sexta-feira, outubro 15

Outono em Portugal

Este artigo foi escrito por Miguel Sousa Tavares e publicado na edição do Expresso de 9 de Outubro de 2010. Enviaram-mo hoje por e-mail, pois já entrei em recessão e não me posso dar ao luxo de comprar jornais. Permito-me, com a devida vénia, salientar algumas ideias:

“O mundo tem de nós a ideia de uns inúteis, parasitas, que só sabem cantar o fado e viver a crédito. Por isso, estamos sós. (…) Agora, acabou-se. (…) Não resta nada: o FMI, o Eurostat, a Moody's, todos se coligaram para nos anunciarem um longo Inverno, um ano negro, um horizonte carregado de nuvens e de desesperança. (…) Mas, apesar de tudo, o Outono chegou em festa: celebrámos 100 anos de República - seja isso o que for ou o que fizerem o favor de nos explicar que é. "O povo saiu à rua", jurou o "Público", a propósito das comemorações. E eu acredito, porque não haveria de acreditar? O que mais vejo por aí é o povo entusiasmado com a República - seja isso o que for. (…) e eu até seria capaz de acreditar que, caramba, o povo ainda tem "causas". Mas, não: a nossa única causa agora é o défice. Pois, bem me lembro de Jorge Sampaio ter dito que havia mais vida para além do dito, mas o nosso mal foi alguns, e com responsabilidades, terem acreditado que sim: agora, estamos onde estamos. (…) Desceu o Outono sobre a Europa, também. Vejam que já não há respeito nem por irlandeses nem por gregos. Juntam-nos a todos, mais a Espanha, e chamam-nos os "PIGS". (…) Então, não há saída? Há, tem de haver. (…) É bom que os portugueses entendam e interiorizem que não podemos continuar a viver a crédito, gastando o que não temos. Se o entendemos facilmente na nossa economia familiar, não há razão para que não o entendamos na economia do país. É só preciso que acabem as mentiras: que se diga às pessoas que o dinheiro do Estado vem de algum lado (coisas que muitos, por estranho que pareça, ainda não se aperceberam). E que, de onde ele vem, terá de voltar. Que, olhos nos olhos, haja a coragem de dizer aos portugueses uma coisa tão simples quanto isto: "não há dinheiro". (…) penso que, de facto, perdemos a noção do que sejam sacrifícios. E quando vejo os administradores de empresas públicas ou semipúblicas atribuírem-se milionários prémios de gestão por conseguirem lucros a vender bens essenciais em regime de monopólio, penso que tudo isto tem de levar um grande abanão, de cima a baixo. (…) Tirando os poucos que souberam aproveitar a oportunidade europeia, com trabalho, com talento, com riscos assumidos, a grande massa dos portugueses, tal como os gregos, convenceu-se que a Europa era uma oportunidade para enriquecer sem esforço. O mundo tem de nós a ideia de uns inúteis, parasitas, que só sabem cantar o fado e viver a crédito. Por isso, estamos sós. Não adianta reclamar contra os especuladores ou contra o grande capital financeiro internacional. A questão é connosco, somos nós que temos de nos afirmar como um país viável para os nossos filhos, os nossos netos e quem vier depois. Antes assim, sem mais subterfúgios - é o que nos resta fazer. (…)”

2 Comentários:

Às 16 outubro, 2010 09:32 , Blogger vbm disse...

Desassombrado,
como de costume.

Sempre valiosa,
a independência
de atitude e opinião.

Concordo.
E choca-me
que o governo
não aplique as medidas
propostas pelos críticos
que conhecem macroeconomia.

 
Às 18 outubro, 2010 18:56 , Blogger Lylia disse...

erm, e está aqui um bom exemplo como o português fala, fala, escreve, e no entanto, nada faz =)

beijo

 

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