltar. A fila é uma formação aberta. Mas o círculo fecha-se e quando se sai é sem regresso”.

Foi no tempo da “Primavera de Praga”, quando os checos riam e dançavam festejando a sua rebelião contra o comunismo soviético. Foi com emoção que fotografei a varanda de onde discursava Dubcek.
Éluard, o filho querido de Praga, cantava ali na Praça Wenceslas, onde os dissidentes se reuniam até à invasão pelos tanks soviéticos:
“O amor trabalha, é infatigável”

E alguém a quem eu emprestara o livro escreveu por baixo a lápis, na sua letra pequena e elegante de poetisa, algo que eu nunca mais apaguei:
“Quem não ama, pára, envelhece e morre”.

Talvez venha daí a minha preferência pela obra … ou porque a uma situação de denso significado político se sucedem por vezes cenas de um estranho erotismo:
Jan quase invejava Ewige, que ia e vinha na sua nudez e que era até “muito mais natural nua do que vestida, como se ao abandonar a roupa abandonasse ao mesmo tempo a sua condição de mulher, para passar a “ser humana” apenas, sem sexualização. Como se o sexo estivesse na roupa e a nudez fosse um traço de neutralidade sexual.”
* elipses

6 Comentários:

Às 10 novembro, 2008 09:20 , Blogger tagarelas disse...

Tambem gosto muito de Milan Kundera, e embora tenha gostado do "Livro do Riso e do Esquecimento". O meu eleito e'sem duvida " a insustentavel leveza do ser".
Nao tinha conhecimento da polemica de que fala. Mas, nao a percebo. Em que pode uma decisao tomada aos 21 anos, numa altura historica controversa, diminuir a grandeza de um escritor, que nos seus livros. demonstra um conhecimento profundo a tocar o filosofico, da natureza humana?

 
Às 10 novembro, 2008 10:05 , Blogger Peter disse...

Meu caro

Os checos, que sofreram a ocupação soviética e o esmagar pelos tanks soviéticos em 1968 da sua "Primavera de Praga" , sâo muito sensíveis a estas coisas.
O caso remonta a 1950, mas foi "ressuscitado" em 12 de Outubro, pela influente revista checa de informação política: "Respect", em artigo assinado pelo historiador Adam Hradilek e deu origem a atritos diplomáticos entre a França e a República Checa.
Não esqueçamos que Kundera embora checo, é naturalizado francês.

Que tenha uma boa semana.

 
Às 10 novembro, 2008 12:28 , Anonymous Anónimo disse...

Hesito entre "A Insustentável Leveza do Ser" e "O Livro do Riso e do Esquecimento" quanto a Kundera.
Um autor que merece ser lido com atenção.
Isto na minha humilde opinião que vejo aqui partilhada.

Quanto à polémica, tive conhecimento da mesma e concordo quando o amigo PETER afirma que os checos são extremamente sensíveis a estas questões de delação, mas, à semelhança ali da TAGARELAS-MIAMENDES não percebo porque é que nalguns casos se parece querer exigir que alguns tenham comportamentos imaculados e, não os tendo, tenham de arrostar toda a vida com essa cruz.

 
Às 10 novembro, 2008 13:34 , Blogger Peter disse...

Ferreira-Pinto

Julguei que "tagarelas-miamendes" fosse um homem. LOL

PIDE, LP, MP ...

Boa semana

 
Às 10 novembro, 2008 19:05 , Blogger Tiago R Cardoso disse...

passei ao lado da polémica, pareceu-me coisa de invejas, prefiro obra.

 
Às 11 novembro, 2008 09:40 , Blogger Peter disse...

Tiago

Dou mais valor a um desconhecido da Resistência checa, que a um bom escritor.

 

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