segunda-feira, novembro 21

Do poeta ao seu povo


Darei ao povo o meu poema.
eu lhe darei a flor e a pedra
cada minuto cada tristeza
e uma azagaia contra a dura sorte
e a minha raiva acesa em cada noite. Eu lhe darei
a flor e a pedra. E a minha vida. E a minha morte.

E o direito do povo me julgar
e o direito do povo me dizer:
tu dormiste de mais. Cantaste pouco amigo.
Há muita coisa que não sabes.
E eu lhe darei meu sono e eu lhe darei meu sonho.
E eu dou ao povo tudo quanto sei.

E nunca sei se tudo quanto dou é tudo.
Porque parei por vezes à beira dum poço
havia raparigas cântaros e seios
e então bebi. Era Setembro e não pensei
que os homens não cantavam lá nas verdes vinhas
da minha pátria onde a vindima é triste.

Porque dormi de mais algumas vezes.
Outras ainda presumi e disse:
vou acordar o povo. Eu sou o poeta.
E não bati a cada porta e não deixei
em cada casa a taça da canção.
Porque não disse ao povo: sou apenas um homem.

Porque menti e dei aos outros
uma alegria feita à pressa uma alegria triste.
Porque não disse os meus defeitos e nem sempre
eu disse ao povo duramente os seus defeitos
que também estão em mim. Porque me orgulho tanto
dos defeitos em mim do povo que não tem os meus.

Porque não disse ao povo: sou apenas um homem
talvez não preste é certo mas é tudo.
E nem sempre fiz tudo para ser mais do que sou..
Porque lhe disse: eis o poema eis o meu sangue.
E pensei que era tanto e pensei que era tudo
quando é tão pouco o sangue dum poeta.

(Manuel Alegre)

6 Comentários:

Às 21 novembro, 2005 01:32 , Anonymous Anónimo disse...

As mãos

Com mãos se faz a paz se faz a guerra.
Com mãos tudo se faz e se desfaz.
Com mãos se faz o poema – e são de terra.
Com mãos se faz a guerra – e são a paz.

Com mãos se rasga o mar. Com mãos se lavra.
Não são de pedras estas casas mas
de mãos. E estão no fruto e na palavra
as mãos que são o canto e são as armas.

E cravam-se no Tempo como farpas
as mãos que vês nas coisas transformadas.
Folhas que vão no vento: verdes harpas.

De mãos é cada flor cada cidade.
Ninguém pode vencer estas espadas:
nas tuas mãos começa a liberdade.

Manuel Alegre, O Canto e as Armas, 1967


boa noite*
Lúcia

 
Às 21 novembro, 2005 04:42 , Blogger Fragmentos Betty Martins disse...

Olá Peter

Não acredito (INFELIZMENTE) que possa suplantar Soares, por razões de sobra conhecidas. Uma vez que o apoio partidário e o que sobra da sua popularidade vão pesar, mas isso não significa que não se possa reconhecer que Alegre, sem voar, tem feito um caminho seguro.

"Onde o humano e o divino se tocassem
Não propriamente a terra do sagrado
Mas uma terra para o homem e para os deuses
Feitos à sua imagem e semelhança
Um lugar de harmonia
Com sua tragédia é certo
Mas onde a luz incita à busca da verdade
E onde o homem não tem outros limites
Senão os da sua própria liberdade"

(Manuel Alegre)

Beijinhos

 
Às 21 novembro, 2005 10:39 , Blogger Peter disse...

lúcia, vamos fazendo propaganda à nossa maneira, né?

Lisboa, em dias de chuva, como hoje, fica impossível. Os carros nascem do chão como cogumelos.

Bj amigo*

 
Às 21 novembro, 2005 10:51 , Blogger Peter disse...

betty, muito belo o texto de Alegre que citas e quanta verdade. Um Dom Quixote ...

Concordo contigo. Até, com tantas "beijoriquices" e tantas jantaradas à borla, não me admirava que MSoares, tendo por si a "máquina" partidària e todo o seu (dele) clã, acabasse por ganhar as eleições.

Bj amigo*

 
Às 21 novembro, 2005 10:58 , Blogger Peter disse...

Bluegift, tb não sei. Mas os filósofos da época eram muito mais que os actuais, eram também cientistas.

 
Às 21 novembro, 2005 12:32 , Blogger Peter disse...

tribunal_beatas, pois ganhará, mas já ficarei satisfeito se ficar à frente de MSoares.

 

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