sexta-feira, novembro 14

O professor

Recebi por e-mail este texto de Prado Coelho, que alguns conhecerão. Não resisto, embora seja extenso.
Paz à sua alma, embora eu ache que ele se deve andar a mexer...


Eduardo Prado Coelho, antes de falecer (25/08/2007), teve a lucidez de nos deixar esta reflexão, sobre nós todos, por isso façam uma leitura atenta.

Precisa-se de matéria prima para construir um País
Eduardo Prado Coelho - no Público

A crença geral anterior era de que Santana Lopes não servia, bem como Cavaco, Durão e Guterres. Agora dizemos que Sócrates não serve.
E o que vier depois de Sócrates também não servirá para nada.
Por isso começo a suspeitar que o problema não está no trapalhão que foi Santana Lopes ou na farsa que é o Sócrates.
O problema está em nós.
Nós como povo.
Nós como matéria prima de um país.

Porque pertenço a um país onde a ESPERTEZA é a moeda sempre valorizada, tanto ou mais do que o euro. Um país onde ficar rico da noite para o dia é uma virtude mais apreciada do que formar uma família baseada em valores e respeito aos demais.

Pertenço a um país onde, lamentavelmente, os jornais jamais poderão ser vendidos como em outros países, isto é, pondo umas caixas nos passeios onde se paga por um só jornal E SE TIRA UM SÓ JORNAL, DEIXANDO-SE OS DEMAIS ONDE ESTÃO.

Pertenço ao país onde as EMPRESAS PRIVADAS são fornecedoras particulares dos seus empregados pouco honestos, que levam para casa, como se fosse correcto, folhas de papel, lápis, canetas, clips e tudo o que possa ser útil para os trabalhos de escola dos filhos ....e para eles mesmos.

Pertenço a um país onde as pessoas se sentem espertas porque conseguiram comprar um descodificador falso da TV Cabo, onde se frauda a declaração de IRS para não pagar ou pagar menos impostos.

Pertenço a um país:
- Onde a falta de pontualidade é um hábito;

- Onde os directores das empresas não valorizam o capital humano.

- Onde há pouco interesse pela ecologia, onde as pessoas atiram lixo nas ruas e, depois, reclamam do governo por não limpar os esgotos.

- Onde pessoas se queixam que a luz e a água são serviços caros.

- Onde não existe a cultura pela leitura (onde os nossos jovens dizem que é 'muito chato ter que ler') e não há consciência nem memória política, histórica nem económica.

- Onde os nossos políticos trabalham dois dias por semana para aprovar projectos e leis que só servem para caçar os pobres, arreliar a classe média e beneficiar alguns.
Pertenço a um país onde as cartas de condução e as declarações médicas podem ser 'compradas', sem se fazer qualquer exame.

- Um país onde uma pessoa de idade avançada, ou uma mulher com uma criança nos braços, ou um inválido, fica em pé no autocarro, enquanto a pessoa que está sentada finge que dorme para não lhe dar o lugar.

- Um país no qual a prioridade de passagem é para o carro e não para o peão.

- Um país onde fazemos muitas coisas erradas, mas estamos sempre a criticar os nossos governantes.

Quanto mais analiso os defeitos de Santana Lopes e de Sócrates, melhor me sinto como pessoa, apesar de que ainda ontem corrompi um guarda de trânsito para não ser multado.

Quanto mais digo o quanto o Cavaco é culpado, melhor sou eu como português, apesar de que ainda hoje pela manhã explorei um cliente que confiava em mim, o que me ajudou a pagar algumas dívidas.

Não. Não. Não. Já basta.
Como 'matéria prima' de um país, temos muitas coisas boas, mas falta muito para sermos os homens e as mulheres que o nosso país precisa.

Esses defeitos, essa 'CHICO-ESPERTERTICE PORTUGUESA' congénita, essa desonestidade em pequena escala, que depois cresce e evolui até se converter em casos escandalosos na política, essa falta de qualidade humana, mais do que Santana, Guterres, Cavaco ou Sócrates, é que é real e honestamente má, porque todos eles são portugueses como nós, ELEITOS POR NÓS. Nascidos aqui, não noutra parte...

Fico triste.

Porque, ainda que Sócrates se fosse embora hoje, o próximo que o suceder terá que continuar a trabalhar com a mesma matéria prima defeituosa que, como povo, somos nós mesmos. E não poderá fazer nada...

Não tenho nenhuma garantia de que alguém possa fazer melhor, mas enquanto alguém não sinalizar um caminho destinado a erradicar primeiro os vícios que temos como povo, ninguém servirá.

Nem serviu Santana, nem serviu Guterres, não serviu Cavaco, nem serve Sócrates e nem servirá o que vier.
Qual é a alternativa?
Precisamos de mais um ditador, para que nos faça cumprir a lei com a força e por meio do terror?.

Aqui faz falta outra coisa.
E enquanto essa 'outra coisa' não comece a surgir de baixo para cima, ou de cima para baixo, ou do centro para os lados, ou como queiram, seguiremos igualmente condenados, igualmente estancados....igualmente abusados!

É muito bom ser português. Mas quando essa portugalidade autóctone começa a ser um empecilho às nossas possibilidades de desenvolvimento como Nação, então tudo muda...
Não esperemos acender uma vela a todos os santos, a ver se nos mandam um messias.

Nós temos que mudar. Um novo governante com os mesmos portugueses nada poderá fazer. Está muito claro...

Somos nós que temos que mudar. Sim, creio que isto encaixa muito bem em tudo o que anda a acontecer-nos:

Desculpamos a mediocridade de programas de televisão nefastos e, francamente, somos tolerantes com o fracasso. É a indústria da desculpa e da estupidez.

Agora, depois desta mensagem, francamente, decidi procurar o responsável, não para o castigar, mas para lhe exigir (sim, exigir) que melhore o seu comportamento e que não se faça de mouco, de desentendido.
Sim, decidi procurar o responsável e ESTOU SEGURO DE QUE O ENCONTRAREI QUANDO ME OLHAR NO ESPELHO. AÍ ESTÁ.
NÃO PRECISO PROCURÁ-LO NOUTRO LADO. E você, o que pensa?.... MEDITE!

EDUARDO PRADO COELHO

7 Comentários:

Às 14 novembro, 2008 17:29 , Blogger Peter disse...

O que eu penso? Penso aquilo que escrevi num comentário a outro que alguém "anónimo" fez a um artigo que escrevi sobre um facto verídico:

"Quem lê o texto, sem a mente suja, devia era referir o facto de a "D" se ter sacrificado pelas sobrinhas e isso ninguém refere.
Lamentável!
Às vezes tenho nojo de pertencer a este povo."

P.S. - Já conhecia o texto, mas tal não impede que o lesse novamente com agrado.

Que tal correu o concerto?

 
Às 14 novembro, 2008 17:53 , Blogger tagarelas disse...

Nao podia concordar mais com este texto. Ja varias vezes nestas andancas da blogosfera, afirmei que nos temos os governates que merecemos. E' isso mesmo, nos nao temos que mudar os governantes, eles sao o nosso espelho. Nos somos um povo corrupto. Arranjamos empregos, a' custa das cunhas, acelaramos consultas hospitalares com favores de amigos, licenças camararias com a ajudinha de um funcionario conhecido. E queremos governantes incorruptos! Pois eu acho que os temos que importar! E de a forma que as coisas estao, eu creio que so se os formos buscar a Paises Escandinavios.

 
Às 14 novembro, 2008 19:22 , Blogger Manuel Rocha disse...

Está muito bem sim senhor!
Mas aposto que a maioria dos leitores vai recorrer ao velho truque que se usa qd alguém se "descuida" em público: começa-se logo a olhar para os lados !

;)

 
Às 14 novembro, 2008 19:30 , Anonymous Anónimo disse...

Eu, conforme sabes, tenho persistido em que também nós temos de assumir as nossas culpas e carregar com o nosso fardo; afinal, os tipos que elegemos eleição após eleição vieram do meio do povo e este, convenientemente, vai-lhes acenando e recebendo beijinhos em troca de coisa nenhuma. Às vezes, calha o tal lugarzito, o tal despacho, o emprego para a prima ... enfim ...

E esperança não há?
Eu ainda acho que sim; talvez com uma revolução no espectro partidário alavancado através de movimentos cívicos, mas onde haja a força para impedir que os transfugas e oportunistas do sistema ali poisem ... talvez uma ditadura ... talvez um milagre ...

 
Às 14 novembro, 2008 21:10 , Blogger Compadre Alentejano disse...

Já conhecia o texto, ele é fantástico, mesmo tendo sido escrito numa altura em que o EPC já estava doente.

 
Às 14 novembro, 2008 22:26 , Blogger JOY disse...

Amigo Peter

Depois de lêr este texto é como se levássemos um soco no estomago, é um sério confronto com aquilo que somos como povo , e somos mesmo assim sem dúvidas !!! a mudança acontecerá quando nos reconhecermos no espelho , porque enquanto continuarmos a olhar para o lado como aqui já foi dito ,nada vai mudar. Não conhecia este texto de Eduardo Prado Coelho, mas valeu a pena o ter lido.

Um abraço
Joy

 
Às 15 novembro, 2008 00:28 , Blogger Unknown disse...

Eu é que agradeço a voss visita ao meu blog...Já conhecia este texto e é um tiro certeiro ao centro do nosso egoísmo...mas, ao invés de ter sido objecto de análise, estudo e debate televisivo, apena passou de fugida nos jornais e vai rodando, pontualmente, na blogosfera sem nunca se ter demorado nas massas...

 

Enviar um comentário

Subscrever Enviar feedback [Atom]

<< Página inicial