domingo, julho 24

Poema do Silêncio - José Régio

Hoje, em tons de outro azul...

Sim, foi por mim que gritei.
Declamei,
Atirei frases em volta.
Cego de angústia e de revolta.

Foi em meu nome que fiz,
A carvão, a sangue, a giz,
Sátiras e epigramas nas paredes
Que não vi serem necessárias e vós vedes.

Foi quando compreendi
Que nada me dariam do infinito que pedi,
-Que ergui mais alto o meu grito
E pedi mais infinito!

Eu, o meu eu rico de baixas e grandezas,
Eis a razão das épi trági-cómicas empresas
Que, sem rumo,
Levantei com sarcasmo, sonho, fumo...

O que buscava
Era, como qualquer, ter o que desejava.
Febres de Mais. ânsias de Altura e Abismo,
Tinham raízes banalíssimas de egoísmo.

Que só por me ser vedado
Sair deste meu ser formal e condenado,
Erigi contra os céus o meu imenso Engano
De tentar o ultra-humano, eu que sou tão humano!

Senhor meu Deus em que não creio!
Nu a teus pés, abro o meu seio
Procurei fugir de mim,
Mas sei que sou meu exclusivo fim.

Sofro, assim, pelo que sou,
Sofro por este chão que aos pés se me pegou,
Sofro por não poder fugir.
Sofro por ter prazer em me acusar e me exibir!

Senhor meu Deus em que não creio, porque és minha criação!
(Deus, para mim, sou eu chegado à perfeição...)
Senhor dá-me o poder de estar calado,
Quieto, maniatado, iluminado.

Se os gestos e as palavras que sonhei,
Nunca os usei nem usarei,
Se nada do que levo a efeito vale,
Que eu me não mova! que eu não fale!

Ah! também sei que, trabalhando só por mim,
Era por um de nós. E assim,
Neste meu vão assalto a nem sei que felicidade,
Lutava um homem pela humanidade.

Mas o meu sonho megalómano é maior
Do que a própria imensa dor
De compreender como é egoísta
A minha máxima conquista...

Senhor! que nunca mais meus versos ávidos e impuros
Me rasguem! e meus lábios cerrarão como dois muros,
E o meu Silêncio, como incenso, atingir-te-á,
E sobre mim de novo descerá...

Sim, descerá da tua mão compadecida,
Meu Deus em que não creio! e porá fim à minha vida.
E uma terra sem flor e uma pedra sem nome
Saciarão a minha fome.

4 Comentários:

Às 24 julho, 2005 19:32 , Blogger Peter disse...

Julgo haver aqui uma contradição, quando o poeta escreve:
"Senhor meu Deus em que não creio, porque és minha criação!
(Deus, para mim, sou eu chegado à perfeição...)". Identifica-se com o meu modo de pensar.

Mas termina o poema:
"Sim, descerá da tua mão compadecida,
Meu Deus em que não creio! e porá fim à minha vida."

Qual Deus lhe põe fim à vida?

 
Às 25 julho, 2005 03:38 , Anonymous Anónimo disse...

Entrar no pensamento de um poeta é sempre difícil quase sempre impossível, a escrita é feita de momentos, movida por sentimentos próprios e inigualáveis,, só estando dentro desses momentos sentidos, dentro do poeta é que obtinha-mos a plena compreensão, mas isso é impossível, ao ler todos nós provamos sentimentos,"os nossos" mas sempre diferentes do poeta, mas aí é que está a beleza da leitura, na mistura dos nossos momentos-sentidos com os dele "poeta"

 
Às 25 julho, 2005 08:47 , Blogger Peter disse...

"asas do sentimento", daí as dificuldades sentidas pela maior parte dos alunos, nas disciplinas de Matemática e de Português ( tem cuidado com as "gralhas").

 
Às 25 julho, 2005 09:19 , Anonymous Anónimo disse...

Peter essa das gralhas não entendi?

 

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