quarta-feira, julho 31

A ALEMANHA E O ACORDO DE LONDRES DE 1953


Alemanha e o Acordo de Londres 1953: Que Lições?
Há somente 60 anos, em 27 de Fevereiro de 1953, celebrou-se em Londres, com representantes de 26 países, um acordo que concedeu o perdão de metade da dívida da Alemanha pós-guerra. Estados Unidos, Reino Unido, França, Holanda e Suíça contavam-se entre os países com créditos mais elevados. Entre os países que perdoaram 50% da dívida alemã estavam a Espanha, Grécia e Irlanda. A dívida total foi avaliada em 32 mil milhões de marcos representando cerca de 150% das exportações da Alemanha em 1950.
O pagamento foi calendarizado para o período entre 1953 e 1983 com um período de carência para os primeiros cinco anos durante o qual apenas se pagariam juros. Na antevéspera da reunificação alemã (Outubro de 1990) o governo emitiu as últimas obrigações para pagar a dívida contraída na década de 1920.
Ao contrário da política atualmente seguida pela Troika, o Acordo de Londres de 1953 previa condições a cumprir pelos países credores que se obrigavam a garantir a capacidade de recuperação económica da Alemanha.
O acordo procurou assegurar o crescimento económico da Alemanha e a sua capacidade real para cumprir o pagamento da dívida. Para alcançar esse objetivo o acordo definiu três medidas fundamentais: Perdão de 50% da dívida, reescalonamento do prazo da divida e condicionamento do pagamento à capacidade de cumprimento do país.
Ficou ainda assegurada a possibilidade de suspensão e de renegociação dos pagamentos em caso de dificuldade. O montante afeto ao serviço da dívida nunca poderia ultrapassar 5% do valor das exportações alemãs e as taxas de juro foram estudadas para viabilizarem o bom funcionamento da economia situando-se entre 0 e 5 %. Os credores concordaram que seria inaceitável reduzir o consumo interno para pagamento da dívida, exatamente o oposto das políticas que hoje são impostas pela Troika.
O Acordo de Londres previa uma condição muito equilibrada ao obrigar a Alemanha a apenas efetuar o pagamento da dívida através do superavit da balança comercial. Os credores autorizavam ainda a Alemanha o direito de impor taxas unilaterais às importações que prejudicassem a sua indústria.
O que vemos hoje? Um desprezo absoluto pelos países devedores independentemente do défice crónico das suas balanças comerciais. A degradação económica a que assistimos ameaça seriamente a estrutura social dos países em crise.
Esse acordo também mostrou que a dívida não pode ser vista como uma responsabilidade exclusiva do devedor. Países como a Grécia acordaram de forma voluntária ajudar a criar uma Europa estável e próspera apesar dos crimes de guerra que os ocupantes alemães lhes tinham infligido apenas alguns anos antes.
Talvez a característica mais inovadora do Acordo de Londres tenha sido a cláusula que estipulava que a Alemanha Ocidental só pagaria dívidas recorrendo ao seu superavit comercial limitando os reembolsos a 3% das receitas de exportação anuais. Os países credores obrigavam-se a comprar bens à Alemanha Ocidental para verem liquidados os seus créditos.
Hoje constatamos que a solução para os países endividados é totalmente diversa. A prática tem sido a de forçar os governos a implementar medidas de austeridade e a liberalizar o mercado para se tornarem supostamente “mais competitivos”. Como resultado disso a pobreza e a desigualdade aumentaram na Grécia, Irlanda, Portugal e Espanha, a economia da Grécia encolheu mais de 20% com um em cada dois jovens desempregados. A “estratégia” na Grécia, Irlanda, Portugal, Espanha e agora em Chipre consiste em colocar o fardo do ajustamento apenas sobre o país devedor para tornar a sua economia mais competitiva através do desemprego em massa e cortes salariais. Mas sem credores como a Alemanha dispostos a aumentar a importação de bens desses países isso não vai acontecer. Apenas será aprofundada a dor social nos países devedores.
O acordo da dívida alemã foi um elemento essencial para a recuperação da devastação da Segunda Guerra Mundial. Na Europa de hoje a dívida está a destruir o tecido social. Temos de considerar erradas, para não as classificar como criminosas, as políticas atuais dos líderes europeus.
A União Europeia, e em especial a Alemanha, deveriam refletir sobre as medidas que preconizam comparando-as com as estipuladas no Acordo de Londres. A opinião pública deve lutar para demonstrar que o cancelamento da dívida pública, ainda que parcial, pode ser viável e salutar se houver vontade política e forem adotadas medidas inteligentes que promovam o desenvolvimento económico.
A Europa precisa de refletir e de tomar medidas rapidamente sob pena de se afundar e de perder definitivamente o seu estatuto de continente privilegiado. Parece aconselhável, por exemplo, ter em conta as críticas do economista norte-americano Paul Krugman, Prémio Nobel da Economia, que considera errada a estratégia da União Europeia de combate à crise bem como os cortes acentuados na despesa pública.
Esta crise é certamente o primeiro resultado profundo da submissão dos interesses da Europa no seio da Organização Mundial do Comércio (OMC) designadamente a abertura irracional dos seus mercados aos países asiáticos, com a China à cabeça, e com a consequente destruição da sua estrutura industrial e correspondente desemprego em larga escala. A China não cumpre os critérios da economia de mercado definidos pela OMC pelo que o estatuto de economia de mercado só lhe deveria ser concedido após cumprir todos os critérios. Só assim se pode assegurar a concorrência leal e de equilíbrio saudável.

domingo, julho 28

A GROSSEIRA INCONSTITUCIONALIDADE DA TRIBUTAÇÃO SOBRE PENSÕES


 "Aprovado o OE 2013, Portugal arrisca-se a entrar no "Guinness Fiscal"
por força de um muito provavelmente caso único no planeta: a partir de um certo valor (1350 euros mensais), os pensionistas vão passar a pagar mais impostos do que outro qualquer tipo de rendimento, incluindo o de um salário de igual montante! Um atropelo fiscal inconstitucional, pois que o imposto pessoal é progressivo em função dos rendimentos do agregado familiar [art.º 104.º da CRP], mas não em função da situação activa ou inactiva do sujeito passivo e uma grosseira violação do princípio da igualdade [art.º 13.º da CRP].
Por exemplo, um reformado com uma pensão mensal de 2200 euros pagará mais 1045 € de impostos do que se estivesse a trabalhar com igual salário (já agora, em termos comparativos com 2009, este pensionista viu aumentado em 90% o montante dos seus impostos e taxas!).
Tudo isto por causa de uma falaciosamente denominada "contribuição extraordinária de solidariedade" (CES), que começa em 3,5% e pode chegar aos 50%. Um tributo que incidirá exclusivamente sobre as pensões. Da Segurança Social e da Caixa Geral de Aposentações.
Públicas e privadas. Obrigatórias ou resultantes de poupanças voluntárias. De base contributiva ou não, tratando-se por igual as que resultam de muitos e longos descontos e as que, sem esse esforço contributivo, advêm de bónus ou remunerações indirectas e diferidas.
Nas pensões, o Governo resolveu que tudo o que mexe leva!
Indiscriminadamente. Mesmo - como é o caso - que não esteja previsto no memorando da troika.
Esta obsessão pelos reformados assume, nalguns casos, situações grotescas, para não lhes chamar outra coisa. Por exemplo, há poucos anos, a Segurança Social disponibilizou a oferta dos chamados "certificados de reforma" que dão origem a pensões complementares públicas para quem livremente tenha optado por descontar mais 2% ou 4% do seu salário. Com a CES, o Governo decide fazer incidir mais impostos sobre esta poupança do que sobre outra qualquer opção de aforro que as pessoas pudessem fazer com o mesmo valor... Ou seja, o Estado incentiva a procura de um regime público de capitalização (sublinho, público) e logo a seguir dá-lhe o golpe mortal. Noutros casos, trata-se - não há outra maneira de o dizer - de um desvio de fundos através de uma lei: refiro-me às prestações que resultam de planos de pensões contributivos em que já estão actuarialmente assegurados os activos que caucionam as responsabilidades com os beneficiários. Neste caso, o que se está a tributar é um valor que já pertence ao beneficiário, embora este o esteja a receber diferidamente ao longo da sua vida restante. Ora, o que vai acontecer é o desplante legal de parte desses valores serem transferidos (desviados), através da dita CES, para a Caixa Geral de Aposentações ou para o Instituto de Gestão Financeira da S. Social! O curioso é que, nos planos de pensões com a opção pelo pagamento da totalidade do montante capitalizado em vez de uma renda ou pensão ao longo do tempo, quem resolveu confiar recebendo prudente e mensalmente o valor a que tem direito verá a sua escolha ser penalizada. Um castigo acrescido para quem poupa.
Haverá casos em que a soma de todos os tributos numa cascata sem decoro (IRS com novos escalões, sobretaxa de 3,5%, taxa adicional de solidariedade de 2,5% em IRS, contribuição extraordinária de solidariedade (CES), suspensão de 9/10 de um dos subsídios que começa gradualmente por ser aplicado a partir de 600 euros de pensão mensal!) poderá representar uma taxa marginal de impostos de cerca de 80%! Um cataclismo tributário que só atinge reformados e não rendimentos de trabalho, de capital ou de outra qualquer natureza! Sendo confiscatório, é também claramente inconstitucional. Aliás, a própria CES não é uma contribuição. É pura e simplesmente um imposto.
Chamar-lhe contribuição é um ardil mentiroso. Uma contribuição ou taxa pressupõe uma contrapartida, tem uma natureza sinalagmática ou comutativa. Por isso, está ferida de uma outra inconstitucionalidade.
É que o já citado art.º 104.º da CRP diz que o imposto sobre o rendimento pessoal é único.
Estranhamente, os partidos e as forças sindicais secundarizaram ou omitiram esta situação de flagrante iniquidade. Por um lado, porque acham que lhes fica mal defender reformados ou pensionistas desde que as suas pensões (ainda que contributivas) ultrapassem o limiar da pobreza. Por outro, porque tem a ver com pessoas que já não fazem greves, não agitam os media, não têm lobbies organizados.
Pela mesma lógica, quando se fala em redução da despesa pública há uma concentração da discussão sempre em torno da sustentabilidade do Estado social (como se tudo o resto fosse auto-sustentável...).
Porque, afinal, os seus beneficiários são os velhos, os desempregados, os doentes, os pobres, os inválidos, os deficientes... os que não têm voz nem fazem grandiosas manifestações. E porque aqui não há embaraços ou condicionantes como há com parcerias público-privadas, escritórios de advogados, banqueiros, grupos de pressão, estivadores. É fácil ser corajoso com quem não se pode defender.
Foi lamentável que os deputados da maioria (na qual votei) tenham deixado passar normas fiscais deste jaez mais próprias de um socialismo fiscal absoluto e produto de obsessão fundamentalista, insensibilidade, descontextualização social e estrita visão de curto prazo do ministro das Finanças. E pena é que também o ministro da Segurança Social não tenha dito uma palavra sobre tudo isto, permitindo a consagração de uma medida que prejudica seriamente uma visão estratégica para o futuro da Segurança Social. Quem vai a partir de agora acreditar na bondade de regimes complementares ou da introdução do "plafonamento", depois de ter sido ferida de morte a confiança como sua base indissociável? Confiança que agora é violada grosseiramente por ditames fiscais aos ziguezagues sem consistência, alterando pelo abuso do poder as regras de jogo e defraudando irreversivelmente expectativas legitimamente construídas com esforço e renúncia ao consumo.
Depois da abortada tentativa de destruir o contributivismo com o aumento da TSU em 7%, eis nova tentativa de o fazer por via desta nova avalanche fiscal. E logo agora, num tempo em que o Governo diz querer "refundar" o Estado Social, certamente pensando (?) numa cultura previdencial de partilha de riscos que complemente a protecção pública. Não há rumo, tudo é medido pela única bitola de mais e mais impostos de um Estado insaciável.
Há ainda outro efeito colateral que não pode ser ignorado, antes deve ser prevenido: é que foram oferecidos poderosos argumentos para "legitimar" a evasão contributiva no financiamento das pensões.
"Afinal, contribuir para quê?", dirão os mais afoitos e atentos.
Este é mais um resultado de uma política de receitas "custe o que custar" e não de uma política fiscal com pés e cabeça. Um abuso de poder sobre pessoas quase tratadas como párias e que, na sua larga maioria, já não têm qualquer possibilidade de reverter a situação. Uma vergonha imprópria de um Estado de Direito. Um grosseiro conjunto de inconstitucionalidades que pode e deve ser endereçado ao Tribunal Constitucional.
PS1: Com a antecipação em "cima da hora" da passagem da idade de aposentação dos 64 para os 65 anos na função pública já em 2013 (até agora prevista para 2014), o Governo evidencia uma enorme falta de respeito pela vida das pessoas. Basta imaginar alguém que completa 64 anos em Janeiro do próximo ano e que preparou a sua vida pessoal e familiar para se aposentar nessa altura. No dia 31 de Dezembro, o Estado, através do OE, vai dizer-lhe que, afinal, não pode aposentar-se. Ou melhor, em alguns casos até poderá fazê-lo, só que com penalização, que é, de facto, o que cinicamente se pretende com a alteração da lei. Uma esperteza que fica mal a um Governo que se quer dar ao respeito.
PS2: Noutro ponto, não posso deixar de relevar uma anedota fiscal para
2013: uma larga maioria das famílias da classe média tornadas fiscalmente ricas pelos novos escalões do IRS não poderá deduzir um cêntimo que seja de despesas com saúde (que não escolhem, evidentemente). Mas, por estimada consideração fiscal, poderão deduzir uns míseros euros pelo IVA relativo à saúde dos seus automóveis ,pagos às oficinas e à saúde capilar nos cabeleireiros. É comovente..."

(Bagão Félix)




sábado, julho 13

CAÇA À MULTA


No princípio do mês, em Lagos, estacionei o carro na avenida marginal. Como ia sozinho, tranquei-o e fui comprar o bilhete de estacionamento. Demorei exatamente 3 min e quando cheguei ao automóvel já tinha uma multa de estacionamento. Quer dizer, o empregado passou no momento em que eu estava a comprar o bilhete e zás, multou-me. Fui à procura dele e além de ter sido desagradável, não me esclareceu como proceder. No verso do bilhete tinha instruções de como pagar os 12€ no Multibanco, mas a confusão era tanta que não consegui. Um empregado da esplanada que costumo frequentar, disse-me que podia pagar numa papelaria ali perto, o que também não consegui, disseram-me para ir pagar à PSP, dizendo-me onde fazê-lo. Lá fui e defrontei-me com uma fila enorme. Depois, ainda tive que esperar que o chefe do polícia resolvesse o problema, o qual em face dos documentos que apresentei e porque foram só 3 min e não tinha ninguém que me comprasse o bilhete, lá me perdoou.

E assim se perdeu uma manhã de praia, o que é preciso é “sacar”…

quinta-feira, julho 4

Discurso do PR na AR em 25/04/12

Senhor Presidente da Assembleia da República,
Senhor Primeiro-Ministro,
Senhoras e Senhores Deputados,
Minhas Senhoras e meus Senhores,
Celebramos hoje, uma vez mais, o aniversário da revolução de 25 de Abril de 1974.
Não vou repetir o que aqui afirmei o ano passado. Apenas direi que me impressiona que muitos jovens não saibam sequer o que foi o 25 de Abril, nem o que significou para Portugal. Os mais novos, sobretudo, quando interrogados sobre o que sucedeu em 25 de Abril de 1974 produzem afirmações que surpreendem pela ignorância de quem foram os principais protagonistas, pelo total alheamento relativamente ao que era viver num regime autoritário.
Não posso deixar de recordar, Senhores Deputados, que, quando o 25 de Abril ocorreu, uma parcela substancial da nossa população nem sequer era nascida. Quem viveu a revolução, tem a tendência para não se lembrar disso, julgando que essa data, fixada no tempo, possui uma perenidade eterna.
Não é justo para aqueles que se bateram pela liberdade, tantas vezes arriscando a própria vida, que a geração responsável por manter viva a memória de Abril persista em esquecer que a revolução foi um projecto de futuro e que, por ter sido um projecto de futuro, deve continuar a ser um sonho inspirador e um ideal para as gerações vindouras.
Senhor Presidente,
Senhoras e Senhores Deputados,
Um regime político não pode esquecer as suas origens. Não é saudável que a nossa democracia despreze o seu código genético e as promessas que nele estiveram inscritas. Num certo sentido, o 25 de Abril continua por realizar. Naquilo que continha em termos de ambição de uma sociedade mais justa, naquilo que exigia de um maior empenhamento cívico dos cidadãos, naquilo que implicava de uma nova atitude da classe política, há ainda um longo caminho a percorrer.
Foi justamente a pensar na importância do 25 de Abril para a juventude dos nossos dias que, no ano passado, procurei suscitar a reflexão dos Senhores Deputados sobre o sentido a dar a esta efeméride.
Eu próprio reflecti sobre que sentido faz hoje evocar o 25 de Abril. E, como sempre defendi que os agentes políticos devem prestar contas do que fazem, aqui me encontro para dizer aos Portugueses que continuo convencido que a juventude é o horizonte de qualquer comemoração do 25 de Abril verdadeiramente digna desse nome.
O 25 de Abril, disse-o há um ano e digo-o de novo, não é monopólio de uma geração nem de uma força política. O pluralismo que inaugurou leva a comemorá-lo pensando na salutar diversidade de opiniões, no confronto de tendências e de visões do mundo, na livre expressão das ideias, no legítimo exercício do direito de criticar e discordar. Acima de tudo, leva a comemorá-lo pensando que o 25 de Abril é cada vez mais daqueles que nem sequer o viveram.
Ora, aquilo que encontrei ao longo deste ano faz-me ter esperança na juventude, mas também alguma preocupação quanto aos seus destinos. Ao percorrer o País, nomeadamente nos «Roteiros» que tenho lançado, deparei de Norte a Sul com jovens empreendedores e dinâmicos que ousam projectos de risco, conheci o trabalho de investigadores de excelência à altura dos melhores do mundo, contactei uma nova geração que se dedica a acções de voluntariado e que demonstra um comovente espírito de entrega ao serviço dos outros.
Mas, à semelhança do que aqui disse o ano passado, se por toda a parte encontrei sinais promissores, também sinto que não temos conseguido mobilizar os jovens para um envolvimento mais activo e participante na vida política. Como esta é uma questão que considero demasiado séria, entendi que não poderia limitar-me a falar com base em meras suposições. E, como considero que devo prestar contas do que fiz, gostaria de partilhar com os presentes nesta sala e com todos os Portugueses os resultados de um estudo sobre as atitudes e comportamentos políticos dos jovens em Portugal que, por minha iniciativa, a Universidade Católica realizou e que irei em breve facultar aos grupos parlamentares. Verifica-se que os jovens se distinguem dos outros grupos etários em relação a alguns tipos de comportamento, mas não em relação a todos eles.
Nesse estudo, que me foi apresentado em Janeiro deste ano, concluiu-se, e passo a enunciar:
- em primeiro lugar, que é notória a insatisfação dos Portugueses com o funcionamento da democracia, assim como a existência de atitudes favoráveis a reformas profundas na sociedade portuguesa;
- os mais jovens, entre os 15 e os 17 anos, e os jovens adultos, entre os 18 e os 29 anos – ou seja, os que nasceram após o 25 de Abril – são a camada etária que se mostra mais favorável à introdução de reformas incrementais e limitadas no sistema. De realçar, contudo, que os jovens revelam menor pessimismo quanto ao futuro do que os outros grupos etários;
- os jovens estão menos expostos à informação política pelos meios convencionais de comunicação do que os restantes segmentos da população e mostram também mais baixos níveis de conhecimentos políticos;
- exceptuando o exercício do direito de voto, a população portuguesa tende a ser céptica em relação à eficácia da participação política tradicional, isto é, aquela que é feita através dos partidos;
- no que respeita a um conjunto genérico de medidas destinadas a melhorar a qualidade do sistema democrático, os portugueses são particularmente favoráveis à presença das mulheres na vida política, à criação de novos mecanismos de participação e à maior personalização do sistema eleitoral.
Trata-se de um estudo efectuado de acordo com os métodos mais adequados e fiáveis de recolha de informação, podendo considerar-se que os elementos que contém são fidedignos e correspondem à realidade. Foi esta realidade que o Presidente da República quis conhecer. E é esta realidade que aqui trago ao conhecimento dos Senhores Deputados, na convicção de que os agentes políticos não podem alhear-se do pulsar da sociedade e daquilo que os cidadãos pensam daqueles que os governam.
O estudo mostra ainda outros dados que merecem uma análise séria e uma ponderação profunda:
- já em 2004, os Portugueses contavam-se entre os europeus e os cidadãos de países desenvolvidos com uma pior avaliação do funcionamento da democracia; de 2004 para cá, a insatisfação e o pessimismo cresceram de forma sensível;
- do ponto de vista do chamado «interesse pela política», os resultados demonstram, e cito textualmente o estudo, um «baixíssimo interesse dos inquiridos entre os 15 e os 17 anos»;
- em termos comparativos, além da Hungria e da Eslováquia, Portugal é o país europeu em que os cidadãos dão menos importância à política nas suas vidas;
- os cidadãos em geral mostram maiores níveis de interesse pela política a nível local do que a nível nacional e internacional.
O estudo colocou aos inquiridos três perguntas muito simples: qual o número de Estados da União Europeia, quem foi o primeiro Presidente eleito após o 25 de Abril e se o Partido Socialista dispunha ou não de uma maioria absoluta no Parlamento. Pois, Senhores Deputados, metade dos jovens entre os 15 e os 19 anos e um terço dos jovens entre os 18 e os 29 anos não foi sequer capaz de responder correctamente a uma única das três perguntas colocadas. Repito: metade dos jovens entre os 15 e os 19 anos não foi capaz de responder a uma única de três perguntas simples que lhes foram colocadas. No dia em que comemoramos solenemente o 34º aniversário do 25 de Abril, numa cerimónia todos os anos repetida, somos obrigados a pensar se foi este o futuro que sonhámos.
Justamente por isso, é meu propósito promover em breve um encontro com representantes de organizações de juventude, tendo por objectivo colher a sua opinião sobre o distanciamento dos jovens em relação à política e sobre as medidas que possam contribuir para minorar ou inverter esta situação.
Senhor Presidente,
Senhoras e Senhores Deputados,
Se estes são os resultados, será mais difícil diagnosticar as causas. Sei que a actividade política, sobretudo nas democracias consolidadas e nas sociedades desenvolvidas, não ocupa um lugar cimeiro nas preocupações quotidianas dos cidadãos. Simplesmente, mesmo em comparação com os demais países da Europa, os resultados obtidos em Portugal não são animadores.
É natural, é saudável até que os cidadãos em geral e os jovens em particular tenham centros de interesse para além da vida política. Tal significa que têm a democracia como um dado adquirido, que interiorizaram o facto de viverem num regime democrático e agora dedicam a sua atenção a outras realidades.
Em todo o caso, o nível de informação dos jovens relativamente à política é de tal forma baixo que ultrapassa os limites daquilo que é natural e salutar numa democracia amadurecida.
O alheamento da juventude não pode deixar de nos preocupar a todos, a começar pelos agentes políticos. A começar por vós, Senhores Deputados. Se os jovens não se interessam pela política é porque a política não é capaz de motivar o interesse dos jovens. Interrogo-me que efeitos daqui resultarão para o governo de Portugal num futuro não muito distante.
Impõe-se, por isso, que diminua aquilo a que os especialistas chamam a «distância ao poder». Não por acaso, a política local, segundo os elementos daquele estudo, é aquela que mais motiva os cidadãos. Quanto mais próximos estiverem os cidadãos dos centros de decisão, maior será o seu interesse em participar e intervir. Daí que os centros de decisão tenham de procurar uma «política de proximidade» relativamente aos Portugueses.
É isso que tenho feito através dos «Roteiros» e de outras iniciativas, que me levaram a contactar directamente as populações, conhecendo de perto os seus anseios, os seus problemas, a sua insatisfação, mas também as suas esperanças, a sua crença num País melhor, os inúmeros exemplos de sucesso e de boas práticas que encontrei na vida empresarial ou académica, ou nos domínios da cultura, da inclusão social, do ambiente e da investigação científica.
Os partidos políticos possuem responsabilidades muito claras no combate ao alheamento dos jovens pela vida pública. No fundo, no combate à indiferença que muitos jovens têm pelo futuro do seu País. Tal deve-se, em boa medida, ao facto de não ter havido o necessário esforço para a credibilização da vida política. Esse esforço não dispensa algo de muito simples: ouvir o povo e falar-lhe com verdade. Vender ilusões não é, seguramente, a melhor forma de fortalecer o imprescindível clima de confiança que deve existir entre os cidadãos e a classe política.
Do mesmo modo que seria bom acabar com um certo autismo de alguma classe política, levando-a a conhecer melhor a realidade do País, deveríamos pôr cobro ao pessimismo que muitos dizem ser uma característica singular do povo português, desde tempos imemoriais.
Na sua vida de todos os dias, os Portugueses interrogam-se sobre o que lhes reservará o futuro. Existirão sinais para sermos optimistas? Ou, pelo contrário, os indícios apontam para um futuro sombrio? Esta é a atitude típica daqueles que preferem aguardar pelo futuro ou que persistem em tentar adivinhar como será o futuro, em vez de pensar o que devem fazer no presente.
Em vez de nos interrogarmos tanto sobre o que o futuro nos trará, seria melhor que nos concentrássemos sobre o que poderemos trazer ao presente. O futuro começa agora. O futuro será o que dele fizermos hoje, nas nossas vidas profissionais e pessoais, nos nossos comportamentos cívicos, nas nossas atitudes perante os outros. Ao invés de imaginar o dia de amanhã, em lugar de procurarmos sinais nas estrelas de um futuro incerto, construamos hoje mesmo o que queremos para um Portugal melhor. É esse o espírito com que exerço as funções em que fui investido, precisamente neste hemiciclo, onde jurei cumprir e fazer cumprir a Constituição Portuguesa.
Sou Presidente da República porque não me resignei. Porque quis dar o meu contributo presente para o futuro das gerações que nos seguem. Não me resigno, acima de tudo, porque acredito no meu País e nos seus cidadãos. E, por isso, renovo o apelo de há um ano, dirigido a todos os Portugueses, sobretudo aos mais jovens: não se resignem! Só assim sereis dignos da memória do 25 de Abril.
Muito obrigado.